Discurso no Senado Federal

TRABALHO INFANTIL.

Autor
Joel de Hollanda (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Joel de Hollanda Cordeiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • TRABALHO INFANTIL.
Publicação
Publicação no DSF de 11/10/1996 - Página 16829
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • OPOSIÇÃO, TRABALHO, MENOR, INFANCIA, PREJUIZO, SAUDE, EDUCAÇÃO, DESENVOLVIMENTO, ELOGIO, INICIATIVA, GOVERNO, MINISTERIO DO TRABALHO (MTB), PLANO DE AÇÃO, CRIANÇA, TRABALHADOR.
  • ANALISE, ESTATISTICA, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, TRABALHO, CRIANÇA, INSALUBRIDADE, PRECARIEDADE, CONDIÇÕES DE TRABALHO, CRITICA, FAMILIA, POPULAÇÃO CARENTE, EMPREGADOR, ESTADO, FALTA, PROTEÇÃO, INFANCIA.
  • INFORMAÇÃO, PLANO DE AÇÃO, CONSCIENTIZAÇÃO, ARTICULAÇÃO, POPULAÇÃO, EMPRESA, GOVERNO, ERRADICAÇÃO, TRABALHO, INFANCIA.

O SR. JOEL DE HOLLANDA (PFL-PE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, cresce na sociedade a consciência de que o trabalho infantil degrada a infância, compromete a saúde das crianças, rouba-lhes o direito à escola e, o que é pior, impede-lhes um desenvolvimento afetivo, psicológico e físico harmonioso. Como estamos falando de crianças deste País, das nossas cidades, dos nossos campos, não podemos deixar de constatar que, com o trabalho precoce, perde a saúde do País, perde a educação e perde a economia, por ver empobrecidos cada vez mais seus recursos humanos. É salutar, pois, verificarmos que o Governo Federal tem tomado providências para reverter esse quadro, como nos revelam as Secretarias de Segurança e Saúde no Trabalho - SSST e de Fiscalização do Trabalho - SEFIT, ambas do Ministério do Trabalho, com o seu "Plano de Ação Voltado para as Crianças que Trabalham no Brasil".

A situação é tão grave que, em 1993, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD, três milhões e meio de crianças entre dez e quatorze anos já trabalhavam. Na mesma situação encontravam-se outros quatro milhões e meio de adolescentes de quinze a dezessete anos.

Os prejuízos que o trabalho precoce traz às crianças, embora não tenham sido suficientemente estudados, são visíveis em todas as regiões em que se constata essa prática. A saúde das crianças vem sendo degradada, seja com agrotóxicos nas lavouras de cana, laranja ou maçã, seja com a sobrecarga musculoesquelética nos supermercados, padarias e repartições públicas; estão sujeitas a mutilações tanto nas pedreiras do Ceará quanto na cultura do sisal na Bahia; são condenadas a morrer debaixo das rodas de um carro, seja como bóias-frias no interior de São Paulo, seja como jornaleiros, nas ruas dos grandes centros. O quadro é tão grave que, segundo a Organização Internacional do Trabalho - OIT, é difícil encontrar uma mercadoria que não tenha utilizado, ao longo da sua cadeia produtiva, a mão-de-obra de crianças.

Essas crianças são forçadas a trabalhar, por motivos diversos, numa teia que envolve desde a família até o Estado. "Quem não tem propriedade tem que ter prole" é um lema tão antigo quanto intensivo em sua utilização. As famílias de menor poder aquisitivo vêem no trabalho dos filhos uma maneira de aumentarem a renda doméstica. Por isso, submetem-nos, por exemplo, ao trabalho penoso e insalubre das carvoarias. Nessas, crianças de dez anos, para ganharem vinte reais por mês, trabalham doze ou treze horas por dia.

Alguns "empregadores" preferem a mão-de-obra infantil por ser mais barata ou, até, por ser mais adequada. Assim, criou-se em Minas Gerais a categoria das meninas formicidas, que, pelo tamanho e agilidade, são as únicas que conseguem aplicar o veneno em alguns formigueiros. E, em São Paulo, na colheita da laranja, as crianças são as preferidas, pois não danificam os galhos das árvores. Também em São Paulo, na indústria de calçados, pelo mecanismo da empreitada, meninos e meninas deixam de ir à escola para ficarem colando e costurando sapatos.

Muitas entidades assistenciais, por acharem que "o ócio é a mãe do vício" ou que "cabeça vazia é oficina do diabo", arrebanham crianças e firmam convênios com supermercados, padarias e repartições públicas. Mediante esses convênios, as crianças e adolescentes são postos a trabalhar sob condições penosas e insalubres, em trabalhos repetitivos, noturnos ou com exposição a máquinas perigosas, sem o devido treinamento nem a proteção necessária.

O resultado imediato para as famílias dessas crianças pode ser a diminuição da fome; para os patrões, a redução de pagamento; para o Estado, menos delinqüentes na rua. Mas, para as crianças, qual o fruto? Longe da escola, vêem-se subtraídas de seu direito a uma educação digna, assegurado na Constituição; vêem-se lesadas de seu direito de brincar, pois, por incrível que pareça, toda criança tem o direito de brincar, independentemente da classe social a que pertença; vêem-se, enfim, tolhidas do seu direito de crescerem naturalmente, obrigadas que são a tornarem-se adultas precocemente.

Diante da gravidade do problema representado pelo trabalho infantil, era imperativo que o Governo Federal tomasse uma providência mais abrangente. Nesse sentido, as Secretarias de Segurança e Saúde no Trabalho e de Fiscalização do Trabalho, do Ministério do Trabalho, elaboraram o Plano de Ação Voltado para as Crianças que Trabalham no Brasil, com o objetivo de restituir-lhes a cidadania, erradicando o trabalho infantil.

O Plano de Ação está baseado num tripé, que compreende a sensibilização para o problema, a conscientização e a articulação de todos os atores sociais responsáveis pela questão.

A sensibilização se faz necessária, porque, embora tenhamos os direitos da criança assegurados na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente, a carência das famílias e a tradição falam mais forte, fazendo com que as práticas ancestrais continuem arraigadas. Um pai que, quando criança, viu-se obrigado a cortar cana ou fazer carvão acha perfeitamente natural que o filho faça o mesmo, em vez de freqüentar a escola. Uma entidade assistencial acha que uma criança carente deve iniciar logo a aprendizagem de uma profissão, como marcenaria, serralharia ou qualquer outra, para "se virar". Um industrial, diante da possibilidade de não arcar com encargos trabalhistas, não vê problemas em contratar empreitadas das famílias, a preços baixos, mesmo sabendo que crianças são usadas para o trabalho. É preciso, pois, envolver todos os formadores de opinião e tomadores de decisão para absorverem, em suas práticas, os direitos da criança.

Do Plano de Ação, algumas atividades já podem ser consideradas exitosas, como a reformulação do IPEC, que é o Programa Internacional para a Erradicação do Trabalho Infantil, da Organização Internacional do Trabalho - OIT, adequando-o à realidade nacional; foram realizadas, também, diversas atividades de articulação das delegacias do trabalho no Nordeste e no Sul. Já está feito o mapeamento das regiões que utilizam mão-de-obra infantil, o qual identificou os principais tipos de trabalho, setores da economia, bem como riscos a que estão expostas as crianças nessas regiões, faltando agora um perfil mais detalhado, para que ações pontuais possam ser implementadas. Para cumprir essa função estão sendo feitos estudos sobre as conseqüências que o trabalho precoce tem para o desenvolvimento da crianças, assim como está-se pesquisando o número de crianças trabalhadoras, as condições de trabalho, de saúde, de alimentação, de higiene, bem como o perfil de suas famílias.

A par disso, um intenso trabalho de divulgação tem sido feito, prioritariamente no Sul e no Nordeste, visando a difundir as ações do Programa de Ações Integradas - PAI. Esse programa busca envolver e sensibilizar instituições, lideranças e sociedade civil para a erradicação do trabalho infantil. Tem como papel articular, coordenar e desenhar ações iniciais das entidades locais, nos estados e municípios. As ações integradas compreendem, inicialmente, encontros com as comunidades locais para expor os objetivos, envolvendo conselhos tutelares, empresários, autoridades das secretarias afins e profissionais de comunicação. Emergencialmente, tem-se fornecido cestas básicas paras as famílias, assim como têm sido apuradas as denúncias de exploração do trabalho infantil. As famílias vêm sendo orientadas e postos de trabalho alternativos são buscados.

Na área da educação, por exemplo, procura-se viabilizar o transporte dos alunos, a implantação ou melhoria de salas de aula, a contratação e o aperfeiçoamento de professores. Experimentalmente, em Mato Grosso, é fornecida uma bolsa-escola, com a destinação de R$50 para cada criança que a família mantiver na escola. A tarefa envolve tanto o Ministério do Trabalho quanto o Comunidade Solidária, o Ministério da Educação, as Secretarias de Educação estaduais e municipais. Há, também, ações emergenciais nas áreas de saúde e habitação.

Não obstante esse esforço governamental, que tem nas Delegacias Regionais do Trabalho - DRT o seu ponto de articulação, o Plano de Ação das Secretariais de Segurança e Saúde no Trabalho e de Fiscalização precisa ser disseminado pelos outros órgãos governamentais, pela sociedade organizada, pelos governos estaduais e municipais e pelas famílias. Não depende, pois, unicamente do governo a mudança efetiva dessa prática. Os órgãos governamentais entram como incentivadores, animadores e, até, como repressores, no caso do desrespeito à lei. Mas, tratando-se de uma prática tão arraigada, precisaremos da conscientização e ação de cada criança, de cada família, de cada empresário para podermos dar um fim à exploração do trabalho infantil. Um exemplo de engajamento concreto vem da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança, que está empenhada, já faz algum tempo, na eliminação do trabalho infantil. A Fundação Abrinq propõe colocar um selo de "empresa amiga da criança" nos produtos das empresas que não utilizam mão-de-obra infantil. Iniciativas como essa, temos certeza, surgirão de outros segmentos da sociedade, fazendo com que esse plano não fique no vazio.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/10/1996 - Página 16829