Discurso no Senado Federal

TRANSCURSO DO 'DIA INTERNACIONAL DA MULHER', NO PROXIMO DIA 8.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • TRANSCURSO DO 'DIA INTERNACIONAL DA MULHER', NO PROXIMO DIA 8.
Publicação
Publicação no DSF de 06/03/1997 - Página 5018
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, MULHER, OPORTUNIDADE, ANALISE, LUTA, IGUALDADE, DIREITOS.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, lamento profundamente que hoje tenhamos que trabalhar contra o tempo.

Tentei, na sessão de homenagem às mulheres, fazer um pronunciamento que, por questão de tempo, foi breve. Como estava inscrita, fiquei mais tranqüila, pois teria um tempo maior. Contudo, não o terei, porque hoje, usando dispositivo regimental, lamentavelmente, levamos mais de uma hora com comunicações inadiáveis. Lamento profundamente não poder fazer o pronunciamento que desejaria, uma vez que hoje é o grande dia.

Assim mesmo, tecerei algumas considerações e peço que o meu pronunciamento seja registrado em sua íntegra.

É de forte simbolismo o fato de o Dia Internacional da Mulher - dia 8 de março - representar um episódio de triste memória, que assinala, emblematicamente, a situação da mulher no mundo. Como todos sabemos, mas nunca é excessivo lembrar, no trágico 08 de março de 1857, 129 operárias têxteis na cidade de Nova York, que estavam em greve por melhores condições de trabalho, foram queimadas quando ocupavam uma fábrica.

Já se passaram, Srªs e Srs. Senadores, cento e quarenta anos da ocorrência desse fato, mas, apesar de sua estética medieval, não assinala, propriamente, o início da luta da mulher, cuja origem é de tempo mais remoto.

Nas culturas mais primitivas, chamadas "de coleta", as condições ambientais eram tão favoráveis que as populações podiam viver daquilo que a natureza oferecia. Os fenômenos da guerra e da caça eram muito raros ou até inexistentes. Homens e mulheres viviam em sociedades não competitivas, embora houvesse uma divisão sexual de trabalho. Havia uma espécie de igualdade entre mulher e homem. As mulheres eram consideradas seres mais próximos do sagrado por gerarem e manterem a vida biológica e, portanto, possuíam alguns privilégios.

Mais tarde - por volta de 10.000 a 8.000 anos a.C. -, quando se descobrem as técnicas de arar a terra, instalam-se as sociedades agrárias e com elas a História como a conhecemos, e a situação da mulher passa por uma transformação radical. Até a instalação dessas sociedades, o princípio masculino e feminino juntos governavam o mundo.

Agora, já não é mais assim. Devido à necessidade de fixar-se à terra e dividi-la entre os clãs para cultivá-la, a mulher passa a reduzir-se apenas à esfera do privado. A ela passa a competir somente a geração e a criação dos filhos, enquanto ao homem compete o trabalho de arar a terra e defendê-la contra os possíveis competidores. Já não é mais o princípio feminino junto com o masculino que dominam o mundo e, sim, a lei do mais forte. Daí em diante, o mundo passa a ser feito pelo homem e para o homem.

Assim, calçados no econômico e no ideológico, os homens impõem uma lei de ferro à mulher. Ela tem que sair das mãos do pai para as do marido. O adultério feminino é punido com a morte, ao passo que os homens, senhores do desejo, criam o mundo para si, em que a figura da mulher é dividida: de um lado a mãe pura, intocável e privada e, do outro, a prostituta, mulher pública e usada por todos.

Enquanto as condições tecnológicas o permitem, essa situação permanece inalterada. Mas, no século XVIII, com a invenção do tear mecânico e todas as tecnologias correlatas, instaura-se o modo de produção capitalista, com a conseqüente industrialização.

Aqui, a situação da mulher sofre outra transformação.*

Sr. Presidente, eu ficaria aqui por um bom tempo falando a respeito dessa análise que fiz para fugir um pouco do discurso tradicional que fazemos relatando as nossas lutas e as nossas vitórias. Quero, no entanto, pedir que esse meu pronunciamento seja registrado na íntegra.

Antes, gostaria de aqui recitar alguns versos de Adélia Prado, feminista comprometida e reconhecida:

      "Quando nasci um anjo esbelto,

      desses que tocam trombeta, anunciou:

      vai carregar bandeira.

      ...cumpro a sina. Inauguro linhagens, fundo reinos...

      Mulher é desdobrável. Eu sou."

O Dia Internacional da Mulher, 8 de março, tem sua origem na resistência das mulheres trabalhadoras em defesa dos seus direitos.

Em 1997, em pleno limiar do ano 2000, desejo manifestar minha firme convicção de que, a partir das vitórias que alcançadas ao longo desses anos, com o reconhecimento da mulher como cidadã e, acima de tudo, a partir da nossa própria luta, iremos, num futuro bem próximo, acabar com toda forma de discriminação.

O movimento de mulheres brasileiras, presente no Congresso nacional pela atuação da Bancada Feminina, é o início de uma possibilidade luminosa: de um regime social e político cuja base de relações não seja o sistema de poder opressor que aí está.

Vamos despertar, em corações e mentes, no limiar de uma nova era, um sentimento de solidariedade e participação comunitária.

Que na elaboração das nossas leis, no trabalho, no lar, na educação, na criação de princípios, pela força de nossa luta, tenhamos a capacidade sempre renovada de enfrentar e transpor quaisquer desafios.

As leis já existem. Até certo ponto, realizaram a igualdade. Não obstante, é preciso fazer valer estas leis, principalmente a Constituição, que acaba com a possibilidade da desigualdade. Permaneceremos lutando sempre por essa igualdade de fato, para que ela sirva como estrutura de uma identidade nacional, onde nossa diferença de sexo torne-se apenas uma questão biológica, com respeito à individualidade.

Queremos existir inteiras, fortes, audazes, atrevidas, competentes, capazes, atuantes, sem ocupar o lugar de ninguém, mas ocupando o nosso próprio espaço. Queremos andar de cabeça erguida, participando das decisões políticas e sociais. Queremos ser livres e lutar para tornar esse mundo um lugar melhor de viver. Livres para conhecer, para trabalhar, para amar. Um dia começaremos a ser verdadeiramente iguais, tornando a fraternidade um sonho possível.

Muito obrigada, Sr. Presidente.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/03/1997 - Página 5018