Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PESQUISA REALIZADA PELO INSTITUTO 'VOX POPULI', ENCOMENDADA PELA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA, SOBRE OS PROJETOS OFICIAIS DO ASSENTAMENTO RURAL EM TODO O PAIS, COM O OBJETIVO DE CONHECER A REAL SITUAÇÃO DOS PROJETOS DE REFORMA AGRARIA IMPLEMENTADOS PELO GOVERNO ATE O PRESENTE, E PARA AVALIAR A EFETIVIDADE SOCIO-ECONOMICA DA POLITICA DO INCRA.

Autor
Gilberto Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AM)
Nome completo: Gilberto Miranda Batista
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • CONSIDERAÇÕES ACERCA DA PESQUISA REALIZADA PELO INSTITUTO 'VOX POPULI', ENCOMENDADA PELA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA, SOBRE OS PROJETOS OFICIAIS DO ASSENTAMENTO RURAL EM TODO O PAIS, COM O OBJETIVO DE CONHECER A REAL SITUAÇÃO DOS PROJETOS DE REFORMA AGRARIA IMPLEMENTADOS PELO GOVERNO ATE O PRESENTE, E PARA AVALIAR A EFETIVIDADE SOCIO-ECONOMICA DA POLITICA DO INCRA.
Publicação
Publicação no DSF de 21/11/1996 - Página 18695
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • ANALISE, PESQUISA, SITUAÇÃO, ASSENTAMENTO RURAL, REFORMA AGRARIA, OBJETIVO, AVALIAÇÃO, EFICIENCIA, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA).
  • ANALISE, RESULTADO, PESQUISA, ESPECIFICAÇÃO, ERRO, UTILIZAÇÃO, TERRAS, INFERIORIDADE, RENDA, FAMILIA, ESCOLARIZAÇÃO, SAUDE, OCORRENCIA, ABANDONO.
  • CONCLUSÃO, NECESSIDADE, UTILIZAÇÃO, TECNOLOGIA, INCENTIVO, AGROINDUSTRIA, ALTERAÇÃO, POLITICA AGRICOLA, REFORMA AGRARIA.

           O SR. GILBERTO MIRANDA (PMDB-AM) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, entre os dias quatorze de março e vinte e seis de abril deste ano, o Instituto Vox Populi realizou uma ampla pesquisa, encomendada pela Confederação Nacional da Agricultura, sobre os projetos oficiais de assentamento rural em todo o País. Ao ordenar a execução dessa investigação, tinha a CNA o objetivo de conhecer a real situação dos projetos de reforma agrária implementados pelo Governo até o presente, de modo a avaliar a efetividade socioeconômica da política do INCRA.

           Longe de ser uma iniciativa derrotista, de crítica pela crítica, de nhenhenhém vazio de sugestões construtivas -- para usar uma expressão do Presidente --, a idéia de se saber qual é a verdadeira situação dos assentamentos já realizados pelo Governo é um empreendimento patriótico que visa à busca de uma solução real e duradoura para os problemas do campo. Essa avaliação se faz necessária porque não é mais possível continuar a se falar em reforma agrária a partir de pressupostos românticos e ultrapassados. Na economia globalizada, só têm sentido progressista as políticas que possibilitem o aumento da produção e a redução dos custos, fatores que dependem de eficiência e produtividade crescentes.

           De pouco valerá assentarem-se milhares de famílias de camponeses se eles não forem capazes de empregar plenamente -- isto é, com o máximo rendimento que a técnica atual permite -- a terra que lhes for cedida. Terá sido de pouca valia a reforma, e não somente para a economia nacional -- que se verá desfalcada de uma parte de seu potencial produtivo --, mas também para as próprias famílias de agricultores, se, depois de consolidados, esses assentamentos houverem revertido a uma economia de simples subsistência.

           Os dados oficiais mostram a existência de 1018 projetos de assentamento em todo o País, dos quais cerca de oitenta por cento se distribuem pelas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste. As mesmas regiões, em conjunto, receberam cerca de noventa por cento das cento e setenta mil famílias assentadas. Dos quase nove milhões e meio de hectares distribuídos, essas regiões contribuíram com noventa e seis por cento da área, com grande destaque para a região Norte, onde se concentram sessenta por cento dessa área.

           De acordo com o planejamento do Governo, os assentamentos atravessam três fases: implantação, consolidação e emancipação, caracterizadas pela progressiva retirada da ajuda oficial. Na primeira fase encontram-se quarenta por cento dos assentamentos atuais, na segunda, cerca de quarenta e sete por cento, e treze por cento já se encontram na terceira fase. Pois bem, Senhor Presidente, para averiguar com maior exatidão o real sucesso dos assentamentos já realizados pelo programa governamental, o Instituto Vox Populi resolveu excluir do universo pesquisado os assentamentos em fase inicial, por considerá-los ainda incipientes e não-característicos do funcionamento normal de um projeto. Também foram excluídos da pesquisa os assentamentos com menos de quinze famílias, por serem muito pequenos e pouco representativos. Entre os assentamentos em fase de consolidação ou emancipação, foi escolhida uma amostra de vinte por cento dos projetos, tomando-se os devidos cuidados para se resguardar a representatividade estatística. A amostra final foi de cento e treze assentamentos, dispersos pelo País na mesma proporção do universo dos projetos.

           Essas observações são necessárias para fornecer aos Senhores Senadores a certeza da seriedade da pesquisa. São, porém, os resultados objetivos do levantamento que me interessam neste pronunciamento. Entre distorções diversas, encontradas pelos pesquisadores no que deveriam ser assentamentos de colonos agrícolas, destacam-se a ocupação das glebas por gerentes de banco, vereadores, prefeitos e comerciantes em Mato Grosso, a venda dos lotes de um assentamento próximo a Manaus para as classes abastadas daquela capital fazerem casas de fim-de-semana e, em diversas áreas, o arrendamento das terras, após a devastação da mata, a grandes fazendeiros para a criação de gado.

           Mais importante que isso, porém, foi a tibieza da resposta dos assentamentos em termos de produtividade agrícola, da qual resultaram baixos níveis de renda familiar entre os colonos. Além disso, a baixa qualidade da vida nos assentamentos chegou a chocar alguns pesquisadores, pelos índices pobres de escolarização das crianças e de saúde dos colonos em geral. O abandono dos assentamentos, por outro lado, não é acontecimento raro, como demonstrou a pesquisa, porque assentar sem ter um plano criterioso de orientação aos colonos é, na prática, condená-los ao inadimplemento, à insolvência e à perda de seus lotes.

           Todos esses problemas constatados pela pesquisa se devem ao emprego, pelos órgãos oficiais, de uma conceituação ultrapassada do que seja reforma agrária. Estamos longe dos anos cinqüenta, quando se podia pensar em distribuir a terra para que se forjasse uma camada de pequenos proprietários capazes de cultivar intensamente suas terras e produzir excedentes comercializáveis. A atividade agrícola exige hoje, num quadro de economia globalizada, uma abordagem inteiramente diferente, na qual a escala de produção, a padronização dos procedimentos e o uso de técnicas modernas tornam possível -- senão obrigatória -- a produção de safras cada vez maiores com a ocupação de cada vez menos braços. O país cuja agricultura não funcionar assim estará fora do mercado mundial e terá que importar mais e mais comida para alimentar sua população urbana, pois o campo será incapaz de colher mais que o necessário para sua própria subsistência.

           Precisamos, é verdade, ocupar e satisfazer essa mão-de-obra que hoje está por aí reivindicando terras. Será, porém, melhor para a Nação e para os próprios sem-terra se milhares de empregos forem criados no campo a partir do aporte de capital e tecnologia -- de modo a aumentar a produtividade das terras -- e do fortalecimento de uma agroindústria capaz de processar e preparar para o transporte e para o consumo essa produção crescente de alimentos. Uma política de capitalização do campo criaria também milhares de empregos no setor terciário da economia, pela dinamização que a agroindústria traria para as cidades médias do interior que se tornassem centros processadores da produção.

           O risco de continuarmos a ver as boas intenções dos reformadores desvirtuadas pela inviabilidade econômica da produção agrícola dos assentamentos não deveria mais ser corrido. O País precisa de alimentos para a população e de commodities exportáveis para equilibrar uma balança comercial cujo prato das importações tem crescido rapidamente, em conseqüência da abertura comercial. Temos, portanto, de alterar nossa política de reforma agrária para torná-la moderna e eficiente.

           Qualquer possibilidade de redenção do campo pela capitalização da agricultura, porém, continua impossibilitada por uma outra face da atual política governamental: a manutenção dos juros em níveis estratosféricos, a pretexto de segurar pressões inflacionárias causadas pela sobrevalorização do câmbio. Sem falarmos da demora do Governo em propor uma reforma sensata do sistema tributário, que simplifique cobrança e pagamento e desonere o produtor rural.

           Isso, porém, já é outra história, e parece que é melhor nos sentarmos, se quisermos realmente esperar pelas soluções.

           Muito obrigado, Senhor Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/11/1996 - Página 18695