Discurso no Senado Federal

MARGINALIZAÇÃO E DISCRIMINAÇÃO DOS PORTADORES DE DEFICIENCIAS FISICAS E MENTAIS.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL. POLITICA CULTURAL.:
  • MARGINALIZAÇÃO E DISCRIMINAÇÃO DOS PORTADORES DE DEFICIENCIAS FISICAS E MENTAIS.
Aparteantes
Bernardo Cabral.
Publicação
Publicação no DSF de 30/09/1996 - Página 15087
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL. POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, PESSOA DEFICIENTE, OPORTUNIDADE, REALIZAÇÃO, SEMANA, EXCEPCIONAL, PAIS.
  • DEFESA, RELEVANCIA, TRABALHO, CONSCIENTIZAÇÃO, GOVERNO, SOCIEDADE, POSSIBILIDADE, INTEGRAÇÃO, RESGATE, CIDADANIA, PESSOA DEFICIENTE.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, MANIFESTAÇÃO, SENADO, PRIORIDADE, PROBLEMA, INTEGRAÇÃO, GARANTIA, IGUALDADE, DIREITOS, PESSOA DEFICIENTE.
  • REGISTRO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, RECONHECIMENTO, LEGALIDADE, ALTERNATIVA, COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO, LINGUA PORTUGUESA.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de 20 a 23 de agosto realiza-se, em todo o Brasil, a Semana Nacional do Excepcional. Esse evento chama a atenção da sociedade para as questões relacionadas às pessoas portadoras de algum tipo de deficiência.

Houve um tempo em que o excepcional era sinônimo de incapacidade, de inútil, de inferior. Pessoas que viam-se relegadas ao esquecimento, merecedoras de piedade e da compaixão dos chamados normais. Eram deficientes, como se jamais pudessem realizar-se como indivíduos, como cidadãos. Hoje, não encontramos mais deficientes, mas pessoas portadoras de deficiência. Essa expressão, mais do que um jogo de palavras, demonstra uma mudança de mentalidade. Está comprovado que as pessoas excepcionais, ou os portadores de deficiência, são, não apenas tão competentes como qualquer um, mas, em muitos casos, mais brilhantes e talentosas que a maioria.

A incidência de deficiências, resultantes de defeitos congênitos, doenças, desnutrição, acidentes ou outras causas, tem aumentado com maior rapidez do que a expansão dos serviços de saúde, educação e outros. De acordo com os dados do Banco Mundial, de 1989, o percentual considerado aceitável de pessoas portadoras de deficiência nos países desenvolvidos varia de 1,0% a 3,5% da população.

No Brasil, segundo estatísticas da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), as mais recentes progressões estatísticas estimam em 10% (dez por cento) o percentual da população brasileira atingida por algum tipo de deficiência. Portanto, representam cerca de 15 milhões de brasileiros. Se considerarmos que a maioria pertence a um núcleo familiar de, no mínimo, 3 pessoas, teremos algo em torno de 30% de brasileiros que, direta ou indiretamente, convivem com essa problemática.

As deficiências mentais são as de maior incidência, atingindo a 5% da população. Em segundo lugar vem as deficiências físicas, atingindo 2%. Depois, as deficiências auditivas com 1,5%. Em seguida, as deficiências múltiplas com 1,0% e, por fim, as deficiências da visão, atingindo 0,5% dos brasileiros. Portanto, a população de nosso país portadora de deficiência apresenta o seguinte perfil:

Deficientes mentais: 5%, ou cerca de 7.300.000 de pessoas;

Deficientes físicos: 2% ou cerca de 2.900.000 de pessoas;

Deficientes auditivos: 1,5% ou cerca de 2.200.000 de pessoas;

Deficientes múltiplos: 1% ou cerca de 1.400.000 de pessoas;

Deficientes visuais: 0,5% ou cerca de 700.000 de pessoas.

É, portanto, com sentimento de justiça que prestamos esta homenagem hoje aos portadores de deficiência.

A questão social da qual resultam essas estatísticas está marcada pelo preconceito e caracteriza-se pela ausência de prevenção, de atendimento adequado em saúde e educação, falta de inserção no mercado de trabalho.

Esses números revelam-nos o alarmante contingente de pessoas que vivem hoje uma difícil realidade. Direitos básicos de cidadania, reivindicados pela grande maioria da sociedade, são ainda inacessíveis para a maior parte desses brasileiros. Direitos civis fundamentais, como o de ir e vir, não existem, por exemplo, para a realidade dos deficientes físicos. O mesmo podemos dizer do acesso à justiça, que até hoje não está voltada para a questão.

Quanto aos direitos políticos, podemos dizer que é mínima a porcentagem de deficientes que votará, nas próximas eleições, discriminados pelo preconceito dos que os consideram incapazes de escolher ou pela dificuldade de locomoção e de comunicação, muitas vezes intransponíveis.

Os direitos à cidadania e os direitos sociais para os brasileiros em geral,ainda estão sendo construídos, mas é certo que para o deficiente ainda são totalmente inexistente, como o acesso à saúde, à educação, ao trabalho e ao lazer, aspirações legítimas de todo o brasileiro, mas que se encontra no campo do imaginário para os portadores de deficiência.

A cidadania do deficiente é duplamente usurpada: negamo-lhes as conquistas comuns a todo o cidadão, ao mesmo tempo que lhes é negado o direito à igualdade, porque implica o respeito à diferenças.

Se prestarmos atenção aos números pesquisados, implica afirmar que, em cada município, em cada estado da Federação, 10% de seus habitantes são portadores de alguma deficiência e que essas pessoas carecem da intervenção das autoridades e de cada um de nós para terem assegurada a sua cidadania.

Em luta constante pela sobrevivência, o deficiente anseia freqüentar escolas públicas, utilizar transportes públicos, ser atendido em hospitais públicos, fazer concursos públicos. Espera também poder cursar qualquer escola, andar em qualquer tipo de transporte, lutar para obter emprego e pela competência profissional. São questão simples como estas que precisamos realizar para melhorar o cotidiano dos deficientes.

O acesso à educação, por exemplo, é decisivo na construção da cidadania. E, no entanto, o ato simples de ir à escola não é tão simples assim quando se trata de pessoas deficientes. Desde a dificuldade de se locomover, pela inexistência de transporte adaptado, até a dificuldade das escolas tratarem o deficiente de forma integrada, passando pelo embaraço do acesso físico a prédios cheios de barreiras arquitetônicas. Tudo isso afasta o deficiente da escola e acentua a sua segregação.

Na área da Saúde, quanta dificuldade em obter qualquer atendimento? Quantas barreiras para uma adequada reabilitação? O mesmo pode-se dizer para o trabalho, para o esporte, para o lazer, para o transporte e a comunicação. Para ter uma vida normal,o deficiente tem lutar muito e mesmo assim só poucos conseguem este objetivo.

A integração da pessoa portadora de deficiência evita sua dependência e marginalização, que certamente recai sobre os custos sociais do Governo e sobre a sociedade. Trazendo para a economia o mundo da produção e do consumo a incorporação de sua renda, tornaremos possível aumentar o número de contribuintes, desonerando os encargos previdenciários e assistenciais do Governo.

O trabalho de conscientização é essencial para o resgate da cidadania dos deficientes. Está nas mãos de cada um de nós, governo e sociedade, construir essa possibilidade, abrir os caminhos que levem à sua integração.

Segundo a ex-Presidenta da CORDE, Teresa Costa D Amaral, dez (10) pontos básicos são essenciais para integração do deficiente:

1. Prevenir deficiências através da incorporação aos serviços de saúde,de ações voltadas para a prevenção, bem como um eficiente atendimento pré, peri e pós-natal, um sistema de imunização apropriado, um serviço de socorro a acidentados adequado. Ressalte-se que essas atividades estarão sendo desenvolvidas por ações básicas de serviços de saúde adequadamente estruturados.

2. Abrir os serviços de saúde rotineiros para a atenção ao deficiente, além do atendimento adequado às suas necessidades de saúde específicas.

3. Possibilitar a prestação de atendimento a crianças deficientes nas creches, dando atenção adicional às suas especificidades, evitando a segregação dos serviços especiais. Começa-se, assim, desde cedo, a integrar quando for possível prevenir.

4. Viabilizar a matrícula e o atendimento educacional de deficientes nas escolas comuns, garantindo educação especial integrada, única opção para construir a base da cidadania do deficiente.

5. Apoiar a profissionalização do deficiente em estabelecimentos comuns ou em instituições, abrindo caminho para a inserção profissional do deficiente.

6. Promover o emprego do deficiente em empresas públicas e privadas, derrubando preconceitos quanto à sua produtividade.

7. Providenciar a adaptação dos transportes coletivos, resultando na garantia para o deficiente do direito básico de ir e vir.

8. Remoção das barreiras arquitetônicas em locais públicos e construção de prédios acessíveis.

9. Formação de recursos humanos que possam atender aos diferentes graus e formas de necessidades especiais do deficiente.

10. Apoiar as entidades de deficientes em suas reivindicações, através de projetos integrados.

É hora de acreditar que, para os portadores de deficiência, a diversidade e a convivência com respeito às diferenças, tomou o lugar da segregação, tornando possível encontrar meios para construir sua integração. Não é possível aceitarmos mais a discriminação e o isolamento que o preconceito impõe. Ou será que a nossa sociedade e o Estado brasileiro continuarão a tratar o portador de deficiência como "não-cidadão"?

O Sr. Bernardo Cabral - Permite-me V.Exª um aparte?

A SRª. BENEDITA DA SILVA - Com muito prazer, nobre Senador.

O Sr. Bernardo Cabral - Lembro-me de V. Exª quando Constituinte. Daí por que relata uma das conquistas da nossa Constituição, conquistas essas que contribuíram de forma decisiva. Àquela altura, V. Exª dizia o que nós outros registrávamos e concordávamos de que,lamentavelmente, o deficiente em nosso País é tratado como se fosse uma pessoa à margem da sociedade, como se ela não pudesse mais contribuir com nenhuma experiência. No entanto, nos chamados países do Primeiro Mundo, nós vemos, assistimos, não só o carinho mas também a assistência que se dá a esse deficiente. Seja nos transportes públicos, seja nas vias de acesso, enfim, hoje, no Brasil, começa a haver um simples engatinhar nesse sentido. Temos que reconhecer que, no passado, V. Exª foi uma das figuras baluartes em busca dessas conquistas. Só ousei interrompê-la, nobre Senadora Benedita da Silva, para fazer justiça ao seu trabalho, que vejo agora confirmado nessa sua atuação. Tal atuação abre um leque para o deficiente bem como para o menor de rua, para a infância abandonada, para a velhice esquecida. De modo que, a minha interrupção tem o objetivo de cumprimentar V. Exª.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª que, certamente, acrescentará o meu discurso. V. Exª é conhecedor não apenas do meu esforço pessoal mas também do dos nossos Pares na Assembléia Nacional Constituinte que,com precisão, trabalharam no sentido de pudéssemos garantir igualdade de direitos aos portadores deficientes no trabalho. V. Exª, como Relator, por várias vezes, teve que enfrentar nas discussões aqueles que o apoiavam, e até mesmo os que deixavam de apoiá-lo. Isso ocorreu por interesses que achavam perfeitamente naturais, com o quais não concordamos. No entanto, V. Exª,como Relator da Constituição, foi firme ao inserir em seu relatório esses direitos: locomoção, acesso e facilidades. Isso é importantíssimo. Sabemos que a nossa arquitetura sofre sem esses conhecimentos. As nossas arquiteturas são para os chamados normais. Não há preocupação quanto aos deficientes. E as dificuldades de acesso têm impedido, evidentemente, até que alguns com condições econômicas de alto nível não possam morar em determinados lugares, porque a arquitetura não lhes oferece essas facilidades.

Mas V. Exª sensível a isso garantiu na Constituição brasileira essa proteção, competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Tal direito está inserido no art. 23, inciso II.

Ora, temos que dar proteção, integração social, nessa legislação concorrente do Art. 24, XIV. Já o Estatuto da Criança e do Adolescente, no § 1º do art. 11 assegura a esses adolescentes portadores de deficiência atendimento especializado.

Portanto, Senador Bernardo Cabral, é com justiça que venho a esta tribuna, não apenas para lembrar o que temos na nossa Constituição como direito aos portadores de deficiência física mas também para lembrar ao Senado Federal que tal direito é da competência da União, dos Estados e dos Municípios, e que temos que fazer cumprir a Constituição sob pena de marginalizarmos 15 milhões de brasileiros, envolvendo mais de 30 milhões que tratam diretamente desta questão e que sofrem por falta de aplicação das medidas importantes e justas que reza a Constituição brasileira.

Portanto, é importante que este Senado se manifeste e dê prioridade à referida matéria, pois diz respeito ao indivíduo pura e simplesmente; deve merecer de nossa parte a atenção que dispensamos aos chamados assuntos relevantes como a economia, a reforma agrária, o sistema nacional de saúde, o sistema nacional de educação. Apesar de ser aparentemente menor é majoritariamente a grandeza de uma individualidade que num coletivo formaram 15 milhões de deficientes físicos, que devem ser lembrados na nossa posição política, nos nossos discursos, nas nossas denúncias e na aplicação dos recursos públicos.

A questão da integração das pessoas portadoras de necessidades especiais deve estar na ordem do dia, deve ser palavra de ordem. As leis brasileiras não deixam margem de dúvidas quanto a essa prioridade. A Constituição Federal é rica em referências aos portadores de deficiência. Nada menos do que 9 (nove) artigos, parágrafos e incisos sobre os deficientes, tais como:

1. Admissão em cargos e empregos públicos (art. 37, VIII)

2. Assistência (art. 227, § 1º, II)

3. Benefício mensal, assistência social (art. 203, V)

4. Ensino especializado (art. 208, III)

5. Habilitação e reabilitação; assistência social (art. 203, IV)

6. Igualdade de direitos no trabalho (art. 7º, XXXI)

7 . Locomoção e acesso - facilidades: normas (art. 227, § 2º e art. 244)

8. Proteção; competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 23, II)

Proteção e integração social - legislação concorrente (art. 24, XIV).

Já o Estatuto da Criança e do Adolescente, no parágrafo 1º do artigo 11, assegura que: A criança e o adolescente portadores de deficiência receberão atendimento especializado.

No entanto, existem hoje milhões de brasileiros buscando sua cidadania. Por isso, a democracia no Brasil estará concretizada no m omento em que a questão social tiver espaço prioritário nos governos, sem a divisão cidadão e não-cidadão, cidadãos de primeira classe e cidadãos de segunda classe. Os 15 milhões de brasileiros portadores de deficiência não querem misericórdia, mas respeito. Não querem caridade, mas justiça. Não clamam por privilégios, mas exigem os direitos que lhes são negados.

Quero aqui deixar registrado o Projeto de Lei nº 131/95, de minha autoria, que "Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais", proposta que reconhece como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais ou outros recursos de expressão a ela associados. Este projeto foi apresentado graças ao empenho e dedicação de associações, lingüistas... e por meio dele expresso meu compromisso com os portadores de deficiência de nosso País.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/09/1996 - Página 15087