Discurso no Senado Federal

IMPORTANCIA DO PLANEJAMENTO AGRICOLA PARA O DESENVOLVIMENTO DE QUALQUER NAÇÃO MODERNA. PREOCUPAÇÃO COM A MARGEM DE DESPERDICIO DE GRÃOS PRODUZIDOS NO PAIS, EM VIRTUDE DA ARMAZENAGEM DEFICIENTE E COLHEITA INCORRETA.

Autor
Gilberto Miranda (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: Gilberto Miranda Batista
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • IMPORTANCIA DO PLANEJAMENTO AGRICOLA PARA O DESENVOLVIMENTO DE QUALQUER NAÇÃO MODERNA. PREOCUPAÇÃO COM A MARGEM DE DESPERDICIO DE GRÃOS PRODUZIDOS NO PAIS, EM VIRTUDE DA ARMAZENAGEM DEFICIENTE E COLHEITA INCORRETA.
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/1997 - Página 7927
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • PRIORIDADE, PLANEJAMENTO, PRODUÇÃO, ALIMENTOS, OBJETIVO, MERCADO INTERNO, EXPORTAÇÃO, IMPORTANCIA, BENEFICIAMENTO, ESTOCAGEM, TRANSPORTE, COMERCIALIZAÇÃO.
  • DEFESA, SUBSIDIOS, AGRICULTURA, NECESSIDADE, POLITICA AGRICOLA, REDUÇÃO, PERDA.
  • ANALISE, PROCESSO, PERDA, PLANTIO, COLHEITA, ARMAZENAGEM, ESCOAMENTO, SAFRA, FALTA, INFORMAÇÃO, ESTATISTICA, REGISTRO, ESTUDO, ESTIMATIVA, PREJUIZO, BRASIL.

              O SR. GILBERTO MIRANDA (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todos sabemos que a produção de alimentos remonta à pré-história, quando o homem, abandonando os hábitos nômades e caçadores, tornou-se sedentário e iniciou o cultivo das lavouras para prover sua subsistência diária.

              Em um segundo momento, o produto de seu trabalho, tornando-se superabundante para o consumo de seu grupo familiar ou tribal, passou a servir para a troca com outros grupos, enriquecendo sua dieta e estabelecendo o comércio em sua forma mais antiga: o escambo. E assim, passo a passo, à medida que o povoamento do planeta e o número de bocas a alimentar aumentaram, a agricultura tomou vulto e se tornou uma das atividades econômicas de maior relevância. Criou-se assim a intrincada malha do sistema que conecta o produtor e o consumidor, estejam eles onde estiverem, e por maiores que sejam as distâncias a separá-los.

              Contudo, apesar da gigantesca produção mundial de alimentos, cerca de um terço da humanidade sofre de carência nutricional, quando não está simplesmente morrendo de fome, como acontece neste exato momento em diversos países africanos.

              Esse quadro, descrito de forma sucinta e genérica, mostra a importância do planejamento agrícola para qualquer nação moderna. Dessas que o Brasil almeja ser!

              A população de um país é o seu maior patrimônio; fonte de sua cultura e força motriz de seu desenvolvimento. É, pois, de valor estratégico insofismável que um projeto de desenvolvimento agrícola seja parte prioritária de qualquer programa de governo para um Brasil forte e equilibrado no século vinte e um.

              Planejamento agrícola que começa pela garantia de plantio e colheita de produtos em quantidade e diversidade adequadas às necessidades internas e aos objetivos de exportação do País. Que exige o beneficiamento e a estocagem consentâneos com cada produto. E passa pela existência de um sistema de transporte e comercialização na justa medida da produção alcançada, das necessidades da população em todo o território nacional e da localização dos portos disponíveis para a exportação. Do produtor ao consumidor, monta-se uma cadeia onde todos os elos devem funcionar eficazmente para o sucesso de um projeto de produção de alimentos que garanta o abastecimento interno e gere excedentes para a exportação.

              Não é por acaso que Europa e Estados Unidos subsidiam fortemente seus respectivos produtores e garantem-lhes mercados internos, além de dar-lhes retaguarda para a conquista de mercados externos. Nós devemos fazer o mesmo. É uma questão vital para nossa economia.

              Nossa produção agrícola é altamente diversificada. Extraímos de nosso solo produtos de toda sorte. Desde os altamente perecíveis, como frutas, verduras e legumes, até os facilmente estocáveis e de durabilidade considerável, como arroz, milho, soja, algodão e outros.

              Todavia, o Brasil produz safras agrícolas muito abaixo de sua potencialidade. Dá-se mesmo ao luxo de perder, a cada ano, um percentual apreciável de grãos e hortifrutigranjeiros por uma série de práticas equivocadas. Muitas delas seriam facilmente evitáveis, se o País contasse, pelo menos, com um esboço de política agrícola e uma melhor infra-estrutura de abastecimento.

              Na verdade, essa enorme cadeia de desperdícios e perdas começa antes mesmo do plantio, quando os produtores rurais já condenam suas safras a uma baixa produtividade pelo uso inadequado de insumos, como sementes, fertilizantes e defensivos agrícolas, e termina na lata do lixo das residências, já que, por questões culturais, muitos brasileiros acabam jogando fora uma parte considerável de produtos alimentícios, seja por não saberem extrair deles toda a sua capacidade nutricional, seja por absoluto esbanjamento à mesa.

              Se não levarmos em conta esses dois extremos, o produtor e o consumidor, há no percurso entre eles ralos por onde escoa boa parte de tudo que é produzido nos campos brasileiros. Irônico é que apesar do consenso sobre a existência de perdas, não se tem a menor idéia sobre o seu real montante, que pode variar de dez a quarenta por cento da safra bruta, conforme a fonte de informação e a base de coleta de dados utilizada.

              Análise feita em 1954 já dava conta de uma margem de perda variando entre vinte e cinco e quarenta por cento do total de grãos produzidos, conforme o relatório O Problema da Alimentação no Brasil. Transpondo-se essa faixa de perda para a safra atual, de cerca de oitenta milhões de toneladas, teríamos perdidas entre vinte e trinta e dois milhões de toneladas. Tais números configuram um escândalo sem par neste País, sobretudo se considerarmos a multidão de brasileiros que mendigam um prato de comida em todos os recantos do território nacional.

              Para dar aos Nobres Pares a justa dimensão dessa verdadeira catástrofe nacional, relato o resultado de estudo da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, com base em dados colhidos pela Fundação João Pinheiro, de Minas Gerais, e pela Fundação Getúlio Vargas, em nível nacional. O citado estudo chegou à estimativa de que em 1992, num universo de vinte e oito produtos, as perdas agrícolas no Brasil foram de 1,6 bilhão de dólares em grãos, 3,8 bilhões em hortigranjeiros e 3,3 bilhões em frutas, perfazendo um total de 8,7 bilhões de dólares.

              Seriam dados surrealistas, não fossem uma triste realidade. Tal perda corresponderia a incinerarmos uma vez e meia a safra 96/97 de soja, que deve render 5,7 bilhões de reais aos produtores, conforme os números apresentados pelo jornal Folha de S. Paulo, no suplemento Guia Da Safra, do dia 25 de março último.

              No caso dos grãos, sabe-se que as perdas maiores ocorrem na colheita e armazenagem. Na colheita, devem-se principalmente à incorreta operação das colheitadeiras, pois os agricultores mecanizam suas propriedades, mas não regulam corretamente suas máquinas de acordo com as características do produto cultivado e do terreno no qual se dá o plantio. A qualificação da mão-de-obra para o manuseio eficiente dessas máquinas é quase inexistente, maximizando as perdas.

              É sobejamente conhecido o problema de armazenagem no País. Dispomos de capacidade certamente suficiente para estocar a safra. Contudo, boa parte do parque de armazéns não está adequada aos produtos a que se destina nem à região climática onde está implantada. Falta tecnologia de estocagem e controle da conservação dos produtos. Falta controle de estoques, vendendo-se produtos de safras recentes e deixando-se apodrecer a produção de safras mais antigas. A CONAB, Companhia Nacional de Abastecimento, declara-se equipada para exercer rígido controle sobre os estoques reguladores do governo. Mas e o resto de nossa safra? Não deveria o Governo exercer seu poder fiscalizador para garantir sua qualidade para o consumo interno e externo?

              O problema de perdas continua nas estradas de escoamento da safra. São rodovias mal conservadas ou precariamente construídas. São muitas vezes milhares de quilômetros que um produto deve percorrer, mal acondicionado, até chegar a seu destino, seja na cidade, seja no porto, seja no entreposto. São ferrovias mal conservadas e uma malha mal distribuída para atender ao escoamento da safra. São hidrovias sub-exploradas, quando se sabe que o Brasil é talvez o País do mundo melhor dotado desse modo de transporte, o mais barato entre todos.

              Quanto aos hortifrutigranjeiros, começamos a perdê-los na colheita inadequada. Retirados do campo de plantio, nem sempre são imediatamente acondicionados para comercialização, provocando perdas antes mesmo de embalados. Quando embalados, o são muitas vezes em caixas de madeira áspera, com peso líquido de vinte quilos, o que provoca o esmagamento das unidades colocadas na parte inferior das caixas. Chegados aos revendedores, boa parte se perde na hora da comercialização por manuseio inadequado nos estandes de exposição. Nesse estágio a perda só não é maior porque ainda temos muitos brasileiros que, por falta de recursos, são obrigados a irem aos mercados ao final do dia, colher o que vulgarmente chamamos de "xepa", ou seja, os produtos que, espalhados pelo chão, não serão mais comercializados, e seriam jogados ao lixo, não servissem eles para matar a fome desses marginalizados da sociedade.

              Se pudéssemos fazer um resumo de nossa produção agrícola, diríamos que somos verdadeiros mágicos, pois, apesar de perdermos muito nos descaminhos de nosso sistema, ainda produzimos o suficiente para fazer do produto agrícola nosso principal item de exportação.

              Não basta colocar dinheiro no sistema. É preciso dar-lhe sustentação e aumentar-lhe a produtividade.

              Não basta financiar a safra. É preciso investir em melhoria da capacitação de nossos produtores rurais.

              Não basta construir armazéns. É preciso que eles sejam implantados onde há efetiva demanda e onde se dá a expansão da fronteira agrícola. É preciso que sejam adequados aos produtos estocados e dotados de tecnologia e controle que garantam a qualidade e vida útil dos estoques.

              Não basta transportar do campo para a cidade ou para os portos. É preciso que o transporte seja seguro, ao preservar a qualidade do produto, por meio da rapidez de deslocamento, do adequado acondicionamento e da distribuição ágil.

              Desvendada a magnitude e a relevância da produção agrícola para um Brasil de cento e sessenta milhões de habitantes, não há como fugir da elementar constatação de que cabe ao Governo Federal o estabelecimento de uma política para o setor. Cabe-lhe estabelecer metas e meios de produção para curto, médio e longo prazos, dentro da visão estratégica de que a agricultura é uma questão de segurança nacional, e uma das alavancas do processo de desenvolvimento social e econômico deste País.

              Era o que tinha a dizer. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/1997 - Página 7927