Discurso no Senado Federal

ENCAMINHANDO A MESA PROJETO DE LEI QUE DISPÕE SOBRE O PROGRAMA EDUCACIONAL RELATIVO AO EXERCICIO DO PLANEJAMENTO FAMILIAR, COMO DIREITO DA PESSOA HUMANA.

Autor
Gilvam Borges (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: Gilvam Pinheiro Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • ENCAMINHANDO A MESA PROJETO DE LEI QUE DISPÕE SOBRE O PROGRAMA EDUCACIONAL RELATIVO AO EXERCICIO DO PLANEJAMENTO FAMILIAR, COMO DIREITO DA PESSOA HUMANA.
Aparteantes
Edison Lobão.
Publicação
Publicação no DSF de 26/02/1997 - Página 4336
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ENCAMINHAMENTO, MESA DIRETORA, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, OBRIGATORIEDADE, INSERÇÃO, CURRICULO, CURSO COLEGIAL, ENSINO FUNDAMENTAL, PLANEJAMENTO FAMILIAR.

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o que me traz à tribuna, nesta tarde de terça-feira, é um assunto da mais alta relevância e importância para o País. Na oportunidade, apresento perante a Mesa um projeto de lei, que será avaliado pelos nobres Pares, depois das devidas análises da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.

Sr. Presidente, a Igreja desencadeou uma grande campanha este ano, tratando de um assunto importante: a questão da população carcerária - a grande massa de marginalizados.

Esse assunto, realmente, nos preocupa muito.

Sr. Presidente, desde meados deste século, o incremento populacional vem-se constituindo em preocupação de ordem mundial. A humanidade levou centenas de milhares de anos para que um bilhão de habitantes povoassem o planeta no alvorecer do século XIX e corre o risco de ultrapassar sete bilhões de pessoas no ano 2000.

No Brasil, entre 1950 e 1985, foram incorporados 80 milhões de novos brasileiros à sua população, que, assim, mais do que dobrou no período. Esse crescimento populacional vertiginoso, em escala nacional e mundial, notadamente nos países do Terceiro Mundo, não se deu impunemente do ponto de vista social, sanitário e até mesmo ecológico.

Assim, discutir o problema demográfico na busca de soluções racionais é questão de interesse público, desde que respeitada a liberdade de decidir sobre esse número de filhos inerente a cada cidadão e a cada família como direito humano fundamental.

Mas ao Estado cabe, segundo o prescrito na Constituição Federal, em seu art. 226, § 7º, propiciar o acesso a recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, sem qualquer forma de coerção. Não se trata de substituir pelo planejamento familiar as medidas públicas de caráter social e econômico que visem as causas estruturais da miséria, como a Reforma Agrária, uma política nacional de pleno emprego e salários condignos. Nem se trata de permitir a paternidade das camadas mais favorecidas da população em detrimento das de menores recursos, o que seria atitude discricionária e elitista.

Não é isso! Trata-se, sim, de difundir informações de natureza científica ao alcance de todos, ensejando uma mudança cultural sobre o planejamento familiar, entendendo-se que a emancipação do homem brasileiro das injustas condições de vida atuais demandam providências que também dizem respeito à reprodução humana.

Uma política de planejamento familiar democrática e cientificamente bem orientada visa garantir maiores oportunidades a cada pessoa para realizar todo o seu potencial, bem como assegurar menor risco social, sanitário e ecológico para a comunidade.

A produção mundial de alimentos, dando razão às previsões sombrias de Malthus, não consegue acompanhar o ritmo de expansão populacional, e a sua oferta, cada vez mais escassa, exerce irresistível pressão nos preços, resultando na diminuição das disponibilidades calóricas para imensos contingentes humanos.

O esgotamento progressivo dos estoques mundiais de alimentos impede até mesmo a solidariedade entre os povos, na forma de socorro aos países mais afetados pela fome ou com as colheitas arruinadas, a exemplo do episódio recente em que a desnutrição devastou grande parte da população da Etiópia, sendo insuficiente o auxílio internacional.

Além da fome, todo um cortejo de seqüelas sociais e econômicas, conhecidas e temidas, acompanha o aumento populacional desequilibrado, em relação à produção de alimentos: escalada de violência urbana e rural, infância abandonada nas ruas, aumento da mortalidade infantil, desemprego, desabrigo, queda geral, enfim, na qualidade de vida.

Nesse sentido, em boa hora, no ano passado, foi aprovada uma proposição no Congresso - hoje a Lei 9.293/96 - regulamentando o Planejamento Familiar.

O mérito dessa exitosa iniciativa reside, sobretudo, na atribuição ao Poder Público, por intermédio do Sistema Único de Saúde, do dever de oferecer em sua rede de serviços todas as técnicas e métodos de contracepção cientificamente aceitos, acompanhados das informações sobre as suas vantagens, desvantagens e riscos.

No entanto, julgamos necessário complementar a lei vigente, dando maior eficácia ao dispositivo constitucional pertinente, conferindo ao Estado o poder-dever de colocar à disposição do cidadão todos os recursos educacionais disponíveis para o exercício livre e consciente de sua família.

A lei em vigor, se é abundante na franquia de recursos científicos para a clientela interessada e necessitada de meios contraceptivos, é lacunosa, porém, no que concerne à atividade educativa nesta matéria.

De pouco adianta dispor-se de meios anticoncepcionais adequados, se não se sabe como utilizá-los, e, a título de informação sobre o assunto, não basta o aconselhamento feito no ambiente ambulatorial e hospitalar dos serviços de saúde oficiais, acionados pela demanda espontânea dos usuários.

Apesar dessa lei e dos esforços governamentais no fornecimento de recursos anticoncepcionais adequados, sabe-se que apenas 30% da população em idade fértil tem acesso ao material contraceptivo distribuído na rede pública.

E a má utilização dos modernos instrumentos reguladores de concepção é patente: há mais de cem mil abortos clandestinos no País, e os métodos anticoncepcionais mais usados envolvem o consumo indiscriminado de pílulas e a esterilização em massa sem controle.

Só a título de exemplo, em Goiás, 72% das mulheres entre 15 e 54 anos já foram esterilizadas.

O grave é que a laqueadura tubária, no Brasil, é geralmente feita no momento da cesariana, o que aumenta em trinta e cinco vezes a mortalidade materna.

Além disso, há cerca de 800 mil abortos clandestinos no País e, de cada 100 mortes maternas, onze decorrem de seqüelas de aborto.

Assim, regular a fecundidade tem também sentido médico-sanitário inegável ao diminuir os índices de mortalidade e morbidade para a mãe e a criança, evitando-se práticas abortivas arriscadas e realizadas na maioria das vezes clandestinamente.

Diante de tudo isso, é preciso que o Estado adote uma ação educacional ativa quanto ao Planejamento Familiar, lançando mão de todos os meios possíveis para maximizar o conhecimento de um tema de interesse público estratégico.

Essa, pois, a filosofia que norteia o presente projeto, que submetemos à consideração dos eminentes Srs. Senadores.

Para pôr fim a este triste quadro sanitário, é necessário introduzir o tema do Planejamento Familiar no currículo fundamental e médio da rede pública, produzir constantes campanhas sobre o assunto nos meios de comunicação social, além de obrigar as instituições educacionais e de assistência social beneficiadas por imunidades fiscais de impostos federais a ministrar cursos regulares sobre o assunto, supervisionados por órgãos do Sistema Único de Saúde.

Achamos que a ação transformadora mais eficaz a respeito é aquela dirigida à consciência das pessoas, única forma capaz de induzir à paternidade responsável e à maternidade voluntária, possibilitando a adoção de decisões de Planejamento Familiar com conhecimento de causa e evitando-se que o descontrole populacional venha a comprometer o desenvolvimento do País.

Para tanto, contamos com a atenção e o voto favorável de meus colegas no Senado Federal para a presente iniciativa.

Sr. Presidente, é o seguinte projeto de lei que apresento:

      "Art. 1º. O planejamento familiar é um direito fundamental de todo cidadão decidir livremente quanto ao número de filhos desejados, asseguradas, para tal fim, instrução e orientação técnicas adequadas.

      Art. 2º. A principal ação do Programa de Planejamento Familiar, para os fins desta lei, é de caráter educativo, de divulgação de conhecimentos e práticas reguladoras da fecundidade, de modo consensual, sem qualquer conotação de controle demográfico ou de natalidade.

      Art. 3º. O programa educativo de planejamento familiar, cujo conteúdo será detalhado em normas regulamentares, sob responsabilidade conjunta do Ministério da Saúde e do Ministério da Educação e Cultura, será veiculado como currículo obrigatório nas escolas de ensino fundamental e de ensino médio de todo o País, como cursos regulares ministrados pelas instituições educacionais e de assistência social protegidos com imunidades de tributos da União, além de divulgado em campanhas promovidas pelos veículos de comunicação social, em nível nacional, de esclarecimento da população sobre os métodos contraceptivos disponíveis.

      Art. 4º - As instâncias gestoras do Sistema Único de Saúde em todos os seus níveis exercerão supervisão e fiscalização do cumprimento do disposto nesta lei em relação às entidades de ensino fundamental e médio, e, em relação às instituições educacionais e de assistência social sem fins lucrativos, assim, definidos no art. 150, VI, "c", da Constituição Federal.

      Parágrafo Único - As instituições educacionais e de assistência social só se beneficiarão da imunidade fiscal prevista no art. 150, VI, "c", da Constituição Federal, se satisfizerem, entre os requisitos essenciais à sua habilitação, o de oferta regular de cursos com permanente de informações sobre planejamento familiar, conforme o disposto nesta lei.

      Art. 5º. Acrescente-se o seguinte parágrafo 6º ao art. 26 da Lei nº 9.394, de 21 de dezembro de 1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

      Art. 26 - ...

      § 6º No currículo escolar, a partir da 7ª série, será incluída a disciplina do Planejamento Familiar, nos termos desta Lei e de suas normas regulamentares.

      Art. 6º - Acrescente-se o seguinte inciso IV ao art. 36 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

      Art. 36......................................

      IV - Será incluído o ensino do Planejamento Familiar como disciplina obrigatória em todas as séries, com conteúdo programático na forma e nas condições fixadas nesta Lei e em suas normas regulamentadoras.

      Art. 7º. Os programas educativos de planejamento familiar terão como diretrizes e princípios norteadores de sua elaboração, o seguinte:

      I - constarão obrigatoriamente no programa de planejamento familiar referência a todas as medidas anticoncepcionais existentes, naturais ou não, sua indicação precisa, bem como seus efeitos colaterais.

      II - Na introdução aos métodos anticoncepcionais, deverá fixar-se o conceito de anticoncepcional ideal como sendo o que reúne as seguintes qualidades:

      a - ser inócuo à saúde e ao bem-estar dos usuários;

      b - ser moralmente aceito;

      c - ser reversível;

      d - ser economicamente acessível;

      e - ser independente do ato sexual;

      f - ser cientificamente pesquisado e aprovado;

      g - ser de elevada eficácia.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, esse é um projeto da mais alta relevância.

Hoje, estamos discutindo um problema sério no País: a população carcerária. Essa grande massa de marginalizados que superlotam as cadeias são rejeitos da sociedade, são homens e mulheres, em grande maioria, produto do meio - porque o homem é produto do meio - e que talvez não tenham tido a oportunidade da boa assistência, da atenção primeira de seus pais.

Por isso, Sr. Presidente, temos que trabalhar hoje a causa e não o efeito, como uma mina d´água, os grandes bolsões onde milhares de brasileiros estão amontoados e não têm muitas perspectivas. A grande maioria já está no caminho forçado da marginalidade.

Quero fazer um apelo à Igreja, que tem hoje como tema a população carcerária. Faço um desafio, um apelo para que no próximo ano, Sr. Presidente, ela venha a questionar, a eleger um tema importante para a Campanha da Fraternidade, o problema da família, o problema da mulher. Mais de 150 mil mulheres são submetidas a situações vexatórias; milhares delas morrem como moscas, por falta de orientação, por falta de educação, por falta de opção.

Sr. Presidente, tanto o homem como a mulher precisam de, no seu nascedouro, receber as primeiras orientações, numa discussão profunda; o planejamento familiar se faz necessário neste País, porque com os conhecimento básicos e as discussões desde cedo na escola e na família, tenho certeza de que no momento de optar, de realizar o ato da fecundação, o ato sexual, homens e mulheres poderão realizá-lo de forma mais lúcida e responsável. Portanto, o planejamento familiar é fundamental, temos que discutir as causas e não os efeitos.

Chamamos a atenção para o sistema carcerário deste País, abarrotado, e não olhamos para o que está vindo, os milhares de nascimentos, os abortos clandestinos, as mulheres sufocadas pela falta de responsabilidade do Estado. É preciso, sim, conter; mas para isso é preciso oferecer opção. Só haverá possibilidade de mudança nesta sociedade quando o País atentar para o investimento maciço na educação. Saber é poder, e se todos tivermos o poder do saber, a conscientização, desde cedo, com certeza absoluta nós teremos condições de fazer melhor.

Apresento um projeto hoje à Mesa, um projeto da mais alta importância para este País. Os brasileiros encarcerados já nascem num processo de marginalização, por não terem condições de assistência dentro da família e por não receberem a educação apropriada. Eles não têm outro caminho, Sr. Presidente.

Eu gostaria de chamar a atenção deste Plenário para o projeto que apresento, que é importante. E faço um apelo à Igreja, àquele segmento avançado, àqueles que questionam e que pensam, para que tenham como tema, no próximo ano, a família, o planejamento familiar, o problema da mulher. São milhares de abortos realizados neste País e milhares de mulheres morrem como moscas.

É preciso termos uma educação que nos permita minimizar, abrandar esse problema - acabar, talvez, nunca.

O Sr. Edison Lobão - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. GILVAM BORGES - Pois não. Concedo o aparte a V. Exª, nobre Senador.

O Sr. Edison Lobão - Nobre Senador, louvo a iniciativa de V. Exª. Na verdade, as nações desenvolvidas do mundo inteiro já praticam o planejamento familiar. Essa é uma solução quase natural nos países desenvolvidos. O contrário disso significa exatamente aquilo que V. Exª acaba de relatar com extrema clareza. As dificuldades que temos hoje, no Brasil, decorrem, em grande parte, exatamente da falta de um adequado planejamento familiar. V. Exª tem, portanto, a minha solidariedade por essa feliz iniciativa que está tendo neste momento.

O SR. GILVAM BORGES - Agradeço o aparte de V. Exª.

Sr. Presidente, para encerrar, faço um apelo à Nação, da tribuna desta Casa; faço um apelo às autoridades religiosas, que têm dado a sua contribuição; faço um apelo, principalmente, à Igreja Católica, que todo ano desenvolve campanhas para determinados tipos de problemas que afligem a sociedade. O meu apelo é no sentido de que tenha a mulher e a família como tema da próxima Campanha da Fraternidade.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/02/1997 - Página 4336