Discurso no Senado Federal

PAPEL DAS DROGAS E DAS BEBIDAS ALCOOLICAS NO AUMENTO DA VIOLENCIA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • PAPEL DAS DROGAS E DAS BEBIDAS ALCOOLICAS NO AUMENTO DA VIOLENCIA.
Aparteantes
Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 13/11/1996 - Página 18360
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, RELAÇÃO, CONSUMO, DROGA, BEBIDA ALCOOLICA, AUMENTO, VIOLENCIA, ACIDENTE DE TRANSITO.
  • ANALISE, ESTATISTICA, AUMENTO, CONSUMO, DEPENDENCIA, ALCOOL, ESPECIFICAÇÃO, ADOLESCENCIA.
  • NECESSIDADE, CAMPANHA, GOVERNO, ESCLARECIMENTOS, EFEITO, ALCOOLISMO, PROGRAMA, PREVENÇÃO, RECUPERAÇÃO, DEPENDENTE.
  • CRITICA, LEGISLAÇÃO, LIBERDADE, PROPAGANDA, BEBIDA ALCOOLICA, IMPUNIDADE, VENDA, ALCOOL, MENOR, PROXIMIDADE, RODOVIA.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uma arma na cintura, um copo de aguardente na mão ou uma droga na cabeça, eis os ingredientes de mais uma morte. Essa receita está sendo testada a cada dia pelo Brasil afora, fazendo do nosso País um campeão de assassinatos e mortes violentas. Sob o efeito do álcool ou da droga, um pacato e cordato cidadão pode se transformar num belicoso, um homem franzino pode se julgar um valente; com uma arma na mão, transmuda-se em um bandido. 

Durante o ano de 1995, o álcool foi o responsável pela morte de 20 pessoas e pelo ferimento de outras 265 pessoas no trânsito do Brasil, a cada 24 horas. Nesse mesmo ano, de 100 corpos que entraram no Instituto de Medicina Legal de São Paulo, 95 tinham álcool no sangue; em 11, foi encontrada uma dose de álcool superior a 4 gramas por litro, o que, por si só, já é suficiente para matar uma pessoa. 

A cada ano bebe-se mais em nosso País. Com o advento do real, o consumo de bebidas teve um incremento muito grande e, por isso, fábricas de cerveja são construídas ou ampliadas, aumenta-se a produção de aguardente e de outras bebidas destiladas, novas importações são feitas para atender ao crescimento no consumo de vinho e de uísque.

Para o Brasil todo existe uma projeção macabra: estima-se que 15% da população adulta masculina seja dependente de álcool. Esse índice é tão elevado que torna o álcool problema de saúde pública.

O álcool é reconhecido como droga que afeta principalmente a sociedade, enquanto os usuários de outras drogas - como a maconha, a cocaína, o crack - prejudicam a si mesmos. Efetivamente, na raiz de muitas desavenças familiares e de muitas famílias que se desfazem, de grande parte dos acidentes de trânsito, das brigas em bares, o álcool sempre está presente. Somente no ano de 1995, o álcool foi responsável por 76.600 acidentes de trânsito ocorridos no Brasil; 7,6% dos assassinatos mais violentos acontecidos em São Paulo, nesse mesmo período, foram conseqüência de brigas em bares.

Uma outra constatação é muito preocupante: é cada vez maior o número de jovens que cedo estão ingressando no rol dos bebedores. Integrantes do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes, mantido pela Universidade de São Paulo, constataram que os problemas com o álcool normalmente afloram na adolescência, quando jovens com 12 ou 13 anos já começam a freqüentar barzinhos e a bebericar regularmente, havendo, entretanto, casos de crianças com 8 anos de idade já enfrentando problemas decorrentes da bebida. Principalmente nessa idade, quando o físico ainda está em formação, o álcool é extremamente prejudicial à saúde e os seus efeitos maléficos se tornam cada vez mais difíceis de serem eliminados ou corrigidos.

O Sr. Romeu Tuma - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Pois não, Senador Romeu Tuma.

O Sr. Romeu Tuma - Peço desculpas por interromper o discurso de V. Exª, mas eu gostaria de citar algumas análises, que ouvi ontem e hoje, de comentaristas e professores universitários, sobre as pesquisas que indicam o álcool como sendo a grande droga do momento, o que vem acarretando conseqüências gravíssimas, principalmente aos adolescentes. Hoje, aquela história de ir a uma festinha ou boate, tomar um aperitivo, uma dose de uísque, está levando à destruição da mente do adolescente. V. Exª é médico, com conhecimentos técnicos nessa área, por isso mesmo sabe muito melhor do que a maioria dos Senadores as conseqüências do consumo de álcool. Por ter participado de eventos internacionais que fazem estudos e referências ao uso de drogas, posso dizer que temos nos esquecido um pouco do problema do álcool. Ficamos preocupados com a maconha, a cocaína, o crack, todas drogas graves, mas quando fazemos uma comparação em percentual, verificamos que o álcool representa 80%, ou mais, do vício da juventude, e V. Exª mesmo cita crianças de 12, 13 anos. O álcool é algo que eles têm à vontade em casa. Ninguém controla o álcool. Qualquer pai de família deixa a sua bebida em casa e a criança que queira vai lá e se serve. Creio que seria importante que o alerta que V. Exª faz repercutisse em todas as camadas sociais. Cumprimento V. Exª por esse oportuno pronunciamento.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - V. Exª, Senador Romeu Tuma, refere-se ao que procuro assinalar no meu pronunciamento, que é o consumo imoderado e precoce do álcool. Hoje, temos jovens e, em certos casos, até crianças que já são consumidores de álcool.

A indústria de bebidas alcoólicas é uma das mais prósperas do Brasil. Da cerveja à popular cachaça, todas as indústrias estão em franco desenvolvimento.

As conseqüências do alcoolismo são terríveis. Por isso, com este pronunciamento, quero alertar a sociedade e os órgãos governamentais para a necessidade de um esclarecimento a esse respeito, de se fazerem programas educativos, programas de recuperação para os dependentes.

Anos atrás, como Secretário de Saúde do meu Estado, tive oportunidade de visitar serviços de saúde de vários países, por meio de uma Bolsa da Organização Panamericana de Saúde. Encontrei na Costa Rica, por exemplo, programas de saúde pública voltados à prevenção e recuperação de alcoólatras, o que já era reconhecido como um grave problema nesse país.

Por isso, trago o assunto ao conhecimento do Senado, contribuindo com idéias, para que o Governo e o Ministério da Saúde possam desenvolver políticas de prevenção e combate ao alcoolismo.

A causa maior dessa situação desastrosa encontra-se, a meu ver, no nosso ordenamento jurídico, que permite a propaganda de algumas bebidas alcoólicas, no rádio e na televisão, em qualquer horário. Há pouco tempo, aprovamos uma nova lei estabelecendo restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígenos, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas. Acontece que, no que tange às bebidas, essa lei criou uma classificação esdrúxula que foge ao prescrito na literatura médica mundialmente conhecida: a lei considera bebida alcoólica somente aquela que tiver teor alcoólico superior a 13 graus - Gay Lussac -, enquanto a medicina considera bebida alcoólica aquela que o tenha superior a meio grau. Na realidade, essa lei parece ter sido feita sob medida para os fabricantes de cerveja e de vinho.

O que se verifica é que há entre nós uma condescendência generalizada com as bebidas alcoólicas - fala-se, inclusive de um bebedouro social. A sociedade sancionou a seita de que se deve consumir álcool e de que isso não constitui uma contravenção, um crime.

Todavia, o consumo imoderado do álcool - e, volto a dizer, a precocidade com que a juventude o consome - tem acarretado graves problemas de saúde pública, seja através de mortes violentas em acidentes de trânsito, rixas, assassinatos, seja no organismo dessas pessoas - cirrose, desnutrição, delírio, doença mental. Tudo isso acarreta grandes sofrimentos não só ao alcoólatra, mas também às suas famílias e à sociedade como um todo. O mais grave: é difícil a recuperação do alcoólatra.

Ouvi, certa vez, do meu ex-Professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina, Professor Wandck Ponte, que um dos mecanismos mais eficientes que ele havia encontrado até então para recuperar o alcoolismo era o chamado Alcoólicos Anônimos. Fora isso, é extremamente difícil a recuperação do alcoólatra, mesmo em hospitais muito bem aparelhados e com bons profissionais.

Nessa liberalização e condescendência geral, insiro também a permissão dada pelo Tribunal Eleitoral para que um fabricante de cervejas estampasse a sua logomarca nas urnas eleitorais do pleito de 03 de outubro último - apesar de a lei eleitoral impedir o consumo de bebidas alcoólicas no dia da eleição. O pior mesmo é o Presidente da República ser fotografado numa dessas cabines dando o seu voto. Não há nada de ilegal nos dois episódios, mas, sob o ponto de vista ético, os dois são reprováveis e inadequados.

Ao se permitir a propaganda livre dessas bebidas, ao se relacionar a comemoração de uma vitória, de um sucesso com uma roda de cerveja, ao se vinculá-la com a alegria de uma festa, está-se plantando na mente da criança ou do adolescente a idéia de que beber é bom, é sinônimo de felicidade. É claro que, com esse incentivo, o jovem também vai querer tomar, cada vez mais cedo, o seu primeiro gole e, com isso, estará dando o seu primeiro passo no rumo da dependência e do vício.

Outras vezes, essa iniciação vem através dos próprios pais, que pedem aos filhos para comprar no bar mais próximo a bebida para o final de semana ou lhes permitem um golinho enquanto a tomam.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estou ciente de que muitos pais ignoram os efeitos maléficos do álcool sobre a saúde das pessoas ou não sabem que, ao permitirem aos filhos um pequeno gole ou ao lhes pedirem que comprem a bebida, já os estão iniciando no caminho do vício. Por isso, creio que campanhas esclarecedoras e que mostrem os efeitos danosos dessa bebida sobre a saúde são essenciais.

Não é nenhum jacobinismo ou falso moralismo o reconhecimento de que o álcool, tal como vem sendo consumido na nossa sociedade, cria problemas de saúde pública que terminam repercutindo de maneira extremamente deletéria sobre a sociedade. Até porque existem pessoas que realmente não podem consumi-lo por não saberem limitar a sua ingestão. Dessa forma, quando bebem, adotam comportamentos absolutamente reprováveis, mesmo quando se trata de uma quantidade relativamente pequena.

Tudo isso transforma esse problema num caso médico, num problema de saúde pública muito grave. Se formos verificar os dias de trabalho desperdiçados, o absenteísmo nas indústrias, nos escritórios, no comércio, nas repartições públicas, vamos verificar que, por trás disso, encontra-se, na maioria das vezes, o problema do alcoolismo.

De outra parte, é preciso fazer valer a Lei das Contravenções Penais, que proíbe servir bebidas a menores de 18 anos, e o dispositivo do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que, dentre outras coisas, proíbe a venda de bebidas alcoólicas a crianças e adolescentes.

A venda de bebidas alcoólicas a crianças é um outro absurdo! Constitui uma infração, e esse comerciante deve ser punido. Eles estão causando um enorme mal a essas crianças.

O Sr. Romeu Tuma - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - Concedo um aparte ao nobre Senador Romeu Tuma, com muito prazer.

O Sr. Romeu Tuma - V. Exª está fazendo referência aos prejuízos causados na área empresarial, e eu gostaria de relatar o que ocorre na área da Polícia, da segurança. A incidência de tratamentos psiquiátricos nos hospitais das Polícias Militares é em decorrência do uso indiscriminado de bebidas alcoólicas. V. Exª, na condição de médico, já deve ter passado pelos Institutos Médicos Legais. Os recolhedores de cadáveres e motoristas vivem - claro que não é a totalidade, mas um grande número - em permanente estado de embriaguez. Eles se refugiam na bebida. Como o bar é aberto a noite inteira, vão lá, bebem e não se alimentam.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA - O aparte de V. Exª é importante, porque reforça o meu argumento de que isso é um problema médico, é um problema social, é um problema humano, que tem graves repercussões na área econômica, por causa do absenteísmo, por causa do que se gasta para recuperar essas pessoas, para curá-las, para tratar das doenças que vêm associadas ou provocadas pelo álcool. Portanto, é um problema econômico que não se pode desprezar.

A propósito da venda de bebidas a crianças e adolescentes, o Correio Braziliense de 28 de julho último publicou extensa reportagem, mostrando que no Distrito Federal a venda de bebidas a crianças é totalmente livre, como, aliás, ocorre em todas as partes do Brasil, inclusive, às margens das rodovias. Isso causa grandes problemas no tráfego de automóveis pelas rodovias. Os motoristas param nos bares às margens das estradas, alcoolizam-se, e vêm os acidentes.

Votamos nesta Casa o Código de Trânsito. Espero que em breve ele seja examinado pela Câmara e transformado em lei, com a sanção do Presidente da República. O Código de Trânsito atenta para alguns desses problemas. De qualquer forma, queremos assinalar a importância e a gravidade dessa questão.

O Correio Braziliense acompanhou, com a devida autorização dos pais e o compromisso dos menores de que não tomariam as bebidas que lhes fossem servidas ou vendidas, três jovens - de doze, treze e quinze anos - a seis conhecidos pontos de venda de bebida na cidade: bares, restaurantes e uma loja de departamentos. Em todos eles, os menores foram livremente servidos de cerveja, conhaque, ou adquiriram, sem qualquer empecilho, um litro de Martini e uma caixa de cerveja.

Isso é contravenção, Sr. Presidente, que acontece sob os olhares de todos, todos os dias da semana e em todos os lugares do Brasil. Onde está a Polícia? Onde está o Juizado de Menores? Será que há receio de cumprir a lei? Ou será que essa é uma proibição para servir apenas no papel?

É por não se cumprirem essas leis que a nossa população está morrendo e matando, que trafegar por determinadas vias públicas em certos horários e dias da semana é um verdadeiro risco, que os acidentes de carro estão crescendo em número e em grau de violência, que muitas famílias se desintegram e muitos jovens encontram caminho livre para a malandragem e o crime.

Para resolver esse problema, é imperioso que, de um lado, as leis que determinam não servir nem vender bebida alcoólica a menores de 18 anos sejam cumpridas e que a Polícia e os Juízes de Menores sejam realmente severos e intransigentes na fiscalização do seu cumprimento, e, de outro, que o Ministério da Saúde faça uma ampla campanha de esclarecimento da população sobre os inúmeros malefícios que esse vício pode trazer à saúde. Pleitear que também a propaganda de vinho e cerveja fosse veiculada no rádio e na televisão no horário compreendido entre 21h e 6h, logo após termos aprovado uma lei permitindo essa divulgação em qualquer horário, não seria coerente, mas seria sensato, se considerarmos que essas bebidas são também alcoólicas e, como tal, podem causar dependência, podem viciar.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essa é a única maneira que vislumbro de livrar a nossa juventude dos males e dissabores que o álcool pode causar, de livrar parcela significativa da nossa população do vício do alcoolismo.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/11/1996 - Página 18360