Discurso no Senado Federal

APROVAÇÃO, EM COMISSÃO ESPECIAL DA CAMARA DOS DEPUTADOS, DE PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO, DE INICIATIVA DO DEPUTADO ALOYSIO NUNES FERREIRA, REGULANDO O INSTITUTO DAS MEDIDAS PROVISORIAS. CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO SEU SUBSTITUTIVO A PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL QUE REGULA A EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISORIAS, DA QUAL S.EXA. E RELATOR NA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA.

Autor
José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO.:
  • APROVAÇÃO, EM COMISSÃO ESPECIAL DA CAMARA DOS DEPUTADOS, DE PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO, DE INICIATIVA DO DEPUTADO ALOYSIO NUNES FERREIRA, REGULANDO O INSTITUTO DAS MEDIDAS PROVISORIAS. CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO SEU SUBSTITUTIVO A PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL QUE REGULA A EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISORIAS, DA QUAL S.EXA. E RELATOR NA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA.
Publicação
Publicação no DSF de 07/03/1997 - Página 5078
Assunto
Outros > LEGISLATIVO.
Indexação
  • REGISTRO, TRAMITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, EMENDA CONSTITUCIONAL, REGULAMENTAÇÃO, UTILIZAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), CRITICA, PROPOSTA, CAMARA DOS DEPUTADOS.
  • ATUAÇÃO, ORADOR, RELATOR, EMENDA CONSTITUCIONAL, REGULAMENTAÇÃO, UTILIZAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, REGISTRO, ALTERAÇÃO, PROPOSTA, JOSAPHAT MARINHO, SENADOR.
  • COMENTARIO, ESTATISTICA, EDIÇÃO, REEDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), NECESSIDADE, URGENCIA, REGULAMENTAÇÃO, QUESTIONAMENTO, ATUAÇÃO, LEGISLATIVO.

O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, o debate tem sido bastante intenso nos últimos dias, os jornais vêm reproduzindo isso com grande amplitude e ontem mais um fato político se somou a esse debate.

A Câmara dos Deputados aprovou, na Comissão Especial que trata de emendas constitucionais, uma proposta de emenda constitucional do Deputado Aloyzio Nunes Ferreira a respeito das medidas provisórias.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, é sobre esse tema que eu gostaria de falar nesta tarde neste plenário, principalmente porque me foi atribuído, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, o encargo de conduzir o relatório, o parecer e o substitutivo das medidas provisórias, sobretudo em relação a um trabalho realizado pelo Senador Josaphat Marinho.

Antes de mais nada, quero ressaltar a grande contribuição e o extraordinário esforço prestados pelo Senador Josaphat Marinho. Ressalto a forma sempre acadêmica e o labor jurídico notável com que S. Exª trabalha.

Procuramos, a partir dos elementos que S. Exª introduziu, evidentemente respeitando esses elementos jurídicos, emprestar a nossa contribuição, o nosso trabalho, com a afeição política que temos e que, nesta Casa, é inevitável. O trabalho que se faz aqui não tem só um feitio intelectual, um formato acadêmico, uma forma técnica. O trabalho que fazemos aqui tem, sobretudo, uma fisionomia política. E é nessa fisionomia, nessa roupagem, nessa moldagem política, que acabamos discordando do Senador Josaphat Marinha.

Em sua proposta original, havia a idéia de vedar a reedição de medidas provisórias. Na proposta que estamos fazendo, não estamos vedando a reedição, ou seja, não estamos eliminando do Poder Executivo, no caso, do Presidente da República, essa atribuição constitucional de editar e reeditar medidas provisórias.

No entanto, creio que estamos dando uma contribuição que pode virar de cabeça para baixo, hoje, o processo de medidas provisórias no País.

Ao invés dessa profusão de reedições, se aprovarmos a proposta, se ela entrar em vigor efetivamente, passaremos a ter menos de 5% das medidas provisórias que estão aí tramitando no Congresso Nacional. Creio, Sr. Presidente, que o número anda em torno de 84 medidas provisórias que tramitam nesta Casa.

Quero fazer aqui um registro, o registro de que não é o atual Presidente da República o grande autor original de medidas provisórias na história curta, mas já tão tumultuada, desse instituto jurídico e constitucional no Brasil.

Para fazer uma comparação honesta e sem nenhum sentido crítico, é preciso dizer que os demais presidentes do período democrático, ou seja, do período pós-constituinte, todos eles tiveram a necessidade, talvez a circunstância, o imperativo de editar mais medidas provisórias em número do que o atual Presidente. Falo aqui da autoria original de medidas provisórias.

O primeiro Presidente do período democrático, o nobre, respeitado e querido Senador José Sarney, em seu último ano de Governo, editou mais de 90 medidas provisórias. O segundo Presidente, Fernando Collor, eleito pelo voto direto, chegou a editar, no ano de 1990, seu primeiro ano de Governo, quase 90 delas. O seu sucessor, Itamar Franco, superou seu antecessor, seguramente, no seu último ano de Governo. O atual Presidente tem, na esfera da sua responsabilidade, a edição original de apenas 30 medidas provisórias em um ano; para ser mais exato, 31 medidas provisórias no ano de 1996.

O que o atual Presidente tem e que, possivelmente, o futuro Presidente da República terá muito mais e, assim subseqüentemente, numa verdadeira avalanche, num processo de acúmulo quase que ad infinitum, é a necessidade, quase que a obrigação inevitável, de reeditar medidas provisórias. Se o Presidente não as reedita, instala-se um caos e um vazio jurídico enorme no País.

Imagine-se, por exemplo, a medida provisória que trata das mensalidades escolares. Ela foi editada no Governo Itamar Franco e está em vigor há quase três anos no Brasil. Se essa medida provisória fosse sustada, se ela deixasse de ser reeditada hoje ou daqui a dois meses, haveria um processo retroativo de efeito absolutamente predatório do ponto de vista das relações entre pais e escolas. Quando uma medida provisória deixa de ser reeditada e não se transforma em lei, uma medida provisória anula a outra retroativamente. Ou seja, anular-se-iam todos os efeitos jurídicos originados da primeira medida provisória que tratou de mensalidade escolar.

Nós estaríamos tendo a obrigação de regulamentar esse processo de involução material no mundo jurídico. Essa verdadeira regressão, não psíquica mas jurídica, teria de ser objeto de uma lei disciplinadora dos atos e dos efeitos jurídicos que foram gerados durante a sua vigência.

Para que se possa entender o quanto isso é inviável, o quanto isso é quase implausível, Sr. Presidente, equivaleria a tentar colocar a pasta de dente novamente para dentro do tubo.

É mais ou menos isso que diz o texto constitucional: não havendo reedição, uma medida provisória cai e perde a sua eficácia desde a edição, ou seja, ela deixa de ter validade jurídica e, portanto, anulam-se os atos que foram realizados durante a sua vigência. Cabe ao Congresso Nacional editar uma lei ou aprovar um projeto de lei disciplinador desses fatos, dessas situações, dessas conseqüências que foram estabelecidas no mundo, na realidade das coisas.

É quase como colocar a pasta de dente novamente de volta dentro do tubo. É uma coisa, aliás, tão impossível - eu diria uma coisa tão inviável -, que não há registro, Sr. Presidente, não há exemplo, não há caso em que o Congresso tenha vedado a reedição, tenha derrubado inteiramente uma medida provisória e tenha conseguido disciplinar as relações jurídicas resultantes dessa medida. Não há caso! Talvez porque contrarie a lei da física, talvez porque contrarie a ordem lógica das coisas.

E assim como há uma lógica no mundo real, há também uma lógica nesse mundo virtual que é o mundo do direito. Para nós, Senadores e Deputados, há uma indagação filosófica - eu diria, quase que shakespeariana - que nós nos fazemos todo dia; há como que uma espécie de projeção hamletiana, Sr. Presidente: nós nos perguntamos se somos ou se não somos um Poder Legislativo. É um ser ou não ser hamletiano, que tem sido objeto de indagação e de questionamento por parte dos Srs. Deputados e Senadores. Creio que há até quase uma espécie de crise de identidade, uma espécie de crise existencial do Congresso Nacional neste momento.

Há alguns que pensam, que supõem ou que consideram, julgam que as medidas provisórias constituem, na sua natureza e por si próprias, pelo simples fato de existirem, uma afronta ao Poder Legislativo; que elas constituem uma negação do Poder Legislativo, que elas constituem, por si só, uma anulação do Poder Legislativo. Não concordo com essa tese, Sr. Presidente.

As medidas provisórias, por si só e na sua natureza, não constituem a negação do Poder Legislativo. O que constitui negação do Poder Legislativo, o que constitui perda de poder, de capacidade de interferir na elaboração das leis, o que enfraquece o Poder Legislativo, esvazia o seu poder e o seu potencial participativo é a omissão, é a ausência, é a incúria, é o absenteísmo, ou seja, é simplesmente, em palavras claras e perfeitamente inteligíveis, não votar as medidas provisórias. É com uma insistência quase que doentia, mas com uma determinação quase que patológica que o Congresso não vota medida provisória.

Estou contando quase 400 dias de jejum do Congresso, quase 400 dias! Trata-se de um Congresso jejuno, voltado para uma espécie de ojeriza a medidas provisórias. O Congresso tem urticária em votar medidas provisórias; ele não vota. Repito: estou contando quase 400 dias sem que se vote medida provisória no Congresso Nacional. Só não consigo contabilizar 400 dias, porque há uma medida provisória isolada que quebrou esse jejum, a medida que tratou da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, a CPMF. Essa quebrou o jejum, mas chegamos a ficar 365 dias sem votar uma medida provisória sequer no Congresso Nacional.

É preciso, primeiramente, partir do entendimento de que a medida provisória não será suprimida da Constituição. Não o foi no Governo Sarney, embora tenha havido tentativas; não o foi no Governo Collor; não o foi no Governo Itamar Franco, embora também tenha havido tentativas, e quero aqui afirmar: não o será no Governo Fernando Henrique; por mais tentativas que haja, Sr. Presidente, elas não serão suprimidas.

Mas, quem sabe, se ao lado da idéia de suprimi-las, de varrê-las da Constituição, aceitássemos, seja só por um segundo, por um momento, a lídima e simples idéia de regulamentar melhor, organizar de forma mais adequada a tramitação das MPs dentro do Congresso; se resolvêssemos criar mecanismos tais que obrigassem o Congresso, inevitavelmente, a votar as medidas provisórias; se criássemos, aqui, uma estrutura regimental que fizesse com que este absenteísmo e esta omissão permanente, quase que patológica do Congresso, acabasse definitivamente, quem sabe?

Não tenho a fórmula mágica, Sr. Presidente. Não tenho propostas milagrosas. O que tenho é uma proposta real, através de um trabalho que foi consistentemente realizado por vários Senadores sob a coordenação do Senador José Sarney e do Relator Josaphat Marinho e que, circunstancialmente, por uma casualidade, acabou me caindo nas mãos ao final, para dar o parecer na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e produzir o substitutivo.

Como podemos acabar com a omissão do Congresso? Essa é a pergunta que quero colocar. E esta é a resposta que pretendo dar, por meio da emenda constitucional que queremos que seja votada.

Um dos momentos mais estimulantes do pronunciamento do Presidente Antonio Carlos Magalhães, quando assumiu a Presidência do Senado e a Presidência do Congresso Nacional foi quando disse que tinha em mente, tinha como responsabilidade sua restringir o uso de medidas provisórias e dar ao Congresso Nacional uma participação mais efetiva, mais consistente, mais resolutiva na produção legislativa do País.

Parece-me que essa posição do Presidente da Casa, Senador Antonio Carlos Magalhães, é o sustentáculo e a grande definição política que nós no Senado precisávamos para tocar adiante esta matéria. E a decisão que S. Exª tomou, de colocar a matéria na Ordem do Dia e de colocá-la para votação em plenário no próximo dia 12, quarta-feira, dá bem idéia da disposição que tem em realmente modificar, em realmente revolucionar os fatos no Legislativo. Trata-se de uma modificação extremamente positiva e, a meu ver, absolutamente necessária, Sr. Presidente.

Estamos propondo a criação de uma comissão permanente, uma comissão de caráter misto, integrada por Deputados e Senadores, para que exista um fórum, para que exista um local permanente, necessário, inevitável, onde cada semana Senadores e Deputados poderão debater, conhecer as medidas provisórias, familiarizarem-se com elas, assimilar o conteúdo, analisar as conseqüências, fazer as suas deduções e definir as suas conclusões políticas.

Também propomos que a medida provisória dure, tenha vigência não de apenas 30, mas de 60 dias. Está comprovado que 30 dias é um dos fatores que concorrem para o absenteísmo. Quanto menor o tempo de duração da medida provisória, menor a possibilidade de o Congresso votá-la, menor a possibilidade de o Congresso examiná-la e, conseqüentemente, um pequeno aumento desse tempo de vigência também significa maior possibilidade de o Congresso examinar, apreciar e votar a medida provisória. Estamos propondo, Sr. Presidente, que a Comissão Mista examine a constitucionalidade e o caráter de relevância e urgência da medida provisória. Caso não o faça, esta cai inevitavelmente em uma das Casas Legislativas alternadamente, no Senado ou na Câmara. Neste ponto, quero chamar a atenção para um dado que é, a meu ver, fundamental: a fórmula que acaba de ser aprovada em uma comissão na Câmara dos Deputados empurra todas as medidas provisórias para a Câmara. Haveria uma inversão de situação que tiraria do Senado o papel relevante que possui hoje.

Atualmente, em relação às medidas provisórias, o Senado não é simplesmente casa revisora; tem competência original desde o início de sua tramitação, porque os Senadores integram as comissões mistas, que possuem sempre um Senador, como Presidente, e um Deputado, como relator, ou vice-versa. Metade Senadores, metade Deputados; portanto, os Deputados e Senadores dividem igualitária e eqüitativamente o papel institucional que têm na apreciação das medidas provisórias hoje.

A vigorar a proposta da Câmara, o papel do Senado é suprimido, é varrido, o que para nós não só não interessa como acreditamos, Sr. Presidente, que deveríamos nós Senadores tomar consciência do que está acontecendo e tomar um posicionamento claro a esse respeito.

Estamos propondo um mecanismo, Sr. Presidente, pelo qual é possível, sim, vedar a reedição de medida provisória, mas não por meio da preguiça, não por meio da ausência, não é indo para casa que proíbo o Presidente de editar medida provisória; é vindo ao Congresso e trabalhando. Ou seja, estamos propondo, Sr. Presidente, que é possível vedar a reedição de medida provisória desde que seja aprovado um decreto legislativo que cesse a eficácia da medida provisória e que dê garantias aos atos jurídicos realizados durante a sua vigência. Creio que isso é suficiente e necessário para que se possa ter uma ordem racionalizada das coisas, e não essa situação ilógica e absurda de fazerem as coisas regredirem à sua origem, de fazer com que a pasta de dentes volte para o tubo. Não! Cessar eficácia e estabelecer garantias para os atos jurídicos até ali realizados. Não é possível voltar atrás, mas é possível interromper as coisas e ordená-las de acordo com o que aconteceu, com o que se produziu no mundo dos fatos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos propondo também que o Presidente da República tenha a obrigação de comunicar, com 48 horas de antecedência, a edição de medidas provisórias. Há um vozerio permanente no Congresso de protesto contra o fato de medidas provisórias surpreenderem os Deputados e Senadores. Essa comunicação prévia permitirá que, pelo menos, o curto período existente para fazer o exame da relevância e da urgência seja um pouco ampliado. Isso não impedirá que o Presidente edite uma medida provisória, mas dará ao Congresso a possibilidade de examinar mais acurada e detalhadamente o caráter de relevância e urgência da medida provisória.

Tenho certeza de que esse mecanismo não é superficial, não é inútil, não é meramente formal. Esse mecanismo tem a sua função, a sua utilidade, Sr. Presidente.

Quando me refiro a essa questão, estou dizendo que este é um Congresso que tem que deixar de ser personagem de uma tragédia shakespeariana em cinco atos! Este Congresso tem que abandonar essa atitude hamletiana diante da vida! Mas a solução do seu problema não está em proibir medidas provisórias. Está, isto sim, em participar do processo legislativo que as medidas provisórias criam, iniciam. Participar desse processo legislativo, contribuir para ele, definir o que quer através de projetos de conversão e de leis permanentes que só podem ser aprovadas pelo Congresso será o fim dessa tragédia shakespeariana em cinco atos do ser ou não ser deste Congresso.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/03/1997 - Página 5078