Discurso no Senado Federal

HOMENAGENS AO DIA DO PROFESSOR. CONSIDERAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO NO BRASIL.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. EDUCAÇÃO.:
  • HOMENAGENS AO DIA DO PROFESSOR. CONSIDERAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO NO BRASIL.
Aparteantes
Ramez Tebet, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 16/10/1996 - Página 17007
Assunto
Outros > HOMENAGEM. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, PROFESSOR.
  • CRITICA, INSUFICIENCIA, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, BRASIL, ANALISE, EFEITO, INFERIORIDADE, SALARIO, PROFESSOR, QUALIDADE, ENSINO, ESPECIFICAÇÃO, ESCOLA PUBLICA.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DEPOIMENTO, PUBLICAÇÃO, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ASSUNTO, SITUAÇÃO FINANCEIRA, VOCAÇÃO, PROFESSOR.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, assomo a esta tribuna no dia de hoje, 15 de outubro, consagrado aos professores, para prestar-lhes a minha homenagem e a do povo da Paraíba pelo seu dia, e, ao mesmo tempo, para concitar os presentes a algumas reflexões que se colocam oportunas.

Como filho de professor da rede pública de ensino - por 45 anos meu pai lecionou três expedientes na Paraíba, no ensino público, para sustentar uma família de dez filhos - e sendo eu próprio professor, por formação - também fui professor da rede pública em Campina Grande, em João Pessoa, no Rio de Janeiro, e sou professor até hoje na Federal do Rio de Janeiro -, sinto-me perfeitamente à vontade para tratar do tema, que me é extremante familiar.

Em uma das minhas primeiras intervenções como orador neste Plenário, abordei a experiência japonesa e a dos tigres asiáticos, ao reescreverem as suas histórias de desenvolvimento a partir da revolução educacional.

Já àquela época preocupava-me a ausência de sensibilidade das nossas elites econômicas para a visível deterioração do ensino em nosso País, e não conseguia vislumbrar as tão decantadas perspectivas de inserção do Brasil na nova ordem econômica internacional, justamente por entender como indispensável a prévia capacitação dos recursos humanos que animariam a revolução produtiva.

Três anos depois, tenho que reconhecer alguns pequenos avanços, decorrentes de alterações legais tendentes a dar suporte às melhorias pretendidas, como é o caso do piso salarial de R$300,00 para os professores e o dispêndio mínimo por aluno do ensino fundamental, recentemente aprovados.

Mas o fato é que em termos de investimentos na área de educação ainda se encontra o Brasil em posição constrangedora, seja em comparação com os seus parceiros do Mercosul, seja em comparação com os demais países da América Latina, seja em comparação com a maioria dos países do mundo.

O problema dos baixos salários dos professores da rede pública não pode continuar a ser visto como uma preocupação exclusivamente concernente à categoria.

Recente pesquisa JB/Petrobrás, realizada no Estado do Rio de Janeiro, divulgada no caderno "Cidade", do Jornal do Brasil de hoje, sob o título "Um dia sem comemoração", evidencia que a questão há muito extrapolou o universo restrito dessa categoria de profissionais e hoje constitui-se em matéria de interesse primordial para a população.

Das 2.700 pessoas entrevistadas em 24 municípios, 50%, ou seja, 1.350 apontaram a péssima remuneração dos professores como fator determinante da baixa qualidade do ensino público.

A Senadora Sandra Guidi, que me precedeu na tribuna, mostrou que é de 70 e poucos reais a média salarial do professor no Brasil.

Em segundo lugar, ao lado da baixa remuneração, a falta de professores (16,9%), seguida pela falta de preparação dos educadores (16,6%) completam o elenco dos principais motivos identificados pela população para justificar a falência do ensino público. O que é uma pena!

Fui aluno do Colégio Estadual da Prata. Eu tinha orgulho de estudar numa escola pública. Para ingresso existia um exame preparatório. A cor da nossa farda era cáqui, com listas verdes, por isso, na cidade, éramos carinhosamente chamados de papagaios; e as meninas, que usavam a mesma farda, com bordas verdes, eram chamadas de araras. Que honra sentíamos de usar aquela farda. Hoje temos pena do aluno da escola pública.

Ainda, de acordo com a pesquisa, a escola pública continua sendo a maior responsável pelo ensino, sendo que a maioria dos entrevistados (63%) fez ou faz nela o curso primário.

O Sr. Romeu Tuma - V. Exª me permite um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA - Com muito prazer, Senador Romeu Tuma.

O Sr. Romeu Tuma - Agradeço a V. Exª. Hoje é um dia importante na vida de todas as pessoas que tiveram oportunidade de ir à escola, porque, infelizmente, há ainda brasileiros que não tiveram oportunidade de terminar o primeiro grau. Todos tivemos as nossas professoras, sendo que a primeira delas inclusive é sempre um marco em nossas vidas. Aproveito a oportunidade para, na pessoa de V. Exª, que também é professor, homenagear aqueles que cuidaram, na primeira linha da vida, da nossa educação. Em casa tenho uma professora permanente, minha esposa, que teve a oportunidade, provavelmente até por bondade divina, de alfabetizar os meus quatro filhos numa escola pública, o Grupo Escolar Romão Puigari, uma escola centenária em São Paulo. Eles fizeram o segundo grau no Colégio São Paulo, também escola pública. E a minha senhora - eu a acompanhei - foi uma das que primeiro instituíram o ensino municipal em São Paulo, criando e construindo a escola, procurando os alunos de casa em casa para fundar a classe de ensino primário em São Paulo. Ela, como tantas outras professoras em Sapopemba - Sapopemba é, hoje, um bairro populoso em São Paulo -, voltava no carro do lixo, porque, naquele bairro, não havia condução normal durante todo o dia. Isso ocorreu com várias professoras do interior de São Paulo, do interior do Estado de V. Exª. Elas trabalhavam com um amor e uma devoção que, ao poucos, foram acabando. A vocação do ensino, com as dificuldades existentes, torna-se penosa. Os professores têm de buscar outra profissão, porque o salário é muito baixo - V. Exª que acompanha de perto a área de ensino sabe que o salário está sempre defasado. Em vez de haver uma progressão ou uma melhora na remuneração do professor, ao longo dessas últimas décadas o seu salário foi perdendo o valor. Creio que esse fato está refletindo duramente na área da Educação, que é o principal elemento para o progresso de um povo. Quero, então, cumprimentar V. Exª, além de homenageá-lo, pelo dia de hoje, pela oportunidade do seu discurso e do da Senadora que o antecedeu. Quero fazer minhas as palavras de V. Exª e que o seu discurso seja uma trincheira permanente, não apenas um discurso no Dia do Professor. Se V. Exª vier aqui todas as semanas dar esse recado ao Governo estará prestando um grande serviço à educação nacional. Muito obrigado.

O SR. NEY SUASSUNA - Obrigado, Senador Romeu Tuma, recebo as palavras de V. Exª com a maior emoção. Peço-lhe que leve à sua senhora o nosso abraço, já que também a homenageio neste dia.

Sei o que é a devoção de um professor. Vi meu pai militando nessa área durante 45 anos, e eu também, desde os 16.

A escola particular, Sr. Presidente, aparece com 15%. Quando a pesquisa aborda o antigo ginásio (5ª a 8ª série do 1º Grau), 53% estudaram em escolas públicas.

Nos cursos de 2º Grau, o perfil muda, com instituições públicas e privadas praticamente empatadas, com ligeira vantagem, pela primeira vez, para as instituições privadas: 46% contra 41% das escolas públicas.

Com relação aos cursos superiores, as faculdades privadas detêm quantitativamente a maior percentagem: 56% contra 41% para as universidades públicas.

Os resultados alcançados no nível médio encontram razões, principalmente no fato de que grande parte da evasão escolar definitivamente acontece exatamente nas camadas mais pobres da população, o que explica a preponderância das entidades privadas nesse estágio.

No tocante ao ensino superior, há um crescimento no número de faculdades privadas até período recente. O rigoroso sistema de acesso às universidades públicas explica a supremacia das primeiras.

Por outro lado, o instituto GERP, que realizou a pesquisa para o convênio JB/Petrobrás, descobriu que, em que pesem todos os problemas, a escola pública permanece como opção preferencial para a maioria (64%) dos consultados, enquanto apenas 36% escolhem o ensino privado para os seus filhos.

O Sr. Ramez Tebet - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA - Concedo-lhe um aparte com muita satisfação, Senador Ramez Tebet.

O Sr. Ramez Tebet - Senador Ney Suassuna, ontem, creio ter-me antecipado a todos os Colegas desta Casa na homenagem ao mestre. Mas não posso me furtar à oportunidade de aparteá-lo. Faço-o pela admiração que tenho por V. Exª, admiração pelo homem, pelo chefe de família, pela sua combatividade e pelo seu espírito e companheirismo aqui no Senado. Admiração que se amplia e muito, porque V. Exª ocupa esta tribuna hoje na dupla qualidade de Senador e Professor. Portanto, no instante em que V. Exª presta a sua homenagem aos educadores do Brasil, é justo que nós, os seus Colegas, que conhecemos o seu trabalho dedicado em favor da educação neste País, também lhe prestemos a nossa homenagem. É por isso que o aparteio, para homenagear os educadores do Brasil, fazendo-o na pessoa de V. Exª.

O SR. NEY SUASSUNA - Muito obrigado, Senador Ramez Tebet. V. Exª me emociona com essa homenagem. Uma homenagem com a qual, lamentavelmente, o Jornal do Brasil não concorda, quando diz que o dia de hoje não tem comemoração!

Outra séria vertente dos problemas educacionais no Brasil, Sr. Presidente, Srs. Senadores, pode ser avaliada quando a mesma pesquisa indica que 87% dos entrevistados que mantêm seus filhos em escolas particulares manifestaram a intenção de mudá-los para instituições públicas caso a qualidade do ensino melhore. Somente 11% rejeitam a hipótese - aqueles que querem ensino religioso ou especializado.

Logo, teríamos aí, Sr. Presidente, Srs. Senadores, nesta corrida ao ensino público, um outro problema a ser resolvido pelos prefeitos e governadores.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a situação retratada nos números expostos pela pesquisa no Estado do Rio de Janeiro pode ser perfeitamente estendida aos demais Estados da Federação, assumindo colorações mais tristes em Estados do Norte, do Nordeste e, talvez, até do Centro-Oeste. Certamente, até na minha Paraíba, o quadro não seria melhor.

Na outra face da moeda, os dramas humanos vividos por esse herói ou heroína anônimos, cujo dia se comemora - ou se lamenta - hoje neste Plenário, em conseqüência do descaso histórico para com os formadores das primeiras gerações de brasileiros, ilustram bem a falta de razões para festas e celebrações.

Nesse ponto, eu gostaria de solicitar a transcrição integral para os Anais desta Casa, a fim de comporem o meu pronunciamento, de quatro depoimentos ao JB de hoje, cujos fragmentos coloco aqui à reflexão das Srªs e Srs. Senadores.

Um deles: a professora de Português e Literatura Maria Amélia Pimentel da Silva, 56 anos, está deixando o ensino público depois de 26 anos. A despedida não poderia ser mais triste. Decepcionada, Maria Amélia não esconde a frustração de ter de abandonar a sua vocação. Diz ela: Durante todo esse tempo, nunca estive fora da sala de aula. Mas não posso mais agüentar ganhar R$360,00 líquidos por mês. Só vi desestímulo em todos os governos. Não existe mais escola pública no Rio. Não existe mais estímulo para trabalhar. Hoje, o professor é considerado inimigo pelas Secretarias de Educação. Eles fazem tudo o que podem para reprimir e agredir os professores. Por que vou ficar suportando agressão? Estou com 56 anos e ainda me sinto capaz. Mas só coleciono dissabor atrás de dissabor. As únicas alegrias me foram dadas pelos alunos. Aluno de escola pública é muito bom de trabalhar. Eles são muito carentes de tudo. Tudo que se apresenta, eles se interessam. A minha tristeza só vem daí: ter que deixá-los.

Em tempos de crise nas redes estadual e municipal de ensino, ouvir a história da professora Mariângela Fernandes da Costa , 35 anos, é como avistar a luz no fim do túnel. Ela se encontra no pequeno Município de Angra dos Reis, e dá um depoimento mais alegre - aproveito para render minhas homenagens à Senadora Benedita da Silva, porque esse Município é administrado pelo PT, que fez uma modificação radical: paga R$720,00 ao professor; faço aqui justiça ao declinar esse fato. Com um piso salarial de R$720 para o professor, o Município de Angra dos Reis mostra que um professor da rede pública pode ser plenamente realizado. Mariângela declara: "Tenho orgulho de ser professora. Sinto que meu trabalho é valorizado: sou bem paga, faço cursos de capacitação a cada semestre, tenho uma boa bibliografia à disposição na escola e ainda desfrutamos de grande autonomia dentro da rede para criação de projetos".

A contrapartida do acerto das medidas governamentais para a educação em Angra é invejável: a repetência diminuiu de 47% para 23%, e a evasão escolar é de apenas 8% (em 1988 era de 11%).

Lamento ter que declinar que esse não é um exemplo nacional.

Já outra professora, Nilda Cardoso Francisco Góes, com 28 anos, que dá aula para a 3ª série do primário, resume numa frase a sua escolha profissional: "Eu devo ser louca". Esta é a síntese da definição dela: "Eu devo ser louca". O atestado de insanidade chega às mãos de Nilda a cada final de mês: com dois anos de magistério na rede municipal de ensino, ela recebe o piso de R$121,00. "Pago aluguel e ainda não consegui comprar um telefone. Como bons brasileiros, vivemos do jeitinho".

Flávio de Alencar Moreira, 45 anos, equacionou o conflito de precisar sustentar a família e prosseguir na opção do magistério recorrendo a uma nova profissão: como opção, há dois anos ele tornou-se também piloto da aviação civil. Para ensinar Física a alunos do segundo grau, ele recebe, líquida, a irrisória quantia de R$ 310,00.

Diz ele: "Os professores estão nessa situação em função do desleixo do Poder Público para com a educação. Não abandono a carreira de professor de escola pública por uma questão de honra. O ensino público tem tudo para dar certo, só é preciso ter vontade política", conclui Flávio.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, acredito que os depoimentos que apresentei, dos quais tirei fragmentos, são eloqüentes por si só.

Portanto, para encerrar o meu pronunciamento na tarde de hoje, Dia do Professor, gostaria apenas de lembrar Shakespeare, que disse, certa feita, sermos feitos da mesma matéria que compõe os sonhos.

São os mestres, nas escolas das comunidades, os primeiros agentes a despertarem nos nossos brasileirinhos a capacidade de sonhar. E um país se constrói, em grande parte, Srs. Senadores, de sonhos.

Até quando será possível aos nossos mestres ensinar o sonho, compartilhar o sonho, diante do que vimos e do que vemos?

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/10/1996 - Página 17007