Discurso no Senado Federal

REFORMA PREVIDENCIARIA, EM TRAMITAÇÃO NO SENADO, E REFORMA ADMINISTRATIVA, EM FASE DE VOTAÇÃO NA CAMARA DOS DEPUTADOS. DISTORÇÕES NA REMUNERAÇÃO DO FUNCIONALISMO ATIVO E INATIVO.

Autor
José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL.:
  • REFORMA PREVIDENCIARIA, EM TRAMITAÇÃO NO SENADO, E REFORMA ADMINISTRATIVA, EM FASE DE VOTAÇÃO NA CAMARA DOS DEPUTADOS. DISTORÇÕES NA REMUNERAÇÃO DO FUNCIONALISMO ATIVO E INATIVO.
Publicação
Publicação no DSF de 27/03/1997 - Página 6635
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • DEFESA, APROVAÇÃO, LIMITAÇÃO, SALARIO, APOSENTADORIA, SERVIÇO PUBLICO, OPORTUNIDADE, DEBATE, REFORMA ADMINISTRATIVA, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL.

O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Senador Humberto Lucena acaba de fazer menção às dificuldades vividas pelo funcionalismo público brasileiro que há muito tempo não recebe o seu reajuste.

Nós estamos aqui, no Senado e na Câmara dos Deputados, vivendo um momento que é particularmente importante na análise dessas questões relativas ao problema dos salários, das aposentadorias e da situação jurídica dos servidores públicos. Nós, principalmente, estamos tratando em princípio do conjunto do interesse dos trabalhadores brasileiros.

Quando o Senador Humberto Lucena fazia alusão às dificuldades vividas por funcionários que não vêem reajuste há tanto tempo, S. Exª estava se referindo, evidentemente, àqueles que recebem baixos salários. Seguramente, um funcionário que receba um salário de R$10.800,00, poderá, ainda que tenha sofrido uma pequena redução do seu poder aquisitivo, ao longo desses dois últimos anos, ainda viver com o mesmo padrão econômico que vivia há dois anos. Redução de poder aquisitivo não é, necessariamente, queda do padrão econômico de vida. Muitas vezes, as perdas que a inflação traz ao salário são medidas, igualmente, no Brasil, para os baixos e para os altos salários.

Na hora de fazer a defesa dos reajustes, aponta-se para os salários mais minguados, mais humildes, mais insignificantes. Mas na hora de aplicarem-se concretamente os reajustes, os altos salários, os mais privilegiados incorporam, numa proporção extremamente injusta, vantagens supostamente iguais. Quando se dá um reajuste de 20% a quem recebe RS120,00, isso não pode, em hipótese nenhuma, ser comparado com o reajuste que se dá a quem recebe RS10.000,00 por mês. É profundamente injusta essa proporção porque, na medida em que um tem o acréscimo de pouco mais de R$20 no seu salário, o outro tem o acréscimo de R$2 mil. Essa é, portanto, uma das explicações e esse é um dos pontos fundamentais que, de certa forma, tem justificado, no Brasil, o aprofundamento das injustiças.

Há uma grande massa de servidores que recebem salários extremamente razoáveis, quando não, muito baixos. Diria que isso compreende um universo de 80% a 95% dos servidores públicos brasileiros; são salários extremamente razoáveis e adequados a sua função, quando não, salários muito baixos. No entanto, essa parcela majoritária não corresponde, na mesma proporção, ao custo da folha de pagamento do Estado. O peso maior, a porcentagem maior, incide sobre os altos salários.

Estou dizendo tudo isso, Srª Presidente, Senadora Marina Silva, porque estamos debatendo neste momento, no Congresso Nacional, dois pontos importantíssimos: a reforma da Previdência, que aqui está nas mãos do sóbrio e honesto Senador Beni Veras - honesto inclusive do ponto de vista intelectual, o que nem sempre é uma característica do homem público -, e a reforma administrativa, que se encontra em votação na Câmara dos Deputados. E há quem não esteja aceitando o teto de R$10.800,00. Portanto, como salário máximo para alguém receber no conjunto do que recebe dos cofres públicos.

Creio, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que há, neste momento, a necessidade de se fazer uma profunda reflexão sobre isso, talvez muito mais profunda do que a avaliação sumária e superficial se R$10.800,00 são realmente um ganho elevado ou se esses reais constituem um ganho abaixo daquilo que deveria ser o teto, o máximo, o limite maior do setor público brasileiro. A discussão não está, creio, nesse valor por si só, porque ele é um valor arbitrário; se disséssemos que seriam R$11.200,00 ou R$9.000,00 ou R$7.800,00, na verdade, isso se constituiria numa discussão inútil, porque o problema não é o valor recebido; o problema é sabermos conceitualmente o que é a aposentadoria, para que ela serve, como deve ser encarada, vista, considerada. É uma questão basicamente conceitual.

Parece-me que se formou, ao longo dos anos, num passado recente - e falo de apenas algumas décadas neste País -, uma cultura, uma concepção de que a aposentadoria é um prêmio; e, como um prêmio para o cidadão, ela deve levar em conta, ao premiá-lo, a importância dos cargos, das funções que ele exerceu.

Creio que essa concepção precisa ser revista. A aposentadoria não é um prêmio. Mas, para ela ser considerada um prêmio, não há nenhuma dúvida que um cidadão, por exemplo, precisaria ser Governador de um Estado, servidor público de uma instituição estatal, professor de uma universidade e promotor público ou juiz de Direito, exercendo essas quatro funções; aí esse cidadão tem um passado altamente meritório a serviço do interesse público.

Posso registrar o caso de homens da dimensão pública e da respeitabilidade de um André Franco Montoro, cuja vida irretocável, cuja carreira política absolutamente elogiável não merece nenhum reparo de nossa parte. Se tivéssemos que premiar os serviços que ele prestou à Nação, não resta dúvida de que ele deveria receber diversos salários, vários proventos que recebe de aposentado e como homem em atividade na função pública, e acumular, sobrepor um ao outro; porque, se é um prêmio, ele o merece.

Mas a aposentadoria não é um prêmio. A aposentadoria é uma garantia social que tem todo cidadão, indiscriminadamente, ao prestar um determinado serviço por um certo tempo. É a garantia de que, nos anos posteriores à sua atividade, nos anos de inatividade, ele não terá perdas drásticas do seu padrão econômico de vida, o que não significa que ele manterá o mesmo poder aquisitivo; mas deve ter a garantia de preservar as condições mínimas e básicas de dignidade que a vida ativa lhe assegurou.

Considerando isso, é inaceitável o acúmulo de aposentadorias oriundas do Estado, dos cofres públicos, porque o acúmulo de aposentadorias, quando se dá de modo a ultrapassar limites como este teto que está sendo debatido, ou seja, de R$10.800,00, esse ganho, esse salário, esse provento, essa aposentadoria, está passando em muito aquilo que seria razoável considerar como um elemento de preservação das condições mínimas e do padrão econômico básico vivido durante toda a vida por aquele servidor. É isto que o Estado tem que lhe garantir: que ele mantenha o seu padrão econômico, e não premiá-lo com acúmulos que ultrapassem os limites do razoável.

Quero aqui dizer que fiz menção ao Deputado, Senador e Governador André Franco Montoro porque, se tivéssemos que premiar alguém no Brasil, se tivéssemos que premiar alguém pelos serviços que prestou ao País, ele, seguramente, se não é o número um, na idade que hoje tem, está entre os primeiros cidadãos brasileiros a merecer esse prêmio, se prêmio houvesse no Brasil. Mas aposentadoria não é prêmio, é garantia social, e, como tal, ela tem teto, limite e padrões de razoabilidade aceitáveis sim.

No Brasil, não sei por que razão, Senadora Marina Silva, Senador Humberto Lucena, Srªs e Srs. Senadores, sempre se entendeu que o servidor público, assim como o trabalhador em geral, deveria ser estimulado a perseguir a aposentadoria. Ansiar pela aposentadoria, para que ela chegue logo, transformou-se numa espécie de realidade do Brasil, isso é da realidade nacional.

A aposentadoria significa uma melhora de patamar, um aumento de poder aquisitivo, uma elevação do padrão econômico. Portanto, todo servidor ou todo trabalhador ambiciona se aposentar, e a ambição de se aposentar não é porque a aposentadoria vai dar-lhe a ociosidade, porque não conheço ninguém que persiga a ociosidade. Persegue-se a aposentadoria no Brasil, por se considerar que ela é um prêmio, portanto, uma elevação de categoria econômica. Que me desculpem aqueles que pensam diferente, mas isso não é razoável.

Nos países que querem ser produtivos, desenvolvidos, a aposentadoria tem de ser garantida como um direito fundamental, inalienável, intocável do trabalhador, mas nunca um estímulo. Ao contrário, deve haver um mínimo de desestímulo à aposentadoria, para que o trabalhador tenha vantagem, sim, em permanecer trabalhando; é preciso que haja vantagem, ganho em permanecer em atividade.

Parece que este é o conceito mais razoável. Ao saber que vai para casa, que vai para os seus anos de ociosidade, o trabalhador deve saber que o seu padrão econômico - a casa que tem, o meio de transporte que usa - não será alterado. Mas, evidentemente, se não será alterado, também não poderá ser melhorado, porque, senão, há uma busca da aposentadoria, um anseio, uma ambição pela aposentadoria.

Pergunto se, eticamente falando, é adequado ao país estimular seus trabalhadores a se aposentarem? Economicamente falando é adequado um país estimular seus trabalhadores a se aposentarem?

Há uma confusão, há uma distorção que, me desculpem, precisa ser aqui desfeita, precisa ser recomposta. O trabalhador deve ter na aposentadoria a certeza de uma garantia, de uma retaguarda, de uma sustentação de que não precisa temer pelo seu futuro, que pode investir na atividade em que se encontra e buscar aí excelência porque ele sabe que essa atividade vai lhe garantir que o padrão econômico que tem não será decomposto, não será desfeito.

Mas esse trabalhador precisa, todavia, de alguma forma ver a aposentadoria como algo que não lhe agrade, como algo do qual queira fugir não-só do ponto de vista da ociosidade, que ninguém quer ter, que ninguém gosta, mas também do ponto de vista do acúmulo dos ganhos que esse trabalhador recebe nos seus proventos.

Creio que a reforma administrativa e a da Previdência podem mudar a nossa cultura, podem virar de cabeça para baixo uma série de distorções e de erros que até aqui praticamos e podem ser, talvez, muito melhores e mais promissoras quanto ao futuro do que têm sido hoje esses elementos.

Enquanto, de um lado, há um trabalhador que prevê que, ao final de sua vida, receberá apenas três salários mínimos como fonte de sustento, há outros que, por uma razão meramente formal da lei, garantem mais de R$20 mil por acúmulo de aposentadorias. Essa distorção tem como origem, sobretudo, a idéia de que a aposentadoria é um prêmio que as elites se conferem pelo padrão de seus níveis de serviço. Se alguém foi governador, professor universitário, servidor do Poder Legislativo e, ao final, aposenta-se, esta pessoa tem, no valor que recebe ao final do mês, um prêmio pelo alto grau, pelo elevado valor dos serviços que prestou, porque é um prêmio pela qualidade e pelo nível dos serviços que prestou ao País, afinal de contas foi um governador de Estado, foi presidente de um Poder Legislativo, de uma Assembléia ou de uma Câmara de Vereadores, foi professor de uma universidade.

Aposentadoria não é prêmio, pois se assim o for, terá que haver acumulação. Mas se aposentadoria é apenas uma garantia social, o que esse cidadão deve ter é a certeza de que, indo para a ociosidade, para a inatividade, não terá frustrados, alquebrados os padrões econômicos que mantinha até aqui condignamente.

Se conceituarmos a questão da aposentadoria desta forma, veremos que o teto de R$10 mil e 800, 9 mil, 11 mil ou até 14 mil é uma questão secundária, uma questão menor. É evidente que o teto de R$10 mil e 800 já é bastante elevado mesmo para padrões de Primeiro Mundo. Mesmo nos Estados Unidos ou em países europeus, R$10 mil e 800, traduzidos em dólares, já é uma percepção bastante elevada.

Quero deixar esta reflexão porque creio que, no momento, não há espaço para um debate de fato. Tal debate ainda está em seus rudimentos, está engatinhando, está começando. A opinião pública e a Imprensa estão polarizadas com a CPI dos Precatórios, e isso tem razão de ser, tem lógica. Mas chegará a hora em que o Senado Federal não poderá fugir do debate, não poderá fugir dessa conceituação elementar.

Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero para mim o que quero para os demais servidores, quero para mim o que quero para os demais cidadãos: quero a aposentadoria como garantia de que não vou sofrer uma ruptura profunda, uma quebra drástica dos padrões econômicos que, na vida ativa, consegui assegurar. Não quero a aposentadoria como um prêmio por ter sido 20 ou 30 anos parlamentar, por ter sido professor. Não; quero a aposentadoria apenas de uma fonte, dentro dos limites e do teto que consiga razoavelmente assegurar os padrões que na atividade consegui para mim e para minha família.

Creio que esta é a base racional de nossa análise e talvez seja um parâmetro para reflexão nos próximos dias que se seguem.

Muito obrigado, Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/03/1997 - Página 6635