Discurso no Senado Federal

DIVERGINDO DO PRONUNCIAMENTO DO SENADOR JOSE ROBERTO ARRUDA.

Autor
Gilvam Borges (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: Gilvam Pinheiro Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA. EDUCAÇÃO.:
  • DIVERGINDO DO PRONUNCIAMENTO DO SENADOR JOSE ROBERTO ARRUDA.
Aparteantes
José Roberto Arruda.
Publicação
Publicação no DSF de 01/04/1997 - Página 6775
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, MA-FE, POLITICA, PROGRAMA, RENDA MINIMA, DEFESA, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, VALORIZAÇÃO, ENSINO, PROFESSOR.
  • ACUSAÇÃO, UTILIZAÇÃO, BENEFICIO, RENDA MINIMA, OBJETIVO, PROPAGANDA, NATUREZA POLITICA, ESPECIFICAÇÃO, CRISTOVAM BUARQUE, GOVERNADOR, DISTRITO FEDERAL (DF).
  • DEFESA, CRIAÇÃO, DISCIPLINA ESCOLAR, PRIMEIRO GRAU, ESCLARECIMENTOS, ADOLESCENTE, CONCEPÇÃO, PLANEJAMENTO FAMILIAR.

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com todo respeito que temos pela atuação parlamentar do nobre Senador José Roberto Arruda, o qual mantém posicionamentos que merecem todo o nosso louvor e aplausos, eu gostaria de fazer algumas observações, não para contraditar, mas para divergir em alguns aspectos dessa tão falada e decantada bolsa-escola.

Sr. Presidente, bolsa-escola, renda mínima são interesses de um sistema terrível que tenta a escravidão e a manutenção por intermédio de uma política paternalista, clientelista e, de uma certa forma, sem perspectivas.

Imagine o exemplo da Capital Federal. O Governador implementou essas idéias concedendo uma parcela mínima de benefícios à população carente - a tal bolsa-escola.

Sr. Presidente, enquanto não utilizarmos o discurso real que este País tanto necessita, teremos, sem sombra de dúvida, problemas seriíssimos, gravíssimos, como o da prostituição e o dos menores abandonados. E aí dizemos: uma bolsinha-escola. Por que não falamos da bolsa ao professor? Enquanto tivermos uma péssima qualidade de ensino, uma péssima qualidade de oportunidades que são dadas aos cidadãos dentro das escolas - porque a primeira escola é a família, Sr. Presidente -, não conseguirei compreender.

Fala-se na prostituição. De onde essas pessoas vêm? Será que a solução não estaria na escola, Sr. Presidente, pagando salários justos aos professores, adotando uma disciplina com um programa sério, integrado, para, no Primeiro Grau ainda, na 7ª série, termos condições de começar a trabalhar a orientação da mulher e do homem, os futuros cidadãos, na responsabilidade da concepção? E não vejo ninguém discutindo por esse lado. "Não, dá um litro de leite". "Dá uma bolsinha-escola".

Vejo isso como demagogia, Sr. Presidente. Vejo isso como armas e instrumentos para se fazer política, para se passar por bom moço. "Não, para resolver os problemas sociais, vamos implementar esses programas". Não vamos eliminar miséria alguma, mas vamos estar mantendo a miséria. Vejo as placas escritas: "Não dê esmola, dê cidadania". Quando o Estado brasileiro der condições e instrumentalizar os seus cidadãos, por intermédio do conhecimento, para que esses tenham responsabilidade na hora da procriação, na hora do amor, teremos como discipliná-los. Hoje, não temos como cobrar, como chamar um homem e uma mulher que colocaram duas, três, quarenta, cinqüenta crianças no mundo, irresponsavelmente ou por falta de esclarecimento, para dizer que eles serão os primeiros responsáveis. Não temos como cobrar. Temos, primeiro, que lhes dar condições e instrumentos de conhecimento, para que eles tenham dignidade, para crescer e avançar.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, considero "bolsinha-escola" uma demagogia. Renda mínima é manter os miseráveis. Vamos reformular este País a partir do investimento maciço na educação. Assim, poderemos levantar e preparar o cidadão, instrumentalizando-o com responsabilidade. Bolsinha-escola - perdoe-me o Governador do Distrito Federal e alguns que estão encampando essa idéia - é a demagogia em vida.

Sr. Presidente, as mulheres não têm a mínima condição de obter informações; morrem como moscas. É o problema da concepção, da geração, de onde viemos, de como estamos vindo. Dessa forma, colocamos a corrente, jogamos para baixo do tapete um problema gravíssimo, seriíssimo e não damos alternativas.

Este é o País da demagogia. Temos de começar pela reformulação da educação, do comportamento, pela informação dos métodos que temos disponíveis, para que essas pessoas venham fortes.

Fala-se, então, na prostituição, nos menores abandonados, de rua, na questão da mulher - somos também responsáveis, porque fazemos parte do processo -, que é a geradora, que precisa de instrumentos, de informações; fala-se em como tudo isso se dá. Não há planejamento na origem; o problema é educacional, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.

O Sr. José Roberto Arruda - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. GILVAM BORGES - Ouço V. Exª, Senador José Roberto Arruda.

O Sr. José Roberto Arruda - Senador Gilvam Borges, recolho as palavras de V. Exª, sublinhadas por uma adjetivação forte como resultado da indignação, que sei que V. Exª tem, com este perfil da sociedade brasileira, que é realmente injusto. Durante muitos anos, ouvimos economistas famosos, do mundo inteiro - no Brasil não era diferente -, dizerem que primeiro era preciso crescer o bolo, para depois reparti-lo. Ora, isso é muito bom de ser falado dentro das cátedras, nas universidades, onde as pessoas almoçam bem, jantam, tomam café da manhã, e, depois, dizer: "a economia vai crescer, o país vai ter uma reforma do seu modelo de Estado, o capital privado vai investir nos setores produtivos, isso vai gerar riquezas, e o crescimento, que gera novos postos de emprego, ao longo dos anos, muda o perfil injusto da sociedade". Isso é verdade. E todos nós esperamos que isso efetivamente aconteça. Aliás, estamos todos, aqui no Congresso Nacional, exatamente discutindo e votando reformas constitucionais com o objetivo básico de afastar o aparelho do Estado da economia produtiva, para trazer o capital privado para esses investimentos produtivos para que se possa gerar mais empregos, para que o País volte a crescer sem voltar a inflação. Isso tudo é ótimo. Mas a grande realidade é que, para a família mais pobre, a família mais humilde, que hoje não tomou café da manhã, que não almoçou e que os filhos, neste exato momento, enquanto estamos no Senado Federal, tiveram que sair às ruas para pedir esmolas, ou as filhas vão sair à noite para a prostituição, ou os meninos de rua que vão para a criminalidade, é muito pouco dizer que daqui a alguns anos essa sociedade será mais justa. Compreendo também a crítica que V. Exª faz a programas paternalistas e assistencialistas. Entendo que o País tem que fugir disso e tem que aprender com essas experiências. Confesso inclusive, e talvez V. Exª não tenha ouvido essa parte do meu pronunciamento, que, quando falei das bolsas-escola de Ribeirão Preto, Campinas e Brasília, considero que elas têm um problema grave, pois motivam a migração dos grandes centros para cá. Imagine V. Exª uma família humilde do interior do Ceará, por exemplo, onde não há escolas, não há empregos, que fica sabendo que em Ribeirão Preto, Campinas e Brasília, além de escola garantida para os filhos, ela pode receber uma bolsa-escola complementar a sua renda. Claro que isso geraria migração. Mas o projeto aprovado na Câmara dos Deputados e que está sendo discutido no Senado - onde o Senador Lúcio Alcântara é o Relator - inverte isso. Ele possibilita uma parceria entre a União e os Municípios de forma a fugir do paternalismo e do assistencialismo barato, que este País não aguenta ver mais, e propõe uma medida mais responsável em escala muito mais reduzida. Esse projeto atinge apenas e tão-somente aquelas famílias que, além de estarem abaixo da linha mínima da miséria, ou seja, sem condições de sustentar sua família, tenham filhos em idade escolar, de 7 a 14 anos, matriculados na rede pública, com assiduidade mínima de 90%. Se tudo isso for satisfeito, essa família terá, por um período determinado, uma complementação de meio salário mínimo por criança. Qual a vantagem disso, Sr. Senador? Essas famílias sairiam da miséria absoluta, pois teriam, pelo menos, comida para que as crianças pudessem obter um mínimo de aprendizado. Mais do que isso: como essa bolsa-escola seria oferecida no interior do País, onde grassa a miséria e a fome, onde as desigualdades são mais gritantes, evitar-se-ia a migração para as periferias das grandes cidades na busca de uma vida melhor. Claro que esse tipo de programa teria de substituir todos os outros, inclusive o que está sendo feito, com algum sucesso, nas carvoarias de Mato Grosso e o que está sendo feito com os meninos da área de corte de cana no Nordeste. São experiências bem-sucedidas, que estão fazendo com que crianças, antes no trabalho forçado ou, na periferia das grandes cidades, na prostituição e na criminalidade, possam ser inseridas no trabalho produtivo. Mas o mais importante desse projeto é exatamente suscitar esta questão. Essa pode não ser a fórmula ideal; vamos, portanto, buscá-la para que nossos irmãos brasileiros não fiquem sem almoço, como estão hoje. Há, no entanto, que se fazer um registro: com o Plano Real houve uma transferência de renda importante. Antes, as estatísticas apontavam 32 milhões de brasileiros abaixo da linha da miséria; hoje, já apontam 16 milhões. Ou seja, uma gama extensa de famílias carentes está podendo comprar pelo menos a cesta básica depois da estabilidade econômica e do fim da inflação galopante. Mas ainda há 16 milhões de brasileiros sem comida em suas casas, sem emprego ou sem escola. Acho que esse problema merece ser discutido.

O SR. GILVAM BORGES - Agradeço o aparte de V. Exª. Realmente, Senador José Roberto Arruda, são iniciativas políticas que tentam amenizar o problema, com vistas a dar respostas à sociedade. É verdade. Nós, homens públicos, temos a responsabilidade de dar respostas à sociedade.

"O príncipe da demagogia", "o rei da bolsa-escola" é o Governador Cristovam, que se aproveitou dessa idéia nascida aqui.

No entanto, gostaria de chamar a atenção para que não se iludam aqueles que tentam a migração e que não tentem mudar para outro Estado brasileiro para ter direito à bolsa-escola. Isso é uma mentira! A bolsa-escola é concedida a um percentual baixíssimo da população, com vistas à propaganda na mídia.

Nobre Senador, devemos discutir as causas, não os efeitos. É inútil discutir os efeitos, ou seja, a prostituição, o menor abandonado, o desemprego. Não estamos trabalhando a teoria econômica que diz que temos que esperar o crescimento do bolo para poder dividi-lo.

Acredito em um instrumento de mudança, de revolução neste País. Acredito em um instrumento que permita fazer a revolução tão necessária, tão desejada desde Karl Marx, de Engels, desde 1917, desde a utopia de que o socialismo e o comunismo seriam o Éden. Acredito na revolução pela educação, pela instrumentalização do homem, em que este, como instrumento, transforme a sociedade. Assim, um excelente pai de família ou uma excelente mãe de família, um excelente profissional poderá dar condições dignas de vida para seus filhos.

Mas não me venham com a demagogia de bolsa-escola! Não me venham com o exemplo do "príncipe da bolsa-escola", o Sr. Cristovam Buarque, cujo objetivo é só marketing.

Dêem uma volta pela periferia. Dêem uma voltinha pelas cidades-satélites. Gosto de andar em feiras. Ando nessas feiras todas: São Sebastião, Guará e outras. Adoro ir á feira, justamente para conversar com as pessoas simples e sentir as suas dificuldades.

Eles dizem que não existe nada disso, que a bolsa-escola atende a uma clientela bem pequena e que é um engodo do Governo.

Não venham, portanto, me dizer que o Programa Bolsa-Escola e essas iniciativas no campo vão resolver os graves problemas sociais que vive o Brasil. Não! É preciso, primeiro, implantar o Programa Bolsa-Professor. É preciso começar por qualificar o professor. É preciso começar por oferecer, já a partir da 7ª série, no banco da escola, na adolescência, para o homem e para a mulher, os primeiros esclarecimentos. É preciso, desde cedo, esclarecer os cidadãos que ter filhos é uma opção; instruí-los nos diversos métodos anticoncepcionais; levá-los a refletir no que significa trazer um ser ao mundo. É como olho d´água; quando vem, vem aos montes. Atende-se a mil em um plano de marketing, enquanto milhões ficam "com água na boca".

E ainda tem gente que diz que este é o "País das Maravilhas". Sim! Tem gente que, pela ignorância, faz a seguinte opção: vou me danar a ter filhos, porque vou receber bolsa-escola. Pode haver cidadãos sem esclarecimentos que contem com a bolsa-escola. A demagogia de querer trabalhar efeitos ao invés das causas com o Programa de Renda Mínima, por exemplo, isso é história, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.

Apresentei um projeto nesta Casa, um projeto sério, que propõe que, desde a 7ª série, se comece o processo de educação, de esclarecimento da população, para que informação dê às pessoas o direito ao planejamento familiar, dê às mulheres e aos homens a oportunidade de começar, desde cedo, a refletir sobre a opção de procriar. Senão, vamos estar com as ruas cheias.

Portanto, fazer demagogia, oferecer paliativos, trabalhar efeitos não resolve. A única solução, de médio prazo e de longo prazo, é educar a população, planejar um trabalho de mudança de mentalidade dos cidadãos. Cidadãos esclarecidos, com certeza, terão maior responsabilidade no momento de decidir procriar. E essa é uma decisão muito séria.

Deixo aqui registrado para que ouça o "príncipe da bolsa-escola", o Governador Cristovam Buarque, do PT, que a bolsa-escola que ele criou é apenas um paliativo, é uma farsa. Essa iniciativa pode ter alguma utilidade na Funabem, que já deve ter sido extinta, ou nas carvoarias. Mas utilizar bolsa-escola para fazer mídia e dizer que essa é uma alternativa para o País é uma demagogia.

Portanto, congratulo-me com o Ministro Paulo Renato, que tem tomado algumas iniciativas, e faço agora um apelo à S. Exª e ao Presidente da República no sentido de que possamos, juntos, trabalhar um projeto amplo - já há uma iniciativa minha nesta Casa - que traga investimentos maciços à educação e crie a bolsa-professor, para o melhoramento de salários, e uma disciplina que informe e prepare o cidadão. Dessa forma, com certeza absoluta, os resultados poderão ser, a médio e longo prazos, mais positivos.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/04/1997 - Página 6775