Discurso no Senado Federal

PRESERVAÇÃO DOS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS QUE GARANTEM O DIREITO ADQUIRIDO, EM RELAÇÃO AS REFORMAS DA PREVIDENCIA E DA ADMINISTRAÇÃO, PROPOSTAS PELO PODER EXECUTIVO.

Autor
Joel de Hollanda (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Joel de Hollanda Cordeiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL.:
  • PRESERVAÇÃO DOS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS QUE GARANTEM O DIREITO ADQUIRIDO, EM RELAÇÃO AS REFORMAS DA PREVIDENCIA E DA ADMINISTRAÇÃO, PROPOSTAS PELO PODER EXECUTIVO.
Publicação
Publicação no DSF de 20/09/1996 - Página 16331
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • DEFESA, PRESERVAÇÃO, DIREITO ADQUIRIDO, REFORMA ADMINISTRATIVA, PREVIDENCIA SOCIAL, CRITICA, INCONSTITUCIONALIDADE, PROPOSTA, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, COMENTARIO, OPINIÃO, ESPECIALISTA, DIREITO.
  • COMENTARIO, INCONSTITUCIONALIDADE, MEDIDA PROVISORIA (MPV), REDUÇÃO, VANTAGENS, APOSENTADO, CRITICA, ATUAÇÃO, MINISTERIO DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL E REFORMA DO ESTADO (MARE), EXTINÇÃO, ESTABILIDADE, FUNCIONARIO PUBLICO.

O SR. JOEL DE HOLLANDA (PFL-PE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, preparamo-nos para, em breve, decidir acerca de reformas constitucionais propostas pelo Poder Executivo, especialmente as alusivas à Previdência e à Administração do País.

Conquanto mereçam o nosso apoiamento, é fato notório que essas pretensões governamentais foram alvo de malogradas contestações na Câmara dos Deputados, onde terminaram prevalecendo disposições que frontalmente agridem a Constituição da República, ao dela ignorarem imperiosa obediência ao princípio do direito adquirido.

Aqui, porém, vários Senadores já se encarregaram de advertir que a aprovação das propostas, por decisão meramente política daquela Casa, não importa, necessariamente, na disposição de o Senado as referendar, assim convalidando flagrante violência à ordem constitucional, ao Direito e à Justiça.

O Senador Antonio Carlos Valadares, referindo-se às lições dos constitucionalistas Carlos Ayres Britto e Valmir Pontes Filho, foi conclusivo na definição: "se existe algo que não pode ser alterado por emenda constitucional é o direito adquirido, previsto no texto da atual Constituição".

Não se há de pensar, conseguintemente, à luz do Direito Constitucional, na insubsistente propriedade de a emenda, acaso recepcionada pelo Congresso Nacional, desconstituir direitos regularmente consolidados, sob o corriqueiro e despiciendo argumento de que não há direito adquirido contra a Constituição, pois o que é de altaneira e pacífica percepção é a existência desse direito contra emendas tendentes a modificar a já colocada "normatividade jurídica-positiva de Estado soberano", referida por Kelsen.

Portanto, no correto entendimento daqueles especialistas, "importa preservar a inteireza do princípio da segurança das relações jurídicas, que tem na intocabilidade do direito adquirido uma das suas mais expressivas manifestações pontuais".

Muito antes, Rui Barbosa já externara, a esse propósito, que "o aposentado, o jubilado, o reformado, o pensionista do Tesouro, são credores da Nação, por títulos definitivos, perenes e irretratáveis".

E que "sob um regime, que afiança os direitos adquiridos, santifica os contratos, submete ao cânon da sua inviolabilidade o Poder Público, e, em garantia deles, adstringe as leis à norma tutelar da irretroatividade, não há consideração de natureza alguma, juridicamente aceitável, moralmente honesta, socialmente digna, logicamente sensata, pela qual se possa autorizar o Estado a não honrar a dívida, que com esses credores contraiu".

"Na espécie das reformas, jubilações ou aposentadorias, a renda assume a modalidade especial de um crédito contra a Fazenda, e, por isso mesmo, a esta não seria dado jamais exonerar-se desse compromisso essencialmente contratual, mediante um ato unilateral da sua autoridade."

O sempre reverenciado Senador Josaphat Marinho, em pronunciamento que exorna os Anais do Parlamento, reportou-se, há pouco, à Súmula 473, do Supremo Tribunal Federal - STF, tida pela Administração Pública como autorizativa de atos anulatórios ou modificativos de direitos dos servidores públicos.

A orientação da Excelsa Corte, no entanto, concede simplesmente que "a Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originaram direitos, ou revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvados, em todos os casos, a aplicação judicial".

Indaga, então, com veemência, o Senador baiano: "Como se há de admitir que funcionários, que estão percebendo vencimentos há cinco, seis e mais anos, com fundamento na interpretação que as autoridades federais deram às normas, possam ter suas vantagens agora reduzidas, sob o fundamento de ilegalidade? Onde está a garantia do direito adquirido, estabelecido na Constituição?"

Não declarasse a Carta, em seu artigo quinto, que "a lei não pode atingir o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada", quer-se, por medidas administrativas ou revogação de cláusulas pétreas, alterar ou extinguir vantagens e direitos concedidos a funcionários em atividade e a servidores aposentados.

Conseqüentemente, o Senador Josaphat Marinho, com irretocável acerto, leciona que "o poder de interpretar as leis não envolve o de subvertê-las", significando que "o poder de rever atos administrativos não pode contrariar o princípio constitucional do respeito ao direito adquirido".

Não está delegado ao Governo o poder de rever situações consolidadas no patrimônio dos servidores, ativos ou inativos. Mesmo assim, o Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado vem promovendo a alteração ilimitada de vencimentos e proventos concedidos. Descrê que "a Constituição quis assegurar aos aposentados todas as vantagens posteriormente concedidas aos servidores em atividade e não cuidar de reduzir direitos, em face de discussão sobre a situação de funcionários ativos".

A vaga referência ao "interesse público", tomado como justificação dos propósitos do Governo, não é socorro aceitável, pois não se o protege mediante a "violação de direitos, mas com a supressão de vícios e irregularidades. No estado de direito, a que a Constituição expressamente se refere, não há outro modo de decidir com legitimidade".

Decerto, não é esse o procedimento adotado pela Administração, porquanto o mais difícil e imposto pela ordem jurídica. Tem-se, amiúde, optado pela prática deliberada de ilegalidades e inconstitucionalidades, que a tanto correspondem a redução e cancelamento de direitos, transferindo para o Judiciário as procedentes queixas dos prejudicados.

Parece confundir-se o titular de direitos com o portador de privilégios, quando "saber distinguir essas situações é obrigação jurídica e moral de governante e do legislador", para que seja preservado o respeito público.

Por derradeiro, o Professor Josaphat Marinho refere-se à polêmica questão da estabilidade, direito constitucionalmente assegurado aos servidores nomeados em virtude de concurso público, após dois anos de efetivo exercício. Nesse caso, quando muito, seria possível "restringir o alcance da modificação" - que se pretende permissiva de demissões "por faltas graves ou insuficiência de desempenho" - apenas às situações futuras, em nome da "lógica e da prudência".

Ao que é dado observar, o fim da estabilidade dos servidores públicos, além de desconsiderar o direito adquirido, tem finalidade casuística, pois visa tão-somente às demissões em massa, nos quadros da União, Estados e Municípios, sob a razão principal de corte das despesas públicas.

Desprezando o funcionalismo concursado, cuida a proposta de permitir a contratação de novos servidores, pela livre escolha dos governantes, método que passa a substituir o sistema de mérito, para o ingresso na Administração.

Veja-se que, também nesse ponto, configuram-se outras inconstitucionalidades, pois está o Poder Público obrigado, consoante o mandamento do art. 37 da Lei Maior, a observar os princípios da impessoalidade e da moralidade, nos critérios da admissão de servidores.

Sujeitando-se aos parâmetros propostos, a admissão do funcionário, de uma só vez, configura ato administrativo inteiramente pessoal e imoral, porquanto resultante de escolha arbitrária da autoridade, dispensada de processar a pública avaliação da competência do novo servidor.

Vamos concluir, Sr. Presidente, esta nossa breve intervenção, consignando ainda, a respeito do princípio constitucional do direito adquirido, a advertência do Professor Celso Antonio Bandeira de Mello, que merece a reflexão de todos os Srs. Senadores: "Não se pode entender corretamente uma norma constitucional sem atenção aos princípios consagrados na Constituição e não se pode tolerar uma lei que fira um princípio adotado na Carta Magna.

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra."

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/09/1996 - Página 16331