Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM A SAUDE PUBLICA NO BRASIL E COM AS CRIANÇAS DE RUA.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • PREOCUPAÇÃO COM A SAUDE PUBLICA NO BRASIL E COM AS CRIANÇAS DE RUA.
Publicação
Publicação no DSF de 31/10/1996 - Página 17863
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, PROBLEMA, MENOR ABANDONADO, DEFESA, SOLUÇÃO, REMUNERAÇÃO, ESTUDO, MENOR, PREPARAÇÃO, FUTURO, BRASIL.
  • IMPORTANCIA, PROCESSO, REDUÇÃO, MORTALIDADE INFANTIL, REGIÃO NORDESTE.
  • ANALISE, PRECARIEDADE, SAUDE PUBLICA, ESPECIFICAÇÃO, MATERNIDADE, ESTADO DE RORAIMA (RR), CRITICA, PROPOSTA, GOVERNO, PARCELA, ATENDIMENTO, CARATER PRIVADO, HOSPITAL, SETOR PUBLICO.
  • APREENSÃO, FALTA, DEMOCRACIA, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO CARENTE, PROPOSTA, GOVERNO.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estou retornando de uma viagem que empreendi a El Salvador, convidada pela UNICEF, quando tive oportunidade de tratar de assuntos relacionados à infância daquele país e do Brasil. Pretendo expor ao Plenário, no dia de amanhã, os resultados dessa viagem tão proveitosa.

Todavia, o assunto, objeto de meu discurso hoje, também se refere à criança brasileira. Em primeiro lugar, eu gostaria de fazer minhas as palavras que li recentemente na imprensa brasileira: "Há três soluções para o drama da infância perdida na rua: escola, escola, escola".

O sucesso da política social de tirar os menores das ruas oferecendo-lhes estudo com algum tipo de remuneração - para que não se evadam na busca de trocados - é a prova que sustenta a ênfase dada à afirmação. A fórmula não é complicada; é simples. E muito mais econômica do que os custos que a infância abandonada gera, direta e indiretamente, para toda a sociedade.

Não tirar as crianças das ruas significa expor o futuro do nosso País a toda sorte de sofrimentos, humilhações e violência. É permitir que tão-somente sobrevivam, sem qualquer perspectiva para o amanhã, quando deveriam estar se preparando para ele.

Também os índices, recentemente publicados, relativos à diminuição da mortalidade infantil, notadamente na Região Nordeste é alento para todos nós. Devemos congratular-nos com toda a sociedade - ONGs, associações de bairro, Igreja e administrações públicas - nesse verdadeiro mutirão que está sendo empreendido para estancar o holocausto infantil brasileiro. Ainda que saibamos que são melhoras tímidas, que não bastam para acabar com o verdadeiro genocídio infantil brasileiro, ressalto a importância de definir e trilhar o caminho do bem e da solidariedade entre as pessoas, pois as riquezas dos resultados são colhidas como verdadeiras bênçãos divinas.

Todavia, uma situação dramática ainda não foi revertida. É a situação da saúde pública. Como se não bastasse o caso das mortes dos idosos na Clínica Santa Genoveva, no Rio de Janeiro, objeto de Comissão Especial nesta Casa, e da Clínica de Hemodiálise, em Caruaru, Pernambuco, quando várias dezenas de pessoas perderam a vida por contaminação da água, estamos assistindo à morte de 35 bebês por infecção hospitalar no Hospital Materno-Infantil Nossa Senhora de Nazaré, em Boa Vista, Roraima.

Como é possível concebermos que um berçário, que abriga vidas recém-chegadas, e que deveria ser a garantia da proteção dessas frágeis criaturas, se constitua em uma verdadeira sentença de morte, em um lugar onde o abandono, a falta de higiene e de condições materiais mínimas se perpetuem sob os olhos incrédulos de todos nós?

Paralelamente, o Governo Federal anuncia a intenção do Ministério da Saúde de transformar 13 hospitais da rede federal em organizações sociais. O modelo proposto estipula que 85% dos leitos hospitalares escolhidos para teste do novo sistema continuarão destinados aos pacientes do SUS. Os outros 15% dos leitos poderão ser destinados, pelos conselhos desses hospitais, a convênios com sindicatos de trabalhadores ou a empresas de saúde privada.

Podemos entender que, a partir desse sistema que pretende associar formas privadas e públicas de atuação, haverá um estímulo no sentido de que os hospitais assinem contratos privados, visando a lucros. Sendo assim, chegamos a algumas perguntas: Será que, ao unir-se atendimento público e privado em um mesmo hospital, não haveremos de contar, de um lado, com um atendimento de primeiríssima qualidade - da rede privada - e, de outro, com a perpetuação do atendimento medíocre, de terceira e quarta categorias?

A proposta do Governo não soa, no mínimo, contraditória, já que o discurso do enxugamento da máquina está fundamentado do sentido de que se canalizem maiores verbas para áreas sociais, como a da saúde, justamente quando o Congresso Nacional aprovou a criação da CPMF com esse fim?

Será que essa proposta do Governo irá considerar a situação dos profissionais da saúde pública, que, com salários muito abaixo do mercado, são obrigados a trabalhar no limite de suas forças, em dois, três estabelecimentos de saúde, para que possam garantir um salário digno?

Exemplos de sucesso como o Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília, devem, com certeza, ser seguidos. Mas o modelo que fez dessa instituição hospitalar um padrão em atendimento está calcado em salários de mercado e dedicação integral do seu corpo de funcionários. Além disso, o estabelecimento funciona sem fins lucrativos, sendo uma instituição de utilidade pública. Seu sistema de contrato de gestão permite ao hospital trabalhar como se fosse privado, mas é financiado pela União, supervisionado pelo Ministério da Saúde e pelo TCU.

Como se vê, o mecanismo de funcionamento do Sarah não ser reduz, simplesmente, à abertura de uma faixa do atendimento na saúde pública à rede privada, como quer a proposta governamental.

Tenho a convicção de que não será entregando uma parcela da saúde pública à iniciativa privada que lograremos a democratização e uma melhoria sensível da qualidade do atendimento prestado. A exemplo de políticas públicas exitosas, adotadas na área de educação por algumas administrações, é urgente uma ação também na área da saúde por parte dos dirigentes.

Digo isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, porque tenho acompanhado, não só no Estado do Rio de Janeiro mas também no resto do Brasil, a problemática da saúde e do atendimento específico para a criança. 

O Estatuto da Criança e do Adolescente garante os cuidados com a saúde da criança. No entanto, o Brasil vive situações gravíssimas no que diz respeito à saúde da criança: além da desnutrição, há a preocupação com o HIV. Não existe nenhuma mobilização ou movimentação ou programa específico urgente urgentíssimo para o atendimento aos doentes de AIDS.

Preocupo-me verdadeiramente, porque o Governo tem uma proposta que é contraditória sob o ponto de vista do atendimento. Sendo eu uma profissional da área de saúde, espero que um dia o atendimento de saúde seja igual para todos, independentemente de sua classe social. Devo confessar, no entanto, que não conheço um atendimento igualitário por parte dos hospitais públicos e privados. Vejo sim, o contrário, muita gente de dinheiro ter um tratamento especial no hospital público. O tratamento é tão especial que mobiliza, às vezes, toda a administração. Ás vezes, transferem-se pacientes, a fim de deixar vaga a enfermaria em que está esse paciente "especial" no hospital público, onde vai receber um cuidado todo peculiar e submeter-se a cirurgias, algumas vezes, as mais sofisticadas. Enquanto isso, alguns outros são despachados para suas casas e aguardam eternamente em filas e nas portas dos hospitais.

Não entendo que, ao associar o atendimento público ao privado, garantiremos às pessoas pobres, necessitadas, o mesmo atendimento de qualidade. A garantia da saúde do povo, bem como a sua segurança e educação, é moral e constitucionalmente dever e responsabilidade do Estado em qualquer país decente do mundo.

Por isso, faço hoje, desta tribuna, um apelo. Devemos não só prestar atenção nessa medida do Governo Federal como também considerar a necessidade de garantir a saúde ao povo brasileiro em todas as suas etapas de vida, ou seja, infância, adolescência, idade adulta e terceira idade.

É importante que o bem-estar e a segurança para a população sejam garantidas com medidas eficazes.

Não sou absolutamente contra a idéia de a iniciativa privada prestar um atendimento melhor e mais sofisticado à população. Mas é preciso assegurar que todas as pessoas sejam igualmente atendidas.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/10/1996 - Página 17863