Discurso no Senado Federal

REVERENCIA A MEMORIA DO PROFESSOR FELIPE TIAGO GOMES, FUNDADOR DA CAMPANHA NACIONAL DE ESCOLAS DA COMUNIDADE.

Autor
Guilherme Palmeira (PFL - Partido da Frente Liberal/AL)
Nome completo: Guilherme Gracindo Soares Palmeira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • REVERENCIA A MEMORIA DO PROFESSOR FELIPE TIAGO GOMES, FUNDADOR DA CAMPANHA NACIONAL DE ESCOLAS DA COMUNIDADE.
Publicação
Publicação no DSF de 27/09/1996 - Página 16409
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, FELIPE TIAGO GOMES, PROFESSOR, FUNDADOR, CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE EDUCAÇÃO E CULTURA (CNEC).

           O SR. GUILHERME PALMEIRA (PFL-AL) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero registrar meu profundo sentimento de tristeza, ao consignar o falecimento, depois de três quartos de século de uma produtiva vida, do Professor Felipe Tiago Gomes. Fundador da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade, esse humilde e ilustre paraibano perdeu sua naturalidade de origem para se transformar, por força de seu ideal, no cidadão que mais plantou profundas e duradouras raízes em todos os recantos do País. Era, portanto, sob esse aspecto, um autêntico, conhecido e devotado servidor da Nação. Mais do que uma entidade de estrutura e implantação nacionais, existentes hoje em cerca de 1.300 municípios brasileiros, o seu idealismo deixa um notável acervo de realizações que à custa de sua obstinação, se transformou numa solução extremamente criativa, para o mais desafiador de nossos problemas, a educação. Reconhecida por instituições internacionais, como a Organização dos Estados Americanos, a antiga Campanha Nacional de Educandários Gratuitos é o mais autêntico, o mais fiel e o mais promissor dos empreendimentos comunitários do País. No dia em que nos detivermos mais acuradamente nos ideais do jovem universitário que em 1943 fundou no Recife o primeiro Ginásio gratuito do País, vamos poder constatar que por trás desse paraibano pobre e idealista, existe mais que a poderosa arma do entusiasmo. Existe, Sr. Presidente, a chama que consumiu sua vida, inspirada no solidarismo cristão de homens que, como o Padre Lebret, foram capazes de acreditar no princípio humanista da auto-solidariedade, da auto-ajuda e da auto-realização.

           Parlamentares de todas as legislaturas destes últimos cincoenta anos conviveram com esse visionário que, em sua eterna peregrinação pelos corredores do Congresso Nacional, tornou-se o divulgador de uma idéia simples mas generosa, capaz de congregar esforços antes esparsos em favor do que ele transformou numa cruzada. Viveu e sofreu os percalços deste meio século de devotamento e dedicação a essa nobre causa. E ninguém foi mais desprendido, antecipando profeticamente o que hoje o país inteiro reconhece como o maior desafio brasileiro de todas as épocas, a educação nacional. No discurso que pronunciou na sessão em que o Congresso Nacional homenageou os cincoenta anos da CNEC, pudemos testemunhar com entusiasmo, com que carinho, com que espírito ele se entregou à causa que foi a razão de sua existência. Lembrou os dias sombrios do movimento militar de 64, em que foi preso sob suspeita de dar solidariedade e suporte à União Nacional dos Estudantes, à época objeto de intenso cerco ideológico. Ele que, em sua vida, não fez outra coisa senão conviver, estimular, incentivar e dar curso ao anseio de milhares e milhares de brasileiros pobres que não tinham outra ambição que a de vencer pelo conhecimento. Nessa mesma ocasião rememorou as retaliações que sofreu a entidade que ele fundou e dirigiu, quando teve cortados todos os auxílios financeiros que o Ministério da Educação, por força de lei de iniciativa do Poder Legislativo, tinha concedido à sua meritória obra. Indicou, um a um, parlamentares que tinham freqüentado os cursos e escolas da Campanha. Agradeceu a uma enorme plêiade de deputados e senadores que, como professores, como colaboradores e como incentivadores de sua obra, ligaram seus nomes e atividades às realizações da CNEC.

           Submetido a duas intervenções cirúrgicas para a implantação de pontes de safena, "bi-safenado", como ele mesmo se denominava, em nenhum momento esmoreceu na pregação dos ideais que lhe impulsionaram à vida e que deram sentido de grandeza a uma existência digna e gloriosa de ser vivida. Jamais esmoreceu. Lutou até a morte para não deixar fenecer a chama de sua própria obstinação. E nos apontou, num exemplo de humildade, o que tinha sido a sua existência, ao antecipar que nasceu pobre e mais pobre ainda morreria, pois com sua única irmã, tinha doado à CNEC os dois únicos e modestos bens materiais que herdara da família, na sua Paraíba natal.

           Sua obra foi sendo paulatina e progressivamente ampliada, já não mais para fundar escolas gratuitas apenas, produto do esforço de cada coletividade, mas para abranger também outros empreendimentos, sempre com a finalidade de preparar os jovens para a vida. Nasceram assim, fazendas-escolas e centros comunitários rurais, aos quais foram se seguindo programas de artesanato, empreendimentos de incentivo ao turismo doméstico, microempresas comunitárias, centros de recursos humanos, núcleos de cooperação técnica e centros de comunicação. Trata-se, em última análise, Sr. Presidente, de um rico, vasto e complexo mundo de experiências humanas que, somadas, são a síntese de uma vida, microcosmos de uma diversificada experiência, e o resultado expressivo de vontades que, ao longo de todo o país, se corporificaram a partir das idéias, do impulso e da generosidade de um jovem e generoso universitário.

           Se a vida do ser humano se mede pela extensão de sua obra, a de Felipe Tiago Gomes não tem limites. Pode ter fenecido a precária existência de um cidadão, mas não a frondosa teia de iniciativas que germinaram em solo que ele fertilizou. Ele, seguramente, morreu com a certeza de que, depois dele, sua obra continuará se expandindo, porque alicerçada no mais nobre dos sentimentos que é o da solidariedade. Sou testemunha de que em meu Estado, mais do que uma entidade ou uma simples instituição, ele plantou ideais, produziu esforços, gerou exemplos, incentivou vocações, suplantou obstáculos e venceu todos os desafios. Foi a simplicidade de uma idéia que gerou tantos frutos. Só que ninguém antes dele foi capaz de abraçá-la, torná-la o seu Evangelho e fazer dela a vocação de toda uma fecunda vida.

           Rendo, com o tributo de minha homenagem, o sentimento de minha gratidão, como cidadão, como homem público, como político e como ser humano. Ninguém mais do que ele merece o nosso respeito e a nossa reverência a uma vida inteiramente dedicada a seu país e a seus semelhantes.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/09/1996 - Página 16409