Discurso no Senado Federal

JUSTIFICANDO A PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO 51, DE 1996, DE SUA AUTORIA E OUTROS SENADORES, QUE REDUZ PARA DEZESSEIS ANOS A IDADE PARA IMPUTABILIDADE PENAL. ALERTA PARA UMA IMINENTE CATASTROFE EM SERRA PELADA, CASO OCORRA A RETIRADA DOS GARIMPEIROS.

Autor
José Bonifácio (PPB - Partido Progressista Brasileiro/TO)
Nome completo: José Bonifácio Gomes de Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. LEGISLAÇÃO PENAL. POLITICA MINERAL.:
  • JUSTIFICANDO A PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO 51, DE 1996, DE SUA AUTORIA E OUTROS SENADORES, QUE REDUZ PARA DEZESSEIS ANOS A IDADE PARA IMPUTABILIDADE PENAL. ALERTA PARA UMA IMINENTE CATASTROFE EM SERRA PELADA, CASO OCORRA A RETIRADA DOS GARIMPEIROS.
Aparteantes
Ney Suassuna, Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 25/10/1996 - Página 17646
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. LEGISLAÇÃO PENAL. POLITICA MINERAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, JORNAL DE BRASILIA, DISTRITO FEDERAL (DF), DENUNCIA, EXISTENCIA, GRUPO, MENOR, AMEAÇA, DIRETOR, PROFESSOR, ALUNO, ESCOLA PUBLICA, CIDADE SATELITE.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, REDUÇÃO, LIMITE DE IDADE, IMPUTABILIDADE PENAL.
  • ADVERTENCIA, PERIGO, INVASÃO, SERRA PELADA, ESTADO DO PARA (PA), RETIRADA, GARIMPEIRO.

O SR. JOSÉ BONIFÁCIO (PPB-TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a violência hoje, no Brasil, é uma das grandes preocupações da sociedade, dos políticos e da Nação como um todo.

Não é só "privilégio" das grandes cidades e das grandes capitais a existência de gangues de menores que assaltam, que matam, que participam do tráfico de drogas, que estupram e que praticam as mais variadas espécies de crime.

Há poucos dias foi publicada no Jornal de Brasília uma reportagem sobre gangues de menores que aterrorizam e ameaçam do diretor aos mais simples alunos. E não existe um meio legal - não está existindo até agora - de se cortar esse mal, essas ameaças, em virtude de todos os integrantes dessas gangues serem menores de 18 anos de idade.

      "Gangues aterrorizam escolas.

      Adolescentes armados praticam vandalismo na Ceilândia, ameaçando diretores e professores.

      Gangues de adolescentes armados andam aterrorizando alunos, professores, pais e diretores de escolas da Ceilândia. Portões e paredes com marcas de tiros, vidraças quebradas cercas de arame cortadas e muros depredados são alguns dos sinais do vandalismo praticado pelos marginais. A situação, segundo Pedro Teixeira Nunes, diretor da Escola Classe 34, no "P" Norte, está "insustentável".

      Os menores, conforme o diretor, se reúnem na porta da escola "para acertar contas". Os encontros acontecem quase sempre na parte da tarde, horário de maior concentração de estudantes. Os integrantes das gangues chegam ao cúmulo de ameaçar a vida de diretores, professores e servidores das escolas, quando são chamados a atenção.

      O diretor Pedro Teixeira sofre ameaças toda vez que tenta conversar com os chefes das gangues. "A escola tornou -se um ponto-chave dos acertos de contas. Na maioria das vezes são ex-alunos e estranhos. Muitas vezes não fazemos a denúncia por cautela", argumentou Teixeira. Ele lembrou que na quinta-feira passada os alunos ficaram apavorados quando membros das gangues deram 12 tiros em frentes a escola, às 13h30, horário de entrada dos alunos que estudam à tarde.

      A Escola Classe 34 tem 750 alunos de primeira à sexta séries do primeiro grau e funciona em dois turnos de manhã, e à tarde. A escola até parece uma prisão, lamenta o diretor, uma vez que foi necessária a colocação de grade em toda parte, muros e portões altos para evitar o acesso dos marginais. Com intuito de promover segurança, foram enviados ofícios ao Secretário de Educação, Antonio Ibanez, à Fundação Educacional e ao Comando-Geral do Batalhão Escolar, solicitando a presença de policiais na escola. 'Não podemos fazer nada porque são todos menores'".

Vejam bem, Srs. Senadores, a gravidade da situação de violência que grassa neste País, nesta Capital e, também, já nas cidades pequenas, como a minha cidade.

Os menores de 18 anos entram na criminalidade, formam gangues, matam, fazem o que querem, à revelia da lei. É muito comum o sujeito ser marginal até 18 anos, matando, praticando latrocínios e, depois, ao atingir a maioridade, tornam-se homens de bem, se isso for possível.

O art. 14, § 1º, II, c, da Constituição Federal permite que o cidadão de 16 anos escolha o Presidente da República, ou seja, ele pode votar, pode decidir sobre os destinos do seu País. Todavia, a mesma lei que lhe dá o direito de exercer a cidadania protege-o de crimes, que abalam tragicamente muitas famílias deste País.

Talvez ninguém aqui presente tenha sido assaltado e, portanto, nunca passou por um real perigo. Infelizmente, já fui assaltado e foram disparados contra mim vários tiros por menores marginais. A meu ver, a Nação deve dar direitos aos menores, mas também deve cobrar-lhes deveres. O maior de 16 anos já tem condições de responder criminalmente pelos seus atos. Não é possível um cidadão de 17 anos matar uma pessoa e simplesmente gozar dos privilégios que a lei reserva aos que não completaram 18 anos de idade.

O Sr. Ney Suassuna - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ BONIFÁCIO - Com muito prazer, Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna - Defendi essa mesma tese quando apresentei um projeto que reduzia a idade mínima da punibilidade de 18 para 16 anos. Não é possível realmente, como diz V. Exª, que os maiores de 16 e menores de 18 anos possam votar para Presidente, Governador ou Senador e não precisem assumir os seus atos. Hoje não há uma gangue sem um menor para fazer o trabalho sujo, porque esse não vai preso. Ele, então, assume o crime, livrando todos os demais que são os maiores de idade. Por incrível que pareça, apresentei esse projeto e recebi dezenas de cartas protestando, defendendo a manutenção da idade de 18 anos para a punição. Provavelmente, as pessoas que mandaram essas cartas não tiveram um parente assassinado por um menor. Quem recebe direito tem de assumir dever. Deu-se um direito; que se dê o dever. Parabéns a V. Exª.

O SR. JOSÉ BONIFÁCIO - Agradeço o aparte do nobre Senador Ney Suassuna.

O Sr. Romero Jucá - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ BONIFÁCIO - Ouço V. Exª, nobre Senador Romero Jucá.

O Sr. Romero Jucá - Gostaria de registrar o meu apoio ao discurso de V. Exª. Tramita nesta Casa, há algum tempo, uma emenda constitucional, de minha autoria, que baixa a idade da punibilidade para 16 anos. A minha justificativa foi a de que, se o jovem de 16 anos pode dirigir em vários países e, no Brasil, tirar brevê para aterrissar e levantar vôo em aeroportos nacionais - com o nível de conhecimento, informação e percepção da realidade que a juventude possui, por conta dos novos instrumentos de tecnologia em comunicação - é de fundamental importância que possa responder por seus atos. Há quem defenda a punibilidade para os menores de 16 anos; na Inglaterra e em outros países desenvolvidos, a idade mínima de punição vem retrocedendo para 12, 13 ou 14 anos. É uma chaga para o nosso País permitir essa livre atuação da criminalidade até os 18 anos, como bem assinalou o Senador Ney Suassuna. Gostaria de dizer que essa discussão toma corpo não só no Senado mas também na Câmara. É emergencial que se façam as modificações necessárias na legislação.

O SR. JOSÉ BONIFÁCIO - Agradeço o aparte do nobre Senador Romero Jucá.

Esse assunto é tratado no art. 228 da Constituição Federal, que dispõe:

      "Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial."

É preciso que esse artigo seja modificado. A idade mínima para a imputabilidade penal precisa ser alterada.

O texto do art. 228 prende o amadurecimento da pessoa a um critério puramente biológico, ou seja, a mágica idade de 18 anos. A presunção legal é de que no 18º aniversário, subitamente, manifesta-se na mente do jovem a total compreensão das normas de conduta da sociedade.

Claramente pode-se ver que essa presunção está divorciada dos fatos. O mundo moderno acelera o amadurecimento e já não se pode pretender que um jovem de 16 anos não tenha discernimento suficiente para saber o que é crime e quais as suas conseqüências. Assim, faz-se necessário adaptar a Constituição à realidade do País.

A Justiça é exercida penalmente de várias maneiras. Não se pode querer que a um cidadão de 16 ou de 18 anos seja imputada uma pena igual a de um cidadão já amadurecido de 25, 30 ou 40 anos. A mudança na Constituição é simplesmente o início. É preciso, depois, transformar a lei penal mediante lei complementar.

É preciso articular-se para os jovens um tipo de pena diferente. Devem permanecer as atenuantes ligadas à idade, para que não se coloque um jovem cidadão no meio de marginais que podem corrompê-lo ainda mais. Isso é assunto para a legislação ordinária, que se transformará com a mudança da Constituição que preconizamos em várias propostas de emendas. Ressalte-se que somos autores de uma dessas propostas, para a qual obtivemos o apoio de 29 Senadores. Agora que os Parlamentares estão conscientizados da necessidade dessa mudança na Constituição, partiremos para adequar, por lei complementar e ordinária, a legislação penal vigente que trata dos menores em nosso País.

Vejo tudo isso com muita preocupação. É preciso que se dê um basta à impunidade. Se diminuirmos a idade penal para 16 anos, tenho certeza de que poderá reduzir-se, numa penada só, em 50% a criminalidade neste País. O próprio temor de ir para trás das grades fará com que esses jovens que roubam, assaltam e matam pisem nos freios. E nós precisamos dar uma resposta à comunidade brasileira, que sofre, sem segurança, com medo da violência que grassa neste País.

Sou um homem do Norte, próximo ao Estado do Pará, e, com grande preocupação, estou vendo anunciada mais uma grande catástrofe neste País, que é a invasão de Serra Pelada pela Polícia Federal e pelo Exército. Nunca ninguém tirou da minha consciência, e depois vi isso retratado na imprensa, que o grande culpado do massacre de Eldorado dos Carajás foi o Governador do Estado - o grande e único culpado. E agora já se está plantando uma grande auréola para o Presidente Fernando Henrique Cardoso, de ser o grande culpado do massacre que poderá ocorrer em Serra Pelada.

Vejo a preocupação do Senador Ademir Andrade, como homem daquela terra. Sei que, em Serra Pelada, há muitos conterrâneos meus, na minha cidade, meus irmãos, meus amigos, meus conhecidos, e, pelo sangue que corre nas suas veias, tenho certeza de que haverá resistência. Não quero que volte a acontecer neste País o que aconteceu perto da minha terra, em Xambioá, onde um grande número de aviões chegavam carregados de corpos de jovens soldados do Exército brasileiro, que, inexperientemente, atiravam contra si próprios, pensando que estavam matando terroristas. Esses mesmos jovens que servem o Exército poderão ir para Serra Pelada, massacrar a si próprios e aos brasileiros que estão ali, com toda dificuldade, tentando tirar da terra o sustento seu e de suas famílias.

É preciso que haja responsabilidade deste Governo. É preciso que haja responsabilidade do nosso Parlamento, para que, depois, não se encham aviões de Senadores e Deputados, para irem ao enterro de garimpeiros e soldados, por algo incompreensível que pode acontecer neste País nesses próximos dias.

Faço esse alerta ao Senado e à nossa Nação. Basta de vergonha, basta de tantas atrocidades que já aconteceram neste Governo, com menos de dois anos!

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/10/1996 - Página 17646