Discurso no Senado Federal

DISCUSSÃO, EM MEADOS DE MAIO, DA CRIAÇÃO DA AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS - ALCA. REFLEXÃO SOBRE O PAPEL DO MERCOSUL NO CONTEXTO DA POLITICA EXTERNA BRASILEIRA NESTE FINAL DE SECULO, DESTACANDO A EXPERIENCIA DO REGIONALISMO ABERTO E A INTEGRAÇÃO CULTURAL DOS POVOS PARTICIPANTES.

Autor
Gilberto Miranda (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: Gilberto Miranda Batista
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).:
  • DISCUSSÃO, EM MEADOS DE MAIO, DA CRIAÇÃO DA AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS - ALCA. REFLEXÃO SOBRE O PAPEL DO MERCOSUL NO CONTEXTO DA POLITICA EXTERNA BRASILEIRA NESTE FINAL DE SECULO, DESTACANDO A EXPERIENCIA DO REGIONALISMO ABERTO E A INTEGRAÇÃO CULTURAL DOS POVOS PARTICIPANTES.
Publicação
Publicação no DSF de 10/04/1997 - Página 7432
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
Indexação
  • REGISTRO, ENCONTRO, PAIS ESTRANGEIRO, BRASIL, OBJETIVO, CRIAÇÃO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA).
  • ANALISE, HISTORIA, CRIAÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), REGISTRO, EFICIENCIA, PROMOÇÃO, COMERCIO EXTERIOR, ELOGIO, ATUAÇÃO, POLITICA EXTERNA, BRASIL.
  • VANTAGENS, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), COMPARAÇÃO, ACORDO DE LIVRE COMERCIO DA AMERICA DO NORTE (NAFTA), AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), ESPECIFICAÇÃO, EXPORTAÇÃO, PRODUTO INDUSTRIALIZADO, BRASIL.
  • NECESSIDADE, INTEGRAÇÃO, CULTURA, ESTADOS MEMBROS, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), FORMAÇÃO, CONSCIENTIZAÇÃO, AMERICA LATINA.

O SR. GILBERTO MIRANDA (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, em meados de maio, em Belo Horizonte, com o objetivo de discutir a criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), realizar-se-á um encontro entre todos os países do continente americano, com exceção de Cuba. Assim, penso ser este um momento apropriado para tecer algumas breves reflexões sobre o papel que tem cumprido o Mercado Comum do Cone Sul (o MERCOSUL) dentro do contexto da política externa brasileira neste final de século. Percebo que a maioria absoluta dos membros desta Casa, bem como do Congresso Nacional como um todo, apóiam e vêem com entusiasmo a zona de livre comércio, depois união aduaneira, que resultou da assinatura, em 1991, do Tratado de Assunção, entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Minha posição não é diferente.

(Uma união aduaneira, é bom lembrar, consiste num estádio superior de integração em comparação com uma zona de livre comércio, porque, ao contrário da última, possui uma tarifa externa comum aos países signatários. Já um mercado comum, além de tarifa externa comum, possui moeda única.)

Como é de se esperar, a cada dia que o MERCOSUL se torna mais visível na vida nacional e quanto mais fica patente o êxito e o acerto dessa empreitada, consolida-se o sentimento da sociedade civil organizada de que o MERCOSUL é uma conquista inegociável dos brasileiros, dos paraguaios, dos uruguaios e dos argentinos.

O MERCOSUL, -- Sr. Presidente, -- é a pedra fundamental na estratégia concebida pelo Brasil para enfrentar, em melhores condições, o advento da globalização, da mesma forma que o é para nossos sócios. Além da relação evidente com o futuro, o MERCOSUL tem significado histórico e remete ao passado das várias tentativas, todas malogradas, de se construir uma zona de livre comércio latino-americana.

A primeira iniciativa nesse sentido foi representada pelo surgimento, em 1961, da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (a ALALC). Seguiu-lhe, dezenove anos mais tarde, em 1980, a Associação Latino-Americana de Integração (a ALADI). Compunham essas duas organizações todos os países da América do Sul, com exceção das Guianas, mais o México. Além da semelhança no nome, ambas as associações tiveram em comum a inoperância e a produção de resultados pífios em termos de aumento do comércio entre seus países-membros.

Partiu-se, então, em 1991, para a construção do MERCOSUL, sob a iniciativa, num primeiro momento, de Brasil e de Argentina, aos quais logo se juntaram Paraguai e Uruguai. Desta feita, o objetivo mais modesto de buscar primeiramente a integração entre apenas quatro países para, depois, eventualmente, se alcançar uma zona de livre comércio na América do Sul e, quiçá, na América Latina, com a progressiva adesão de outras nações vizinhas, foi responsável pelo êxito da associação. Nesse aspecto, é inevitável que se faça correspondência com o processo de formação da União Européia, que partiu do núcleo Alemanha-França.

Após decorridos somente seis anos desde a assinatura do Tratado de Assunção, a corrente de comércio (1) entre os quatro países signatários já aumentou quase quatro vezes. Passou de ridículos 3 bilhões e 64 milhões de dólares em 1990 para mais de 12 bilhões de dólares no ano passado. É claro, ainda há muito espaço para que essas trocas comerciais cresçam bastante.

Ora, o efeito-demonstração da eficiência do MERCOSUL em promover o comércio intra-regional resultou na assinatura de um acordo especial de livre comércio com o Chile, que todavia não figura ainda como membro pleno da associação, bem como em negociações avançadas com Venezuela e Bolívia, com vistas ao ingresso desses dois países na união aduaneira. Vale ressaltar, outrossim, que outros países sul-americanos vêem com crescente interesse essa possibilidade e já o demonstraram.

Assim, -- Sr. Presidente, -- não se pode olvidar que o MERCOSUL tem um significado simbólico importante para todo o subcontinente americano de cultura ibérica. Pela primeira vez na História tem-se verificado um processo de integração bem-sucedido entre países latino-americanos. Portanto, deve ser vista de forma natural, como desdobramento de um antigo sonho latino-americano, a adesão de países da região ao núcleo formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Cabe, de direito, a esses quatro países sul-americanos o orgulho de terem iniciado, com muita competência, um empreendimento que pode vir a cumprir, um dia, a tarefa que nem a ALALC nem a ALADI conseguiram alcançar.

Cumpre dizer, outrossim, que o investimento na idéia de integração com Argentina, Uruguai e Paraguai foi uma decisão oportuna, equilibrada e inteligente da política externa brasileira, demonstrando a maturidade de nossos governantes. Isso porque urgia que o Brasil se tornasse um participante ativo na arena internacional, com vistas à preparação de nossa economia para o fato de que os mercados nacionais estão, cada vez mais, se internacionalizando.

Melhor do que enfrentar sozinhos as demandas da globalização ou do que se associar a nações mais poderosas do que a nossa, onde sempre figuraríamos como um sócio de segunda classe, fizemos a escolha pela aproximação com nossos vizinhos sul-americanos, de nível de desenvolvimento e de herança cultural semelhante ao nosso. Juntos, parceiros solidários e igualitários, sem hegemonias de qualquer ordem, nós, membros do MERCOSUL, podemos com força e poder de barganha aumentados negociar, com as nações hegemônicas desenvolvidas, um lugar melhor para nós na economia internacionalizada que se avizinha.

É importante notar que o comércio intra-MERCOSUL favorece o desenvolvimento, em solo sul-americano, de indústrias que agregam alto valor a seu produto, o que dificilmente seria alcançado, por exemplo, caso o Brasil optasse por se associar ao Acordo de Livre Comércio Norte-Americano (o NAFTA). Um dado é eloqüente a esse respeito: mais de 50% das exportações brasileiras destinadas ao MERCOSUL e mais de 25% das importações brasileiras dele provenientes referem-se a produtos do setor químico e do setor de material de transporte e de bens de capital. Ora, caso ingressássemos no NAFTA ou, o que dá na mesma, investíssemos na rápida formação da ALCA, ao contrário do que tem sido a posição brasileira, provavelmente haveria um processo de desindustrialização de nossa economia, uma vez que sabemos não ter condições de competir com os Estados Unidos nos setores de tecnologia mais avançada.

Ora, não interessa ao Brasil involuir para uma situação de exportador de produtos de baixo ou de baixíssimo valor agregado em troca de produtos sofisticados que agregam muito valor. Esse tipo de comércio, característico das relações centro-periferia, nós já o ultrapassamos faz algum tempo, -- embora, é claro, estejamos longe de fazer parte da elite de países exportadores de alta tecnologia. Queremos andar para a frente; não retroceder em nosso desenvolvimento.

Nesse aspecto, guardamos grande diferença, por exemplo, em relação ao Chile, país que demonstra interesse em ingressar no NAFTA. Diferentemente de nós, os chilenos possuem um pequeno mercado e já renunciaram, há algum tempo, ao objetivo de construir uma economia industrializada. Os chilenos, com muita competência, aliás, montaram uma economia exportadora de produtos primários de alta qualidade, como frutas frescas, os quais trocam por produtos industrializados. É uma opção talvez acertada no caso deles, mas não no nosso, pois nossa economia tem outras características.

Antes de encerrar este discurso gostaria de tocar ainda, brevemente, em dois pontos. O primeiro é que o MERCOSUL se tem caracterizado por ser uma experiência de regionalismo aberto. O fato de que temos derrubado as barreiras comerciais existentes entre nós e nossos parceiros argentinos, paraguaios e uruguaios não nos tem feito uma economia mais fechada ao resto do mundo. Pelo contrário, nos últimos anos, têm sido reduzidas, de modo muito acentuado, nossas tarifas de importação, resultando num aumento considerável de nossas importações provenientes do resto do mundo, principalmente dos Estados Unidos. O mesmo ocorre com os demais países da união aduaneira.

O segundo ponto é que devemos, sem delongas, trabalhar para a integração cultural dos povos do MERCOSUL. Se tudo continuar a andar bem, num futuro ainda incerto, mas visível, devemos evoluir de uma união aduaneira para um mercado comum, o que significa a adoção de uma moeda única, resultando em grande limitação da soberania de cada um dos países-membros em favor do grupo. Ora, uma convivência a tal ponto estreita somente se viabiliza quando passarmos a pensar nos povos uruguaios, argentinos, paraguaios e brasileiros como uma unidade supranacional. Portanto, todos devemo-nos conhecer melhor, devemos estudar reciprocamente nossas línguas, aprender nas escolas que temos uma cultura e uma história semelhantes; em suma, devemos construir uma identidade e uma consciência sul-americanas. Esta integração, -- que tem estabilidade e que não se desmancha à aproximação de pequenas percalços, -- é aquela que conquista os corações, indo além do comércio material de bens e serviços.

Por todas essas razões que hoje apresentei aqui, -- em relação à instituição da ALCA, não nos devemos arredar de nossa posição que recomenda primeiramente consolidemos o MERCOSUL para que, somente depois, pensemos em uma eventual zona de livre comércio que abranja a América do Sul, a América Central e a América do Norte. Nenhuma pressão advinda dos Estados Unidos, do Canadá ou de quem quer que seja deve-nos demover desse firme propósito, que é também o de nossos parceiros do MERCOSUL.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/04/1997 - Página 7432