Discurso no Senado Federal

DIVIDA PUBLICA INTERNA.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • DIVIDA PUBLICA INTERNA.
Aparteantes
Humberto Lucena, Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 19/03/1997 - Página 6012
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • DEFESA, ADOÇÃO, GOVERNO FEDERAL, POLITICA, CONTENÇÃO, AUMENTO, DIVIDA PUBLICA, DIVIDA MOBILIARIA, DIVIDA INTERNA, SIMULTANEIDADE, MANUTENÇÃO, INDICE, TAXAS, JUROS, AMEAÇA, ECONOMIA, PAIS.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, se há algo que não se estabilizou com o plano de estabilização da economia nacional foi justamente a dívida pública interna. Ao contrário - seu crescimento foi exponencial.

Os últimos dados referentes à contabilização da dívida mobiliária do Governo Federal são impressionantes.

No ano passado, os resultados apurados pelo Banco Central nos mostram que o valor dessa dívida saltou de R$108 bilhões para R$176 bilhões. Temos, assim, um crescimento de mais de 62%, enquanto a inflação no mesmo período, ficou em torno de 10%. Ou seja, mais de 62% foi o crescimento da dívida interna contra 10% da inflação .

Em relação ao Produto Interno Bruto, ela passou de 15,6% para 22,7%, cifra superior, portanto, a um quinto de tudo o que o País produz. Desde o início do Plano Real, há dois anos e meio, a dívida em títulos federais praticamente triplicou.

O endividamento do setor público, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não se restringe à dívida mobiliária federal. Não podemos esquecer a famigerada dívida externa da União, nem tampouco o sério endividamento dos Estados e Municípios.

Essas diferentes dívidas relacionam-se umas às outras, alimentando-se mutuamente. A tendência atual da política econômica tem sido a de aumentar preferencialmente a dívida pública interna, sobre a qual incidem as maiores taxas de juros.

As principais causas apontadas para o crescimento assustador da dívida mobiliária federal, de 1996, foram o socorro ao sistema financeiro, o significativo ingresso de dólares no País e a política monetária restritiva, consubstanciada nas elevadas taxas de juro.

Sem dúvida, pode-se e deve-se questionar a necessidade de empréstimo de grandes somas de dinheiro aos bancos em dificuldades financeiras, bem como a política cambial geradora de déficits, que obriga o Governo a tomar dinheiro no exterior.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo - Fazendo soar a campainha.) - Apesar de compreender o entusiasmo de todos os Srs. Senadores, tenho o dever de informar que existe um orador na tribuna.

O SR. NEY SUASSUNA - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Em ambos os casos, aumenta-se o dinheiro em circulação no mercado, o qual é enxugado com a venda de títulos públicos, a fim de se evitarem os efeitos inflacionários. Sobre a dívida representada por esses títulos passam, assim, a incidir as taxas de juro de mercado interno, talvez as mais altas do planeta.

De qualquer modo, o crescimento da dívida correspondente aos juros é mais inaceitável, pois o que aí ocorre é a simples e brutal corrosão do patrimônio público.

De janeiro a novembro, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, do ano passado, os juros causaram um aumento de R$40,8 bilhões - vejam bem, Srs. Senadores, R$40,8 bilhões - na dívida do setor público. Mesmo descontada a inflação, temos um crescimento de R$27 bilhões, sendo mais da metade relativa ao Governo Federal.

O déficit operacional do setor público brasileiro continua muito alto, um dos maiores da América Latina, alcançando 3,9% do PIB de janeiro a novembro de 1996. Verificamos, entretanto, que, se forem descontados os juros da dívida, as contas de receita e despesa do setor público, abrangendo as da União e as das estatais (superavitárias) e as dos Estados e Municípios (deficitárias), ficam praticamente empatadas.

Desse modo, Sr. Presidente, os esforços até agora empreendidos para tornar mais econômica e eficiente a administração pública têm se mostrado quase irrelevantes diante do sorvedouro dos juros.

Estará o Governo Federal avaliando devidamente a gravidade do problema da dívida pública interna? Os mais diversos analistas econômicos de fora do Governo, quaisquer que sejam suas posições teóricas, têm alertado para os riscos inerentes a uma dívida pública que cresce desmesuradamente.

Nesse caso, não há qualquer discordância entre o que pensam os economistas e o senso comum, que desconfia da felicidade das pessoas que se endividam sem pensar nas conseqüências futuras.

Artigo do jornal O Globo afirma que, apesar de o Governo procurar não aparentar preocupação, "os resultados que vêm sendo divulgados sobre o fechamento das contas de 96 mostram que houve um certo descontrole na administração da economia". Continuando a dívida a subir dessa maneira, a credibilidade do Governo ficaria abalada junto aos emprestadores, dificultando a captação de recursos tanto no mercado interno como no externo.

Por outro lado, como justificar perante a opinião pública o programa de privatização, se o dinheiro obtido com a venda da portentosa Vale do Rio Doce se dissolveria no pagamento de três a quatro meses de juros?

Endividar-se é sempre a solução mais simples para quem quer adiar o enfrentamento dos problemas. E o Brasil, lamentavelmente, tem feito isso.

O escândalo atualmente apurado na CPI dos Títulos Públicos mostra como é fácil produzir dívida para Estados e Municípios, e quanto é precário o controle da boa aplicação dos recursos obtidos.

Mesmo se deixarmos de lado os casos mais escabrosos de desvio de dinheiro público, a prática do endividamento desmedido representa uma grave ameaça para a viabilidade do Estado brasileiro e para a saúde da economia.

Para se ter uma idéia, Srs. Senadores, só a conta turismo, no ano passado, representou R$4,3 milhões, ou seja, os turistas que vêm ao Brasil em oposição aos turistas que daqui saem. Nosso País desembolsou uma quantia suficiente para fazer toda a captação e transposição das águas do São Francisco. Para atender a uma população de seis milhões, precisaríamos da metade desse dinheiro. Da mesma forma, esse valor serviria para consertar todo o sistema de nossas estradas rodoviárias. Percebe-se que há uma quantia elevada nessa conta turismo. No entanto, continuamos agindo sem qualquer preocupação, assim como uma família que ganha pouco, mas compra passagens para passear no exterior, empenhando-se em levar divisas para fora, com o intuito de gozar as férias na Disney World e comprar muitos produtos modernos, importados, em países de Primeiro Mundo. É assim que está sendo o comportamento do Brasil, e é preciso que mudemos isso. Temos problemas sérios que precisam ser enfrentados. Não adianta empurrar com a barriga e tentar apenas fazer o endividamento, porque um dia será necessário pagar-se essa conta, e a conta já está impagável. Com a alta de juros e o crescimento da dívida, como estavam ambos previstos na cartilha do Plano Real, o Governo Federal vem mostrando demasiada complacência com a situação, correndo o risco de perder o controle sobre ela.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os alarmantes resultados das contas públicas mostram que a diminuição das taxas de juro a partir do ano passado não foi suficiente para alcançarmos o equilíbrio da dívida. Mas, decerto, foi iniciado um importante processo que deve prosseguir e ser ampliado.

A superação definitiva dessa situação, desobrigando o Governo de apelar para estratagemas financeiros que resolvem alguns problemas e criam outros igualmente perniciosos, está na realização de certas reformas estruturais, condição sine qua non para atingirmos o almejado equilíbrio fiscal.

Esperamos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que o Governo Federal supere o desinteresse que já há algum tempo vem mostrando em relação às reformas que tornarão o Estado brasileiro menos dispendioso e mais eficiente. Desse modo, estaremos efetivamente construindo um desenvolvimento econômico em bases sólidas, e não em pés de barro.

Sobre esse assunto, apresentamos nesta Casa um projeto muito importante que regula todo o endividamento interno e o externo do Governo Federal, dos Estados e dos Municípios.

O Sr. Humberto Lucena - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA - Com satisfação, Senador Humberto Lucena.

O Sr. Humberto Lucena - Estou ouvindo atentamente o pronunciamento de V. Exª e quero lembrar que, conforme V. Exª sabe, apresentei o requerimento que foi aprovado e deu lugar a uma Comissão especial temporária do Senado, a qual tenho a honra de presidir, tendo como Relator o Senador Vilson Kleinübing. Esta Comissão visa justamente analisar em profundidade o endividamento interno do setor público brasileiro e procurar meios e modos para solucioná-lo. Penso que o endividamento é alto. V. Exª referiu-se não só à União como também aos Estados e Municípios, mas, por mais que se fale na dívida dos Estados e Municípios, sabem V. Exªs que a mais grave é a dívida pública interna da União, que é rolada diariamente, os títulos são emitidos, jogados no mercado financeiro a taxas altíssimas. Aí está o nó górdio da questão, isto é, onde reside, como sabe V. Exª, estudioso que é da economia e das finanças do País, a causa principal da ascensão da taxa de juros no País. Enquanto não se resolver o problema da dívida pública interna, sobretudo da União, não se terá resolvido o problema da economia brasileira, e sobretudo da inflação, que baixou. Mas o crescimento da dívida pública interna poderá fazer com que ela retorne, para insatisfação geral de todos nós, principalmente das populações mais pobres, que estão ganhando com a baixa inflação do real, que aí está.

O SR. NEY SUASSUNA - Muito obrigado, Exª. Realmente foi uma ação precisa a de V. Exª, quando solicitou a criação dessa Comissão. Eu inclusive tenho a honra também de fazer parte da Comissão, que está sendo muito bem presidida por V. Exª.

É uma situação muito difícil. Em discussão com um economista há pouco dias, verificávamos que, com essa taxa de juros, cada vez nos encalacramos mais. Estão vindo muitos dólares do Exterior. Amanhã mesmo bancos estarão trazendo fundos de investimento para comprarem mais títulos brasileiros. É realmente um bom negócio hoje investir no Brasil; por quanto tempo não sei, mas é um bom negócio, principalmente para o capital estrangeiro. No entanto, podíamos estar com 5% a menos, Senador Humberto Lucena. Sabe por quê? Porque o custo Brasil hoje, tranqüilamente, cobra a mais 5% do preço no componente desses juros. Se fizéssemos as reformas que precisam ser feitas, poderíamos ter uma baixa de juros pelo menos da ordem de 5%. Por que não o fazemos? Não fazemos porque estamos num ciclo vicioso. O Governo precisa captar dinheiro; para captar dinheiro, emite cada vez mais títulos. E o que é o pior: todos com posição zerada, ou seja, "eu lhe vendo, mas garanto a recompra no dia que o senhor quiser me vender de volta". Isso é a mesma coisa de emitir dinheiro. Estamos emitindo dinheiro. A guitarra não está funcionando para imprimir real, mas está vendendo títulos, que, com posição zerada, são a mesma coisa de dinheiro, e esta Casa não tem feito o controle que tem obrigação de fazer. Há o controle para Estados e Municípios, mas, para o Governo Federal, não há absolutamente qualquer controle.

Precisamos, pois, deixar de lado as questões teóricas e prestar atenção ao filão econômico-financeiro, porque este derrotará um país que tem tudo para dar certo. É preciso que tenhamos cuidado e que façamos a regulamentação dessa legislação obsoleta e ultrapassada, para que evitemos fatos como esse caso dos precatórios que, por sinal, não é o único. O Presidente do Banco Vetor disse aqui, em alto e bom som, que o privilégio não é só dos precatórios. Todos os títulos que têm defasagem estão sofrendo e vivendo a mesma roda de felicidade. São bilhões e bilhões de reais com os quais estamos jogando.

O Sr. Humberto Lucena - Senador Ney Suassuna, se está havendo irregularidades e se é gravíssima a intermediação na venda dos títulos dos Estados e Municípios, avalie V. Exª o que não estará acontecendo também na intermediação da venda dos títulos da União. Ninguém sabe.

O SR. NEY SUASSUNA - E quanto a debêntures, Senador, e a vários outros títulos? Para todos os títulos que têm deságio, o processo é o mesmo. Então, trata-se de uma situação complicada, temerosa, e é preciso que a olhem, mas olhem de lupa. Por isso, elaboramos este PLS nº 29 na tentativa de se criar condições para regulamentar as futuras levas de títulos que todos os dirigentes devem estar pensando em emitir.

O Sr. Lauro Campos -  V. Exª me concede um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. Lauro Campos - Senador Ney Suassuna, quero congratular-me com V. Exª por tratar de um assunto que considero crucial. Parece-me - há apenas 27 anos, pois antes disso não tinha essa concepção - que a dívida pública é a forma pela qual, desde a década de 30, esconde-se, mascara-se a inflação. Os Governos que têm de incorrer em déficits orçamentários, que têm um serviço muito grande da dívida para pagar e têm que recorrer a novas emissões, depois de pagarem às empreiteiras, aos fornecedores e aos banqueiros, têm que retirar uma parte dessa pletora de dinheiro que o Executivo lança em circulação. Portanto, ao retirar, ao enxugar uma parte desse dinheiro, a dívida pública sobe para que a taxa de inflação não o faça ou faça menos. De modo que, por exemplo, em 1945, a dívida pública norte-americana era de 120% do PIB norte-americano. Ela tinha crescido a esse nível para evitar que as despesas do Governo Roosevelt, as despesas de guerra, as despesas de recuperação da crise nos anos 30 provocassem um surto inflacionário insuportável. Portanto, no Brasil repete-se o mesmo problema: a dívida pública cresce no lugar da inflação. E nós, que estamos gozando hoje dessa sociedade estável, sem inflação, vamos pagar o preço dessa calmaria no dia em que tivermos de pagar a imensa dívida pública que cresce até 11% ao mês. V. Exª, com sua sensibilidade, soube detectar a importância dessa situação, a qual pretendemos tratar de maneira adequada. Muito obrigado.

O SR. NEY SUASSUNA - Muito obrigado, Senador Lauro Campos. Soluções existem, por exemplo, como a securitização. Deixem o mercado dar preço a todos esses títulos. Há títulos que não valerão nada, mas o problema será resolvido. Infelizmente, criamos uma grande redoma e fazemos de conta que colocamos todo esse lixo dentro dela. E quando vamos tirá-lo de lá? No dia em que a abrirmos, não será uma redoma, será uma caixa de Pandora de onde sairão muitos problemas.

Este é o alerta, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que venho fazer no dia de hoje. É preciso que o Governo Federal e os que hoje ditam as normas econômicas do País prestem atenção a esse crescimento incomensurável da dívida interna. É preciso ultrapassar os obstáculos que estão levando essa dívida a esse crescimento, mas sem deixar de olhar, pelo canto do olho, para a dívida externa, praticamente resolvida, mas que está crescendo também. Além do mais, é preciso que também olhemos para nossa balança de pagamentos, que de três saltou para seis e vai chegar a nove senão 10 neste ano. E há uma verdadeira despreocupação com relação a isso, como acabei de dizer. Só a conta turismo está causando um déficit de R$4,3 bilhões ao Brasil. É preocupante! É como se uma família estivesse, sem se preocupar com o futuro, tomando dinheiro emprestado de várias fontes sem ter inclusive patrimônio líquido para fazer frente na hora do pagamento. Não sei o que estamos fazendo. Mas sei que, se não forem tomadas medidas para sanar o problema, o futuro será muito mais duro do que se imagina.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/03/1997 - Página 6012