Discurso durante a 39ª Sessão Especial, no Senado Federal

INSTALAÇÃO DO GOVERNO DE UNIDADE E RECONCILIAÇÃO DE ANGOLA, NO DIA 11 DE ABRIL. PAPEL DESEMPENHADO PELO BRASIL EM FAVOR DA PAZ E DA RECONCILIAÇÃO NACIONAL EM ANGOLA.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA EXTERNA.:
  • INSTALAÇÃO DO GOVERNO DE UNIDADE E RECONCILIAÇÃO DE ANGOLA, NO DIA 11 DE ABRIL. PAPEL DESEMPENHADO PELO BRASIL EM FAVOR DA PAZ E DA RECONCILIAÇÃO NACIONAL EM ANGOLA.
Publicação
Publicação no DSF de 16/04/1997 - Página 7800
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, POSSE, GOVERNO ESTRANGEIRO, POSSIBILIDADE, EFETIVAÇÃO, PAZ, PAIS ESTRANGEIRO, ANGOLA.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, SOLIDARIEDADE, BRASIL, DEFESA, PAZ, RECONCILIAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ANGOLA, PARTICIPAÇÃO, POSSE, GOVERNO.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não poderia deixar de me manifestar neste dia. Apesar de estar ainda pesarosa pela perda de minha irmã no domingo passado, o dever e a responsabilidade nos chamam e não podemos ficar calados. Este processo é natural: um dia teremos de deixar esta vida para entrar numa outra.

Todavia, quero manifestar-me, porque Angola está em festa. No dia 11 próximo passado, instalou-se o Governo de Unidade e Reconciliação em Luanda. Sabemos que os angolanos estiveram em guerra de 1975 a 1994. Em abril, o MPLA e a Unita, em acordo, conseguiram garantir a deposição das armas.

"A formação deste governo é mais um passo fundamental no longo e difícil caminho para a paz". Estas foram as palavras do Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, a todos os que ali estavam.

Angola sofreu muito. O antigo regime racista da África do Sul, que dava total apoio à Unita, e o abandono por parte de Portugal deixaram aquele país em situação extremamente difícil. Poucos se encorajaram a abraçar sua causa como um ideal de conquista de liberdade. Conforme afirmou o poeta Agostinho Neto: "Sob o troar dos canhões provenientes das fronteiras Norte e Sul do país e com os inimigos acerca de 15 quilometros da cidade de Luanda, o povo angolano içou a bandeira e se tornou independente e livre". Estas foram as palavras sábias de um poeta que se tornou o primeiro Presidente de Angola, um país rico em recursos minerais e agroindustriais e possuidor de 21 dos 27 recursos mais valiosos existentes na superfície da Terra.

Em Angola, os resultados da guerra levaram à morte meio milhão de pessoas, mais de 300 crianças mortas por dia, 4 mil mortos por mês. A economia daquele país ficou em pedaços, mas o povo resistiu com bravura a todo esse período de dificuldades e não abandonou o ideal de construir uma nação livre e soberana, justa.

Angola é hoje a imagem da primeira grande esperança, cheia de promessas adiadas e viverá em paz. Tenho certeza de que esse acordo trará as possibilidades necessárias para que se dê fim ao sofrimento que toda aquela população padeceu. O MPLA e a Unita nos provaram que é possível, quando há entendimento, conquistar-se a paz.

Eu não poderia deixar de ressaltar o orgulho que tenho do papel que o Brasil desempenhou em favor da paz e da reconciliação nacional em Angola. Nossa participação não se restringiu apenas ao envio de contingentes militares para assegurar o cumprimento do Acordo de Lusaka, nem a outras iniciativas diplomáticas. Acredito que influenciou muito a identidade étnica e cultural e a complementaridade econômica que fazem do Brasil e África parceiros naturais do desenvolvimento.

Historicamente, falta ao Brasil uma política mais ousada na área comercial em relação ao continente africano. Poderíamos dizer que nessa parceria internacional não fomos capazes, por exemplo, de fazer com que nossa indústria de turismo aproveitasse melhor a relação cultural com os países africanos. Mas este País tem uma vocação natural para o turismo e, assim, o estreitamento dessas relações poderia ajudar economicamente tanto o Brasil como os países africanos. Estamos convencidos de que podemos priorizar a relação comercial com países africanos, não só por conta da relação estreita cultural e racial que temos, mas também pela necessidade econômica de ampliar nossa parceria e de fazer justiça social.

A causa angolana sensibilizou a sociedade brasileira, comprovando que nada supera a dimensão humana como fator de aproximação e amizade entre os povos.

Angola e Brasil não são apenas irmãos de causa e de valores, são irmãos de sangue e de cor. Desde o nascimento do Brasil, vindo das costas da África, o negro tem contribuído de forma insubstituível, embora não devidamente reconhecida, para o desenvolvimento econômico e a formação espiritual de nossa Pátria. O negro, com trabalho e sofrimento, formou este País. Negro em Angola e negro no Brasil. Realidades aparentemente distintas, problemas no mais das vezes comuns. Aqui e lá, buscam-se superar dificuldades históricas, na luta pela auto-afirmação. Aqui e lá, procura-se construir uma nova sociedade, igual em oportunidades e aberta à participação de todos. Aqui e lá, espera-se fazer do negro cidadão pleno, respeitado e perfeitamente integrado em uma sociedade que não o discrimine. As afinidades históricas, somadas à percepção de problemas comuns, favorecem a crescente solidariedade entre brasileiros e angolanos.

Em nome dessa solidariedade, esperamos que a participação brasileira na posse do novo Governo de Luanda represente o primeiro passo para o estabelecimento de uma verdadeira parceria entre os dois países. A paz, condição primeira dessa parceria, foi finalmente alcançada.

O Brasil tem muito a oferecer em termos de cooperação educacional, técnica e científica. Pode contribuir na formação de funcionários públicos qualificados, no oferecimento de consultoria para programas nas áreas sociais e para projetos de desenvolvimento. O Governo brasileiro poderá, ainda, incentivar a participação do empresariado nacional na ampla tarefa de reconstrução que necessariamente será empreendida pelo Governo angolano.

Oferecer ajuda a Angola é um imperativo ético para o Brasil e um modo de começar a saldar a enorme dívida social que tem para com os milhões de descendentes de africanos que formam a sociedade brasileira. Contribuição necessária, é certo, mas não suficiente, porque continuaremos a exigir de nosso Governo políticas concretas de resgate da cidadania no âmbito interno.

O momento, contudo, é de alegria. Todos devemos comemorar o renascimento de nosso país irmão. É com esse espírito de celebração que ocupo hoje a tribuna desta Casa: a fim de enviar ao povo angolano uma mensagem de fé e de otimismo na construção do tão sonhado país, pois esse é o justo reconhecimento pelo esforço de uma nação que tão bravamente lutou pela auto-determinação.

Sr. Presidente, peço que este meu pronunciamento seja registrado na íntegra, tendo em vista que devo estar presente, neste momento, à Comissão de Educação.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/04/1997 - Página 7800