Discurso no Senado Federal

POLEMICA DA APLICAÇÃO DO 'PROVÃO' E DE OUTROS MECANISMOS DE AVALIAÇÃO DO SISTEMA UNIVERSITARIO. IMPORTANCIA DA EDUCAÇÃO NO PROCESSO DE INSERÇÃO DO PAIS NA COMPETIÇÃO INTERNACIONAL.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • POLEMICA DA APLICAÇÃO DO 'PROVÃO' E DE OUTROS MECANISMOS DE AVALIAÇÃO DO SISTEMA UNIVERSITARIO. IMPORTANCIA DA EDUCAÇÃO NO PROCESSO DE INSERÇÃO DO PAIS NA COMPETIÇÃO INTERNACIONAL.
Aparteantes
Francisco Escórcio.
Publicação
Publicação no DSF de 12/11/1996 - Página 18340
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • ELOGIO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PAULO RENATO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), INICIATIVA, CRIAÇÃO, REALIZAÇÃO, EXAME ESCOLAR, AVALIAÇÃO, UNIVERSIDADE.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ouvi parte do discurso do Senador Sebastião Rocha, quando S. Exª falava sobre o "provão", a aplicação de teste por parte do Ministério da Educação para os concludentes dos cursos de Engenharia, Administração e Direito, salvo engano.

Essa matéria é polêmica; e é fácil compreender por que desperta tanto debate, tanta discussão, pois se trata de uma inovação que mexe com as universidades públicas e privadas e, conseqüentemente, com alunos e professores dessas instituições de ensino superior, e representa - aí temos de fazer justiça ao Ministro Paulo Renato e ao Governo do Presidente Fernando Henrique - uma tentativa que tem méritos e problemas de se avaliar o ensino universitário.

Fui aluno de universidade pública; mais do que isso, fui aluno de escola secundária pública. Sou um admirador, um defensor do ensino público e acredito que tudo isso que estamos vendo em relação a anuidades, desentendimentos, conflitos, às vezes litígios entre famílias, pais, alunos, diretores de escolas privadas e Governo, tudo é o resultado da degradação do ensino público.

O Poder Público tem a obrigação, o dever de assegurar escola pública e gratuita de qualidade. Como a escola pública se degradou muito, a grande maioria dos pais foram obrigados a colocar os seus filhos em escolas particulares - e não tenho nada contra a escola particular, escolas leigas e escolas confessionais. Como os preços das mensalidades da escola particular subiram muito e os salários não subiram nada, além de a classe média ter empobrecido, esta não suportou mais pagar a anuidade das escolas particulares. Daí vem o conflito, vem o litígio, o desentendimento que, inclusive, é altamente nocivo à boa convivência, que deve existir na verdadeira comunidade educacional, professores, dirigentes de escola, pais de alunos e alunos.

Portanto, de antemão, digo que sou um defensor da escola pública, escola secundária e escola superior. No entanto, reconheço que em nossas universidades nunca houve uma decisão, uma vontade de realmente proceder a uma auto-avaliação. Esse assunto vem sendo adiado há muito tempo, vem sendo objeto de muita indagação em reuniões, muitos debates, mas até então não se tinha chegado a uma conclusão sobre como fazer essa avaliação na prática.

Houve várias discussões sobre a necessidade de se avaliar o aluno ou as universidades. Outra hora não eram mais as universidades, pois não se sabia se elas haviam recebido as verbas. Essa argumentação toda criou um clima de grande desconfiança entre a sociedade e a universidade. A universidade tomou a atitude defensiva de achar que havia setores da sociedade interessados em destruí-la, em impedir seu desenvolvimento, em fazer com que ela não progredisse; a universidade via isso com desconfiança. E muitos, equivocadamente, viam a universidade como uma cidadela de privilégios, de interesses corporativos que, inclusive, não gostaria de ser avaliada.

Por isso, esse mérito temos que dar ao Governo, ao Ministro Paulo Renato, ao Presidente Fernando Henrique, que arrostaram essas críticas e decidiram fazer esse exame já cognominado "provão", com essa nossa maneira de apelidarmos fatos e pessoas no Brasil.

Ontem, tivemos a realização do provão. Há professores que defendem, outros que são contra; há reitores que defendem, outros que são contra; há alunos que defendem, outros que são contra, mas o provão foi realizado.

O Ministério foi cauteloso, na medida em que decidiu preservar o resultado dessas provas para que possa servir de instrumento de discriminação dos alunos concludentes no mercado de trabalho.

Para surpresa minha, grande parte da reação a esse "provão" veio das universidades públicas. Pensei que o protesto viria das universidades e das escolas superiores privadas, porque, com muita injustiça, diz-se que várias delas são meros cartórios fornecedores de diplomas. Esses deveriam estar preocupados com a realização do "provão", mas, pelo menos, não tiveram a ousadia e a coragem de colocar o rosto diante da sociedade como opositores a sua realização.

O Sr. Francisco Escórcio - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Ouço com prazer V. Exª.

O Sr. Francisco Escórcio - Senador Lúcio Alcântara, pensemos nas regras de um jogo. São elas que estabelecem como se deve jogar. O que aconteceu? Pelo que vi na televisão, ontem, houve uma quebra dessas regras. Se os alunos universitários tivessem sido avisados de que a partir de tal data seria dessa forma, todos já se preparariam e já saberiam a regra do jogo. O problema é que a regra do jogo não está bem estabelecida. Será que todos, ao tomarem providências, inclusive contra a colocação desse "provão", não o fizeram exatamente por conta disso? É a minha pergunta a V. Exª.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Em parte, V. Exª pode ter razão. Poder-se-ia ter colocado não para os concludentes deste ano, mas para os concludentes do próximo ano. E o Ministro Paulo Renato reconheceu, numa autocrítica - creio que no Jornal do Brasil -, de que não houve suficiente debate, suficiente discussão sobre a realização do "provão".

V. Exª levanta uma questão que realmente poderia ter sido considerada. O "provão" poderia ter sido colocado para os que estão no penúltimo ano, por exemplo, e também não adiá-lo indefinidamente.

Todavia, o que me chama a atenção nas várias matérias que os jornais publicaram é que alguns alunos, inclusive aqui de Brasília, se não me engano, consideraram a prova fácil demais. Isso é até um bom sinal, sinal de que eles se encontravam bem preparados para realizar esse exame.

O que se quer avaliar é justamente o desempenho da instituição, da universidade ou da escola de nível superior, que não deixa de se refletir no desempenho da grande maioria de seus alunos. Não se vai avaliar o aluno João França, o aluno Gilvam Borges ou o aluno Lúcio Alcântara; vai-se avaliar o conjunto do desempenho dos alunos da instituição de ensino superior. Por isso, creio que essa é uma providência que pode estar contribuindo para quebrar esse gelo ou esse muro de incompreensões entre a universidade e a sociedade civil.

Falam somente sobre o "provão", mas o próprio Ministério da Educação não tem tido a devida habilidade para divulgar o fato de que o "provão" - como querem, com toda razão e justiça, os membros da comunidade universitária brasileira - é apenas um dos instrumentos de avaliação.

Tenho em mãos uma cópia do Decreto nº 2.026, de 10 de outubro de 1996, publicado no Diário Oficial de 11/10/96 (nº 198, seção 1), cuja ementa é a seguinte:

      Estabelece procedimentos para o processo de avaliação dos cursos e instituições de ensino superior.

      Art. 1º. O processo de avaliação dos cursos e instituições de ensino superior compreenderá os seguintes procedimentos:

      (...)

      Art. 3º. Os indicadores de desempenho global referidos no inciso I do art. 1º serão levantados pela Secretaria de Avaliação e Informação Educacional, SEDIAE, e compreenderão:

      I - taxas de escolarização bruta e líquida;

      II - taxas de disponibilidade e de utilização de vagas para ingresso;

      III - taxas de evasão e de produtividade;

      IV - tempo médio para conclusão dos cursos;

      V - índices de qualificação do corpo docente;

      VI - relação média alunos por docente;

      VII - tamanho médio das turmas;

      VIII - participação da despesa com ensino superior nas despesas públicas com educação;

      IX - despesas públicas por aluno no ensino superior público;

      (...)

      Art 4º. A avaliação individual das instituições de ensino superior, conduzida por comissão externa à instituição especialmente designada pela Secretaria de Educação Superior, SESu, considerará os seguintes aspectos...

E arrola os aspectos que serão levados em conta.

No Parágrafo Único desse mesmo artigo está dito:

      A comissão externa referida no caput deste artigo levará em consideração a auto-avaliação realizada pela própria instituição, as avaliações dos cursos realizados pelas comissões de especialistas, os resultados dos exames nacionais de cursos, a avaliação da pós-graduação conduzida pela Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, e a análise dos indicadores de desempenho global realizada pela SEDIAE.

      Art. 5. A avaliação dos cursos de graduação far-se-á pela análise dos indicadores estabelecidos pelas comissões de especialistas de ensino e levará em consideração os resultados dos exames nacionais de cursos e os indicadores mencionados no art. 3º, adequadamente adaptados para o caso.

Seguem-se outros artigos que constam do decreto.

Portanto, não será apenas o provão que servirá de indicador no processo de avaliação das instituições de nível superior e sim um conjunto de dados que deverá ser avaliado, mediante as medidas que estão preconizadas no Decreto nº 2.026. E, mais uma vez, nesse caso da avaliação das universidades, a sociedade antecipou-se ao Governo.

Vejam os senhores que há tempo que a Folha de S.Paulo publica com certa freqüência a avaliação dos docentes da Universidade de São Paulo - número de trabalhos publicados, onde esses trabalhos foram publicados. Essa avaliação, circulando em um jornal de grande tiragem, como é a Folha de S.Paulo, torna do conhecimento geral os dados sobre os professores da Universidade de São Paulo, analisados segundo critérios estabelecidos por aquele prestigioso jornal paulista.

O que o Governo está fazendo agora é justamente ordenar essa avaliação das instituições de ensino superior em relação à graduação, porque já o faz na pós-graduação. Inúmeras vezes vimos publicado nos jornais, inclusive mais uma vez na Folha de S.Paulo, avaliação sobre cursos de mestrado, de doutorado, transcrevendo informações obtidas através da própria CAPES, órgão encarregado de fazer a avaliação da pós-graduação.

Agora, estamos começando a fazer a avaliação da graduação. Assim, poderemos ter um conhecimento mais exato da qualidade das diferentes instituições de ensino superior no País, públicas e privadas.

Faço este pronunciamento para colocar o problema nos seus devidos termos. Não vamos reduzir o processo de avaliação exclusivamente à realização do "provão". Não vamos esquecer que o Ministro da Educação, Paulo Renato, e o Presidente Fernando Henrique Cardoso já editaram diploma legal, esse decreto que li para V. Exªs que estabelece normas e procedimentos para avaliação das universidades.

Quero solicitar mais uma vez ao Governo, que já tem tomado tantas providências em relação ao ensino de primeiro e segundo graus - aqui mesmo aprovamos, por unanimidade, emenda constitucional redistribuindo os recursos dando prioridade ao ensino fundamental -, que é preciso agora olhar para as universidades. Não basta avaliar. É preciso rever a postura, o comportamento, a atitude do Governo em relação às universidades. As universidades públicas federais estão penalizadas pelo Governo, que não lhes repassa verbas e recursos suficientes. Os hospitais universitários estão fechando, as instalações físicas dessas universidades estão em péssimas condições. O número de professores reduziu drasticamente porque quem pôde se aposentou com medo do espantalho das propostas que o Governo está fazendo para o funcionalismo público federal.

Que o Presidente Fernando Henrique e o Ministro Paulo Renato, que já demonstraram dar à educação fundamental um grande interesse, agora se voltem para a universidade. Não é possível um País que quer se inserir na economia internacional, ter aspirações de liderança mundial, que deseja se modernizar, que deseja progredir, que deseja redistribuir a renda, que deseja oferecer oportunidades a todos indistintamente, independentemente de sua condição social e econômica, independentemente da região ou da cidade onde viva, não olhe com atenção para o problema da educação.

O Presidente Bill Clinton anunciou agora, após sua reeleição, que a maior prioridade de seu governo será a educação, que chamou de "educação para a competição", ou seja, preparar os jovens universitários americanos para o futuro, para o novo milênio que se aproxima. E ele mostra que só teve melhorada a sua renda aquele que conseguiu freqüentar e se graduar numa universidade; os que não conseguiram não participaram da redistribuição de renda.

Então, não podemos fechar os olhos a essa realidade e não podemos esquecer que, se o Governo diminui de tamanho, se vende suas empresas, se quer rever o seu papel na sociedade brasileira, não pode deixar de olhar para a educação como tarefa fundamental e tarefa sua, não exclusiva, mas predominantemente sua, tanto a educação fundamental, como a do segundo grau e a superior.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/11/1996 - Página 18340