Discurso no Senado Federal

REFERENCIA A MATERIA PUBLICADA NA REVISTA ISTOE, DESTA SEMANA, DE AUTORIA DO SUBPROCURADOR DA REPUBLICA, DR. WAGNER GONÇALVES, INTITULADA: 'ACRE, O ESTADO DO MEDO'. DESTAQUE DOS ASPECTOS POSITIVOS CONQUISTADOS PELO POVO ACREANO, TAIS COMO A CRIAÇÃO DO PROJETO RECA; A MINIREFORMA AGRARIA PROMOVIDA PELA PREFEITURA DE RIO BRANCO; O MOVIMENTO CONTRA A DEVASTAÇÃO DA FLORESTA AMAZONICA E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • REFERENCIA A MATERIA PUBLICADA NA REVISTA ISTOE, DESTA SEMANA, DE AUTORIA DO SUBPROCURADOR DA REPUBLICA, DR. WAGNER GONÇALVES, INTITULADA: 'ACRE, O ESTADO DO MEDO'. DESTAQUE DOS ASPECTOS POSITIVOS CONQUISTADOS PELO POVO ACREANO, TAIS COMO A CRIAÇÃO DO PROJETO RECA; A MINIREFORMA AGRARIA PROMOVIDA PELA PREFEITURA DE RIO BRANCO; O MOVIMENTO CONTRA A DEVASTAÇÃO DA FLORESTA AMAZONICA E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.
Publicação
Publicação no DSF de 18/10/1996 - Página 17197
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, ISTOE, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, WAGNER GONÇALVES, SUB PROCURADOR GERAL DA REPUBLICA, COMENTARIO, VIOLENCIA, ESTADO DO ACRE (AC).
  • CRIAÇÃO, PROJETO, PROMOÇÃO, COMPATIBILIDADE, CRESCIMENTO ECONOMICO, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO.
  • COMENTARIO, ELOGIO, INICIATIVA, PREFEITURA, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO ACRE (AC), REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA.

A Srª. MARINA SILVA (PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, primeiramente, faço uma referência ao artigo publicado na Revista IstoÉ, desta semana, intitulado "Acre, o Estado do medo". O artigo é de autoria do Sr. Wagner Gonçalves, Subprocurador-Geral da República e Procurador Federal dos Direitos do Cidadão.

No artigo, Wagner Gonçalves mostra a situação de terror que acontece no Estado do Acre em função de ondas de violência, começando por uma referência ao que ocorreu desde o assassinato de Chico Mendes. É bom que se diga que, antes da morte desse cidadão, outras pessoas foram assassinadas, como é o caso de Wilson Pinheiro, Calado, Ivair, Elias e tantos outros que poderia mencionar, em episódios de violência. Inclusive, algumas dessas mortes foram anunciadas, como a de Chico Mendes.

O Subprocurador Wagner Gonçalves refere-se ao assassinato do ex-Comandante da PM e de pessoa ligada aos Pascoal, família que tem membros na PM do Estado e na Assembléia Legislativa, como parlamentares. A partir do assassinato do Vereador do Município de Senador Guiomar, episódios lamentáveis aconteceram no Estado do Acre, quando pessoas foram assassinadas, tendo pernas e braços serrados com motosserra e jogados em frente ao Instituto Médico Legal, e outras seqüestradas.

Tudo isso criou uma situação de insegurança muito grande no seio da população, até porque, pela primeira vez, teve-se notícia de que cartazes foram distribuídos com propaganda de R$50 mil de recompensa a quem fizesse justiça com as próprias mãos ou entregasse o assassino do Vereador, o que é uma afronta à democracia, às instituições e, maior ainda, à Justiça.

O Subprocurador Wagner Gonçalves relata com muita precisão essa onda de violência.

Não farei a leitura desse artigo, mas gostaria que constasse, na íntegra, de meu pronunciamento. Nele há a menção de a imprensa ter-se calado, de haver Deputados e Senadores também temerosos. Na verdade o são. Creio ter sido a única a ter feito referência a esses episódios nesta tribuna. Confesso, todavia, que, por ser humana, tenho medo da violência que, em alguns momentos, há em meu Estado. Contudo, jamais me poderia calar diante desses fatos, pois não haveria qualquer sentido esta minha cadeira de Senadora, se fosse para render-me à dura realidade que tenho de enfrentar em diversos momentos, mesmo os que nos deixam temerosos por nossas famílias e, até mesmo, pela nossa integridade física.

Graças a Deus, nunca sofri qualquer tipo de ameaça quanto a esse fato. Confesso que boa parte da população ficou muito apreensiva, pois, com o intuito de promover justiça com suas próprias mãos, muitas pessoas saíram às ruas a fazer caça aos assassinos, além de pegarem os parentes dos mesmos - ou qualquer pessoa ligada a eles - para matar, mutilar, seqüestrar. De fato, era uma situação extremamente perigosa.

Registro estes fatos, pois não poderia deixá-los passar em branco. Do meu ponto de vista, eles são muito importantes, haja vista ter sido feito por uma autoridade da República que conheceu essa realidade e produziu um relatório em que pedia providências ao Governo Federal e ao Ministro da Justiça.

Mas o Acre não é apenas o Estado do medo; é também o Estado da esperança. Gostaria, então, de falar um pouco das coisas boas que nós temos, para que não fique sempre esta imagem de que só conseguimos aparecer em episódios lamentáveis.

Temos uma população que é batalhadora, que conseguiu aquele território a duras penas. Os nordestinos, os cearenses que ali chegaram, conseguiram esse território da Bolívia. Inclusive, ocupa a Presidência desta Casa no momento em que falo a Senadora Emilia Fernandes, que é do Rio Grande do Sul, e foi um riograndense, Plácido de Castro, quem nos ajudou no processo de anexação das terras acreanas ao Brasil.

Em que pese esta historicidade bélica no nosso processo de conquista, somos um povo pacífico, que trabalha, que viveu durante muito tempo do extrativismo. A Amazônia já contribuiu com 40% das exportações do Brasil no período do crescimento da economia extrativista da borracha, e, lamentavelmente, essas riquezas não ficaram na Amazônia.

Hoje, nosso povo enfrenta novos problemas, até porque não temos uma base de sustentação econômica que seja capaz de atender às inúmeras exigências de melhoria de qualidade de vida das populações tradicionais, que hoje estão vivendo em dificuldade. Mas é nessa dificuldade que nós encontramos criatividade, competência e, acima de tudo, garra, para experimentarmos experiências, como a que está sendo vivida em Xapuri.

Com alegria, desejo registrar que o primo de Chico Mendes, um seringueiro que é Presidente da Cooperativa de Xapuri, foi eleito Prefeito daquele Município e, se Deus quiser, fará um bom trabalho, levando em conta a questão do desenvolvimento sustentável, do respeito pelas populações tradicionais, do respeito pelo meio ambiente. Foi lá que tivemos a coragem e a ousadia de criar o Projeto Reca, uma experiência sustentável, conhecida no mundo todo e no Brasil, exemplo de como compatibilizar crescimento econômico com preservação do meio ambiente e melhoria da qualidade de vida das pessoas.

É lá que temos a experiência da minirreforma agrária, feita pela Prefeitura de Rio Branco. É no Acre que temos um dos movimentos mais belos de resistência à devastação da Floresta Amazônica. Não é à toa que, mesmo com toda a violência que já aconteceu no período de ocupação dos grandes pecuaristas, tenha o Acre uma das maiores áreas de preservação, onde ainda existe mais de 90% de floresta preservada.

Então, temos um povo ordeiro, lutador e que está cheio de esperança, mas ainda não tivemos a oportunidade de receber apoio do Governo Federal para implementação de projetos que sejam adequados para o nosso desenvolvimento. Precisamos também de um governo estadual que acredite na idéia do desenvolvimento sustentável, de fazer no nosso Estado uma economia com base agroflorestal, com a implementação das agroindústrias, dos sistemas agroflorestais, que gere emprego e renda para a nossa população, que ainda depende, em mais de 90%, dos repasses da União.

É em nome desse povo pacífico que tem esperança, que estou aqui nesta cadeira de Senadora e é por ele que tenho a coragem de falar dessas coisas que, muitas vezes, nos deixam temerosos. Contudo, não teria sentido estar aqui, se não fosse para dizer aquilo que é preciso ser dito, no momento certo. Falaremos das rosas, mas não temos como omitir os espinhos, até porque muitas vezes eles são enfiados na nossa garganta.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/10/1996 - Página 17197