Discurso no Senado Federal

REFLEXÃO SOBRE O MANIFESTO PELA CIDADANIA E JUSTIÇA, DA ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS. CONTRARIEDADE DA SOCIEDADE BRASILEIRA A PRIVATIZAÇÃO DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, DEMONSTRADA ATRAVES DE VARIAS MANIFESTAÇÕES, DENTRE AS QUAIS DA OAB, CNBB E ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA. SOLICITANDO O APOIO DA CASA AO PROJETO DE RESOLUÇÃO 104, DE 1996, DE SUA AUTORIA, QUE DISPÕE SOBRE A FISCALIZAÇÃO E O CONTROLE DOS ATOS DO PODER EXECUTIVO RELATIVOS A PRIVATIZAÇÃO DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, E DA OUTRAS PROVIDENCIAS.

Autor
Junia Marise (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MG)
Nome completo: Júnia Marise Azeredo Coutinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PODERES CONSTITUCIONAIS. PRIVATIZAÇÃO.:
  • REFLEXÃO SOBRE O MANIFESTO PELA CIDADANIA E JUSTIÇA, DA ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS. CONTRARIEDADE DA SOCIEDADE BRASILEIRA A PRIVATIZAÇÃO DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, DEMONSTRADA ATRAVES DE VARIAS MANIFESTAÇÕES, DENTRE AS QUAIS DA OAB, CNBB E ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA. SOLICITANDO O APOIO DA CASA AO PROJETO DE RESOLUÇÃO 104, DE 1996, DE SUA AUTORIA, QUE DISPÕE SOBRE A FISCALIZAÇÃO E O CONTROLE DOS ATOS DO PODER EXECUTIVO RELATIVOS A PRIVATIZAÇÃO DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, E DA OUTRAS PROVIDENCIAS.
Aparteantes
Lauro Campos, Sebastião Bala Rocha.
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/1997 - Página 7874
Assunto
Outros > PODERES CONSTITUCIONAIS. PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • LEITURA, MANIFESTO, ASSOCIAÇÃO NACIONAL, MAGISTRADO, DEBATE, CIDADANIA, JUSTIÇA, DESEQUILIBRIO, PODERES CONSTITUCIONAIS.
  • CRITICA, REFORMA CONSTITUCIONAL, ADAPTAÇÃO, PROJETO, GLOBALIZAÇÃO, ECONOMIA, REDUÇÃO, FUNÇÃO, ESTADO, BEM ESTAR SOCIAL.
  • COMENTARIO, MOBILIZAÇÃO, SOCIEDADE, OPOSIÇÃO, VENDA, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), ESPECIFICAÇÃO, AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), MANIFESTAÇÃO, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA (ABI), CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB).
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE RESOLUÇÃO, AUTORIA, ORADOR, EXAME, SENADO, DADOS, EDITAL, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), ACESSO, INFORMAÇÃO, SIGILO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES).

A SRª JÚNIA MARISE (Bloco/PDT-MG. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Associação dos Magistrados Brasileiros, cujo presidente esteve hoje na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, distribuiu para toda a sociedade, para todo o País, o Manifesto pela Cidadania e Justiça.

Pela importância desse Manifesto, quero trazer ao conhecimento da Casa e de todo o País os termos que levaram os magistrados, o Poder Judiciário do nosso País, a divulgar esse documento, convocando a sociedade, convocando o Governo para uma reflexão sobre as questões da cidadania e da justiça.

Quero registrar, na íntegra, esse Manifesto, que diz:

      "A AMB - Associação dos Magistrados Brasileiros -, no cumprimento de indeclinável responsabilidade social e dever cívico, vem manifestar-se a respeito do delicado momento político, que se caracteriza pelo evidente desequilíbrio entre os Poderes da República, a importar em ruptura dos princípios democráticos do Estado de Direito.

      É preciso, mais uma vez, declarar o seu inconformismo, alertando todos os brasileiros sobre os efeitos perversos na ordem social, econômica, política e jurídica, decorrentes de conjuntura onde, a pretexto de se modernizar o país, as reformas constitucionais em curso tendem a desmantelar o Estado, incapacitam-no de exercer sua função social mínima, submetendo a uma nova forma de colonialismo.

      Não se pode admitir que, para realização de objetivos governamentais, visando a uma nova ordem internacional de supremacia econômica e política, desenvolva-se um processo reducionista do Parlamento e de aviltamento do Judiciário.

      Verifica-se que o desempenho do Poder Judiciário, buscando assegurar a reparação das ameaças ou lesões a direitos individuais e sociais, vem lhe custando seguidas tentativas de desmoralização pública, atreladas a propostas concretas de submissão institucional.

      Esse projeto nocivo de exercício do poder político faz com que, na esteira dos efeitos da globalização, a ordem constitucional e todos os que a defendem tornem-se obstáculos a serem afastados.

      Em vez de os governos se ajustarem à Constituição, querem a reforma em sua estrutura basilar, atendendo a interesses conjunturais e desrespeitando as regras pertinentes ao processo de mudança do ordenamento jurídico. Ressalte-se o uso corriqueiro e indiscriminado das Medidas Provisórias, que, ultrapassando os limites constitucionais de relevância e urgência, vê-se agravado pela prática abusiva da reedição, invadindo seara própria do Legislativo.

      Os juízes estão comprometidos com o Estado Democrático de Direito e reconhecem a necessidade de aperfeiçoamento do Judiciário, que exige a adoção de mecanismos de maior acesso à Justiça, de democratização interna e concretização da autonomia administrativa e financeira dos Tribunais e de plena eficácia das decisões judiciais.

      As garantias da magistratura, consignadas na Carta da República pela sua relevância para a independência do Poder Judiciário, expressam efetiva proteção dos direitos e do mais evidenciado interesse da sociedade.

      Assevera-se, finalmente, que as reformas necessárias à elevação do nível de cidadania, à eliminação da exclusão social, à defesa do patrimônio nacional, precedidas de amplo debate democrático, objetivando os reais interesses do país, contarão com o apoio da magistratura brasileira, integrada às melhores aspirações coletivas."

Assina esse Manifesto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Desembargador Paulo Medina, que é o Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros.

Gostaria de fazer uma reflexão sobre esse Manifesto.

Estamos assistindo a momentos históricos da vida do nosso País. Hoje pela manhã, um ato público, com representações de todos os partidos e da sociedade, realizado na Câmara dos Deputados, mostrou o inconformismo da sociedade diante da decisão autoritária desse Governo de vender a Vale do Rio Doce.

Ontem, a OAB entrou com ações contra a venda da Vale. Recorrendo ao Judiciário, a OAB, com duas ações diretas de inconstitucionalidade, está solicitando do Supremo Tribunal Federal medida cautelar para anular o leilão da Companhia Vale do Rio Doce, marcado para o próximo dia 29.

Temos a manifestação da Associação Brasileira de Imprensa, por intermédio desse grande brasileiro que é Barbosa Lima Sobrinho. E tivemos também nesta semana a manifestação da Igreja.

Ora, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há poucos dias, ouvimos o Presidente da República dizer ao País que ouve e que quer sempre ouvir a voz das ruas. Será que neste momento a voz das ruas e dos segmentos mais representativos da nossa sociedade não será ouvida por este Governo? Por que será que o Governo não quer, não deseja que nós, Senadores, tenhamos a oportunidade de ter acesso às informações sobre todos os procedimentos e práticas adotadas?

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Senadora Júnia Marise, peço desculpas a V. Exª, mas sou obrigado a interrompê-la para prorrogar a Hora do Expediente a fim de que V. Exª possa concluir o seu discurso e a Casa possa ouvir as comunicações inadiáveis que três Srs. Senadores pretendem fazer.

A SRª JÚNIA MARISE - Continuando, por que será que o Governo não deseja que o Senado da República possa examinar, se inteirar, ter acesso a todas as informações, às práticas e aos procedimentos que foram adotados pelo BNDES para a elaboração do edital de privatização da Vale do Rio Doce? Ora, se o BNDES abre uma licitação para contratar consultoria a fim de elaborar tecnicamente o edital de privatização da Vale do Rio Doce e se inclina pela escolha da Consultora Merrill Lynch, afastando outra que também se credenciava para a elaboração técnica do edital de privatização da Vale do Rio Doce, esta Casa tem que conhecer tais procedimentos, até mesmo por força da nossa responsabilidade e da do Presidente da República.

Entretanto, o Senhor Presidente da República me declarou que não entende nada sobre a Vale do Rio Doce. Sua Excelência declarou isso, Sr. Presidente. Ora, com todas essas manifestações e uma declaração do próprio Presidente da República, não seria importante para este Governo e para o Senado que pudéssemos, no prazo de 30 dias, examinar todos os documentos, todos os dados e até mesmo saber de que forma o BNDES, com seus técnicos e com a consultoria que contratou, chegou ao valor de R$10.300 bilhões.

Como se chegou a esse preço? De que forma o País pode aceitar o valor estipulado pelo BNDES para a Vale do Rio Doce, sem que a sociedade tenha conhecimento? A Vale do Rio Doce é um patrimônio público, não é uma propriedade privada do Governo nem do Presidente da República, porque, aí sim, Sua Excelência poderia tomar a iniciativa de mandar fazer uma avaliação e vender pelo preço que lhe conviesse, sem consultar ninguém. Mas um patrimônio como a Vale do Rio Doce não pode ser arbitrado dessa forma, sem que tenhamos a oportunidade de examinar os documentos. É isso que no causa, cada vez mais, estranheza e surpresa.

Tomamos conhecimento de algumas manifestações, entre elas a da Associação dos Magistrados Brasileiros, que produziu um documento da maior importância neste momento histórico em que estamos vivendo. A Magistratura brasileira sempre teve um comportamento equilibrado, sempre teve, diante de toda a sociedade brasileira, um comportamento dentro dos parâmetros estabelecidos, cumprindo o seu papel. Hoje, os Magistrados estão manifestando seu inconformismo, sua apreensão e fazendo uma reflexão, dando transparência à sociedade das adversidades e dos momentos por que passam nosso País.

A CNBB também mostrou a sua preocupação com a legitimidade da aprovação da reeleição do Presidente da República, como está demonstrando a sua preocupação com o programa da reforma agrária, cujos trabalhadores sem terra, nessa marcha de mais de 30 dias, estão, hoje, em Brasília, fazendo, mais uma vez, a sua profissão de fé e de confiança, para que nós possamos resolver a questão da terra em nosso País.

Enquanto este Governo faz de conta que faz a reforma agrária; enquanto este Governo faz de conta que resolve o problema da saúde; enquanto este Governo faz de conta que resolve o problema da educação; enquanto este Governo faz de conta que está preocupado com o desemprego, nós estamos vendo, a cada dia - e esta tem sido a nossa preocupação, a preocupação central das posições que temos adotado aqui, no Senado da República -, o crescimento da miséria, o crescimento da fome, o crescimento do desemprego.

O Sr. Lauro Campos - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª JÚNIA MARISE - Concedo, com muito prazer, o aparte ao nobre Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos - É um prazer apartear V. Exª, nobre Senadora Júnia Marise, neste seu pronunciamento, que tem uma verdadeira visão panorâmica desta conjuntura nacional. Realmente, não precisaria ter a sensibilidade que, durante tantos anos de sua vida, demostrou ter o Senhor Presidente da República para perceber que esse tal desenvolvimento auto-sustentado, equilibrado, tem, na realidade, transformado a prática da sociedade brasileira num sentido totalmente diverso: o desequilíbrio entre os Poderes a que V. Exª se referiu, esse desprezo em relação ao qual protestam não apenas o Presidente do Supremo Tribunal, Sepúlveda Pertence, mas os juízes do Brasil, de um modo geral; juízes que chegam até a encontrar o bom caminho da rua para efetuarem o seu protesto. A coisa no Judiciário, todos sabemos, atingiu um ponto culminante quando o Supremo Tribunal concedeu os 28,6% de reposição aos trabalhadores civis, igualando-os aos militares, que já haviam auferido o mesmo benefício. E nós vemos, como V. Exª muito bem salienta, a CNBB, a ABI, a OAB, os sindicatos, o Movimento dos Sem-Terra e todos os órgãos da sociedade brasileira organizada se manifestarem. As ruas e as estradas enchem-se e, aí, talvez, more o perigo, porque, como disse Sua Excelência o Presidente da República, em seu livro chamado Autoritarismo e Democracia, só acredito na revolução que venha de baixo. E esse movimento que vem de baixo, que nada tem de revolucionário, chega a incomodar o Governo que aí está, que parece ser forte, mas que só seria realmente na medida em que ouvisse as vozes roucas da rua, que ele prometeu ouvir caso fosse aprovada ou reprovada a sua proposta de reeleição, sem desincompatibilização. Sua Excelência se esqueceu também disso, não vai mais ouvir as vozes roucas da rua. Com isso, é de se temer, diante desse quadro que aí está e que V. Exª traça muito bem em seu pronunciamento, que a situação se agrave e que a paciência se esgote, tal como aconteceu na Coréia do Sul, na Argentina, no Equador e em outros países em que esse projeto neoliberal foi imposto ao povo até o limite de suas paciências. Muito obrigado.

A SRª JÚNIA MARISE - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Lauro Campos, que está dentro da linha de pensamento que temos hoje com relação a essas questões importantes.

O Sr. Sebastião Rocha - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª JÚNIA MARISE - Gostaria de conceder o aparte ao Senador Sebastião Rocha.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Senadora Júnia Marise, o tempo de V. Exª está esgotado.

A SRª JÚNIA MARISE - Sr. Presidente, solicito a gentileza de V. Exª para que possa ouvir o aparte do nobre Senador Sebastião Rocha, pois não quero cometer a indelicadeza de não concedê-lo.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Apenas gostaria de lembrar que estão inscritos 26 Senadores, inclusive V. Exª, Senador Sebastião Rocha.

O Sr. Sebastião Rocha - Prometo que serei breve, Sr. Presidente. Senadora Júnia Marise, o discurso de V. Exª tem o condão de demonstrar que o discurso oficial do Governo,de que está atento à voz rouca das ruas,não passa de uma grande falácia. Na verdade, o Governo, representado pelo Presidente da República, possui uma audição extraordinariamente seletiva. Só consegue auscultar aquilo que favorece o Governo ou a própria pessoa do Presidente, como é o caso da reeleição, em que algumas pesquisas demonstraram um apoio popular a essa tese. Mas o Presidente e o Governo se recusaram a medir, pelo menos, qual a vontade popular no caso da Vale do Rio Doce. V. Exª mesma foi autora de uma proposição de referendum ou de plebiscito. No caso da reeleição, o Presidente também se recusou a defender essa proposta do plebiscito; e, agora, com relação ao Movimento dos Sem-Terra, o Presidente fala em trégua, como se houvesse uma guerra. Então, o Presidente não está ouvindo o País, não está atento às manifestações do povo brasileiro, da imprensa, de todos os segmentos da sociedade, que estão aplaudindo, apoiando e louvando o Movimento dos Sem-terra, até internacionalmente - assunto a que devo me referir daqui a pouco. Por isso cumprimento V. Exª e a parabenizo pelo discurso.

A SRª JÚNIA MARISE - Agradeço ao nobre Senador Sebastião Rocha pelo aparte.

Deixo, aqui, mais uma vez, a nossa conclamação a todos os Senadores para que possamos - ainda é tempo - dar oportunidade ao Senado Federal de examinar todos os dados, todas as informações sobre o edital de privatização da Vale do Rio Doce.

O nosso projeto de resolução nada propõe além de trazer para o Senado Federal, dentro das nossas responsabilidades constitucionais, o compromisso de ter acesso a todas as informações que estão lá, secretamente, na sala de informações do BNDES.

Por que não fazermos essa avaliação agora, Sr. Presidente?


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/1997 - Página 7874