Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO ARTISTA ALAGOANO ZUMBA, NO ULTIMO DIA 30.

Autor
Guilherme Palmeira (PFL - Partido da Frente Liberal/AL)
Nome completo: Guilherme Gracindo Soares Palmeira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO ARTISTA ALAGOANO ZUMBA, NO ULTIMO DIA 30.
Publicação
Publicação no DSF de 20/11/1996 - Página 18620
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, PINTOR, ESTADO DE ALAGOAS (AL).

O SR. GUILHERME PALMEIRA (PFL-AL) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, no último dia 30, Alagoas perdeu seu mais representativo artista popular. Com a morte de Zumba, aos 76 anos, não só o Estado, mas também o Brasil ficou mais pobre. Tornaram-se órfãos do pintor que soube como ninguém retratar a injustiça e a discriminação, marca de nosso subdesenvolvimento.

Zumba nasceu em Santa Luzia do Norte, pequena cidade do interior do meu Estado. Mudou-se muito cedo para Pernambuco. Lá estudou no Colégio Cinco de Julho. Anos depois, cursou o Colégio Agrícola de Garanhuns.

Tudo indicava que o jovem Zumba seria mais um nordestino a engrossar as fileiras dos trabalhadores do campo. Mas o destino dele era outro. "Nasci pintor", confessaria o artista tempos depois.

E pôs-se a pintar. Todos sabiam estar ali uma vocação indiscutível para as artes plásticas. Mas o aprendiz precisava de orientação técnica para que o talento indiscutível, que nos primeiros trabalhos se revelava tímido, pudesse desabrochar em todo o esplendor.

Foi a vez de Edson Figueiredo. O mestre ampliou as possibilidades do novo artista. Ensinou-lhe os segredos do jogo de sombras e o mistério das expressões do olhar. Isso há 56 anos.

O resultado, Senhor Presidente, são as emocionantes paisagens e os instigantes retratos que o imortalizaram. Hoje, sua obra espalha-se pelo mundo. Museus da França, Itália, Rússia e Argentina, além de importantes coleções particulares, têm trabalhos seus nos acervos.

Zumba tinha uma quase obsessão temática: o negro. Por uma razão simples. Ele lutava contra o preconceito racial. Sabia que todos os homens são iguais. Considerava o preconceito burro. Mas ele próprio, negro, sentiu na pele e na carne a força destruidora desse sentimento injusto, que julga o ser humano pela aparência. Pior: pela cor da pele.

A arte de Zumba, Senhor Presidente, eleva os miseráveis. Dá à luz aqueles que são pisados pela sociedade. Tira-os do anonimato. Ilumina-os com seus traços e cores. Torna-os tema de debate e discussão. Eleva-lhes o status.

Apesar de toda a consciência social que lhe orientava a vida e o trabalho, Zumba confessava-se descrente da política. Melhor: da política e dos políticos atrasados, que ainda se alimentam da ignorância e do atraso do povo. A eles, mandava o recado: "Não gosto daqueles que vivem de comprar as pessoas. Se encontro alguém assim digo-lhe que não tente me comprar porque conheço meus direitos".

Quis o destino que esse homem duro, cuja maior alegria e realização estavam na pintura, perdesse a visão. Cego, não mais podia pintar. Foi abandonado de amigos, vizinhos e parentes. Pobre, não pôde realizar seu grande desejo: dar uma casa à mulher, com quem viveu durante 44 anos.

Um pouco antes de morrer, o médico ALAN BARBOSA propiciou-lhe a cirurgia que lhe devolveria a visão. Ficou feliz. Recuperado, voltaria a pintar, a expor, a cercar-se de amigos e admiradores.

Infelizmente, Senhor Presidente, o fado traçou-lhe outros planos. Não lhe deu tempo de continuar a obra. Ele se foi de nosso convívio aos 76 anos, dos quais 56 dedicados à pintura.

Costumava dizer que tinha duas alegrias. A primeira, o fato de ser livre e abolicionista. Tinha orgulho de dizer nunca ter sido escravo de ninguém. Gostava de repetir que o bom da vida era ela ter altos e baixos. Sem os percalços, a vida não teria graça nenhuma. 

A segunda alegria, Senhor Presidente, tem a ver com uma homenagem. Uma especial, diferente das muitas que recebeu ao longo da vida. Uma das maiores emoções de Zumba refere-se a acontecimento ocorrido em Alagoas. Quando o pintor foi agraciado com o diploma de Cidadão Honorário do Estado. Até a data da morte, ele exibia com orgulho o documento, emoldurado e exposto na parede da pequena casa onde morava no bairro do Vergel do Lago.

Como ele, nós exibimos o orgulho de termos tido Zumba entre nós. E, privilégio dos artistas, de continuarmos a tê-lo. Sua obra está ali, nas paredes de museus e de muitas residências particulares. Seus retratos e paisagens continuam vivos, pedindo igualdade entre os homens e justiça para os homens.

Era o que tinha a dizer. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/11/1996 - Página 18620