Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DO CENTENARIO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS.

Autor
Gilberto Miranda (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: Gilberto Miranda Batista
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÃO DO CENTENARIO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS.
Publicação
Publicação no DSF de 16/04/1997 - Página 7716
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL).

O SR. GILBERTO MIRANDA (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esta Casa faz hoje uma breve pausa na aridez de seus trabalhos rotineiros. Não serão debatidos pesados temas, não serão travadas espinhosas polêmicas, não serão votados volumosos projetos de lei. O momento é de júbilo e de loas. A Academia Brasileira de Letras está completando cem anos! Não poderia deixar de juntar minha voz à dos eminentes Colegas para fazermos soar mais forte, das tribunas do Senado, a homenagem que esta Casa rende, nesse momento, a uma das instituições culturais brasileiras que representa, com ênfase e propriedade, no cenário das letras e da literatura, o projeto de Nação e de Civilização que estamos contruindo. Ainda mais porque ela abriga escritores que também pertencem ao Senado, como o eminente Senador José Sarney, que acaba de ser consagrado pela repercussão do seu romance "O Dono do Mar" na Europa.

              Não hesitei um minuto sequer em aliar-me à propositura desta sessão solene, tampouco cogitei de abster-me de proferir algumas palavras, seduzido, não pelo aprazível do tema e pela leveza das considerações, mas pela convicção do alto significado que representa no panorama cultural brasileiro a nossa Academia -- se me permitem seus lídimos membros a ousadia de apossar-me de sua Casa por meio do possessivo nossa, que, no caso, trai a proximidade que tenho para com ela, devido ao apreço e respeito que lhe devoto. Aqui me encontro portanto, Senhor Presidente, irmanado ao propósito deste colegiado de senadores de render gloriosas homenagens à chegada da Academia Brasileira de Letras, ABL, ao seu primeiro centenário. Primeiro, porque, com certeza, logrará chegar a muitas outras centúrias, a muitos outros finais de século, com a mesma vocação de uma "Casa que norteia e orienta, analisa e impulsiona, discute e concilia, honra e enobrece", como bem a descreveu o escritor Antônio Olinto, ao ser agraciado com o Prêmio Machado de Assis, láurea concedida pela Academia aos escritores que mais se destacaram pelo conjunto de sua obra.

              Aliás, não se pode dissociar da imagem da Academia Brasileira de Letras a figura de nosso mais proeminente escritor, Machado de Assis, que não somente inaugurou um tom novo nas letras pátrias, ao lançar o memorável romance "Memórias Póstumas de Brás cubas", mas foi o escritor que verdadeiramente imprimiu ao povo brasileiro uma alma, aprofundando o tragicômico da condição humana.

              Pois foi Machado de Assis seu primeiro presidente, a quem coube abrir a sessão inaugural, a 20 de julho de 1897, numa sala do Pedagogium, na Rua do Passeio. Na presença de 16 acadêmicos, o Presidente Machado de Assis pronunciou um discurso preliminar de 235 palavras, que ficaria conhecido como o mais curto da história da ABL, lido, todos os anos, no aniversário de inauguração da Academia, para reafirmar os propósitos da instituição, sintetizados, por Machado, no desejo de "conservar, no meio da federação política, a unidade literária."

              Nascida sob o modelo da Academia Francesa, teve como patronos de suas cadeiras "nomes preclaros e saudosos da ficção, da lírica, da crítica e da eloquência nacionais", como forma de alçar a tradição aos seus pináculos. Sem pouso certo e definitivo, as sessões da Academia se realizavam como verdadeiras peregrinações a diferentes lugares, até ver-se alojada, em meados de 1905, numa ala do Passeio Público, em prédio nominado "Silogeu Brasileiro", para onde convergiram outras associações de sábios. Encontrava-se então a ABL em condições de pleno e duradouro funcionamento.

              Ela chega agora aos seus cem anos, como centro de confluência do pensamento criador nas letras e na cultura, acolhendo valores de todo o País, sem discriminação e preconceito, numa inegável demonstração de unidade do espírito nacional na multifacetada diversidade com que se exibe a cultura brasileira.

              Criticada por muitos, que forçam por reduzi-la ao ironizado "chá das cinco", a própria Academia responde às vozes maldosas mostrando suas obras e seu vigor, embora não seja de seu feitio alardear seus feitos. Sempre entendeu a instituição que sua melhor obra estaria precisamente na produção de seus membros, entre os quais figuram os nossos maiores romancistas e poetas, dos quais permito-me citar os mais antigos, como Jorge Amado, Josué Montello, João Cabral de Melo Neto.

              Mas a instituição, censurada por muitos por seu suposto anacronismo, brindou-nos no final do ano passado com a eleição de Nélida Piñon para sua presidência, fato que, recebido com aplausos gerais, constituiu efetiva demonstração do reconhecimento da participação da mulher na sociedade contemporânea. É preciso enfatizar o ineditismo desse gesto, que não encontra similar em nenhuma outra academia do mundo. Quem sabe estaria revivendo nossa Academia o gesto de ousadia dos tempos de seu nascedouro, quando intelectuais arrojados e impetuosos, da estirpe de Artur Azevedo, Guimarães Passos, Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, José Veríssimo, Machado de Assis, Medeiros e Albuquerque, Olavo Bilac, reuniam-se na sala de redação da Revista Brasileira a arquitetar a fundação de uma academia de moços? A entrada de Rachel de Queiroz e Lygia Fagundes Telles aos quadros da ABL por certo contribuíram para imprimir contemporaneidade ao seu perfil, mas foi a eleição de Nélida Piñon para a presidência da instituição que a lançou na vanguarda dos movimentos de reconhecimento do papel da mulher no mundo contemporâneo. 

              Mas há outras realizações que contribuem para engrandecer a ABL em seu primeiro centenário e que constituem provas de sua vitalidade e operosidade. Permito-me citar a iniciativa de Josué Montello na remodelação do Petit Trianon, transformando-o em verdadeiro museu das letras nacionais, com a reprodução do escritório de Machado de Assis.

              No campo das publicações, há que fazer menção à retomada da "Coleção Afrânio Peixoto", sob responsabilidade de Arnaldo Niskier, com edição de obras clássicas já esgotadas, como o "Timon Maranhense", de João Francisco Lisboa, e o "Florilégio da Poesia Brasileira", de Varnhagem, além da publicação de estudos dos próprios acadêmicos, o último dos quais de autoria de Barbosa Lima Sobrinho.

              Numa outra frente de ação, devem ser destacados os convênios firmados com grandes casas distribuidoras para edição, a preços módicos, de obras da Academia, a que passará a ter acesso maior número de interessados.

              Ademais, promove a ABL cursos e conferências em suas instalações, abrigando variada espécie de eventos artísticos e intelectuais, além de distribuir notórios prêmios literários, entre os quais o Prêmio Machado de Assis, o mais importante da Academia e o segundo mais valioso da área literária.

              Com um estilo de vida altamente liberal, acolhendo acirradas pugnas intelectuais, a Casa de Machado de Assis tem sido um fórum de livre expressão e um acatado núcleo da inteligência nacional. Não reconhecer sua importância no panorama do pensamento nacional é não reconhecer a necessidade da perenidade intelectual da Nação. Afinal, como diz Josué Montello, "a coisa que menos incomoda é que falem mal dela. Ela espera calmamente para recolher a todos no futuro. Além disso, o tempo passa e a Academia sobrevive a todos nós com o mesmo espírito."

              Para encerrar minha homenagem pelo transcurso do centenário da Academia Brasileira de Letras, cito palavras de Joaquim Nabuco no discurso de instalação solene do cenáculo, ao justificar a escolha de antepassados para serem patronos das cadeiras:

       "As Academias, como tantas outras coisas, precisam de antigüidade. Uma Academia nova é como uma religião sem mistérios: falta-lhe solenidade. A nossa principal função não poderá ser preenchida senão muito tempo depois de nós, na terceira ou quarta dinastia de nossos sucessores."

              Tendo tais palavras como eco, desejo, de minha parte, que nossa Academia Brasileira de Letras -- e volto a empregar ousadamente o possessivo nossa -- sobreviva a muitos centenários e vá devorando o tempo como se fora uma esfinge da perenidade.

 Era o que tinha a dizer. Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/04/1997 - Página 7716