Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM A POLITICA FUNDIARIA BRASILEIRA. MATURIDADE DEMOCRATICA DO PAIS COM A CHEGADA A BRASILIA DA MARCHA DO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA, EM LUTA PELA IMPLANTAÇÃO DA REFORMA AGRARIA.

Autor
Gilvam Borges (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: Gilvam Pinheiro Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • PREOCUPAÇÃO COM A POLITICA FUNDIARIA BRASILEIRA. MATURIDADE DEMOCRATICA DO PAIS COM A CHEGADA A BRASILIA DA MARCHA DO MOVIMENTO DOS SEM-TERRA, EM LUTA PELA IMPLANTAÇÃO DA REFORMA AGRARIA.
Publicação
Publicação no DSF de 18/04/1997 - Página 8000
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • DEFESA, ALTERAÇÃO, ORGANIZAÇÃO FUNDIARIA, REFORMA AGRARIA, OBJETIVO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, DEMOCRACIA, CAPITALISMO.
  • ANALISE, CONFLITO, INTERESSE, SEM-TERRA, PROPRIETARIO, LATIFUNDIO, ELOGIO, ATUAÇÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA, OBJETIVO, ASSENTAMENTO RURAL, REFORMA AGRARIA, PUNIÇÃO, CRIME, CAMPO.
  • ANALISE, ATUAÇÃO, GOVERNO, CONGRESSO NACIONAL, MINISTERIO PUBLICO, AGILIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, EXPECTATIVA, NEGOCIAÇÃO, CHEGADA, MARCHA, SEM-TERRA, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF).

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srs. Senadores, um dos aspectos da realidade brasileira atual, que permite ao observador de boa-fé uma expectativa positiva em relação à sua evolução recente, é o da nossa política fundiária.

Tradicionalmente atrasado nessa matéria, com uma concentração de terras espantosa, excluindo do acesso a uma gleba para sobrevivência milhões de pessoas, que, tangidas pela fome, superlotam suas capitais, o Brasil parece assistir, na atual administração, a uma tentativa séria de reversão desse quadro sinistro.

E já não é sem tempo: segundo o Atlas Fundiário Brasileiro, as terras improdutivas no País correspondem a 62,4% das propriedades rurais, e 2,3% das fazendas têm mais de 50% das terras disponíveis.

Uma coisa é certa: nenhuma nação próspera do mundo alcançou grau considerável de desenvolvimento econômico sem a democratização da propriedade agrícola.

Os Estados Unidos da América, com a famosa "Lei da Terra", no século passado, oferecia gratuitamente determinado número de acres a que se dispusesse a colonizar o oeste do seu território.

Na França, a estrutura fundiária vigente, baseada em pequenas e médias propriedades, é herança imediata da Revolução Francesa há mais de dois séculos.

Na Alemanha, o distributivismo agrário é ainda mais antigo, quase medieval, tem mais de três séculos.

O Japão fez sua reforma agrária após a Segunda Guerra Mundial, simultaneamente ao seu rápido processo de industrialização.

Portanto, o enfrentamento da questão fundiária é pressuposto necessário não só para o desenvolvimento econômico e industrial, mas, principalmente, para a consolidação do regime democrático, que não se coaduna com o sistema aristocrático e semifeudal de controle das terras agricultáveis.

Não se trata, assim, a reforma agrária de medida de caráter coletivista ou socializante, mas, antes, de pré-requisito para a expansão dos mercados, própria do modo capitalista de produção.

Não é possível, porém, no caso da repartição e uso racional do estoque de terras inexploradas no País, esperar fazer omelete sem quebrar ovos.

É claro que a cristalização secular dos interesses em conflito, ameaçada com qualquer projeto de mudança do status quo, tende a acirrar os ânimos e a desencadear a violência.

De um lado da disputa pela terra estão os despossuídos, a quem não resta alternativa senão a afirmação do seu interesse por uma gleba, como parte integrante do seu direito à vida e do seu direito a não morrer de fome. De outro, grandes latifundiários a especular com imensas extensões de terra, a título de mera reserva de valor, sem qualquer consideração pelo papel social da propriedade, exigido pela Constituição Federal como principal requisito legitimador desse direito.

Recentemente, as dezenas de mortos nos incidentes de Corumbiara e Eldorado dos Carajás testemunharam a gravidade das tensões no campo. Entretanto, essa situação dramática e conflitiva vem tendendo a encontrar, senão uma solução definitiva e ideal, mas, pelo menos, um estuário de entendimento e de possibilidade de paz negociada.

Pode-se dizer que as partes em conflito e o Governo, nesse momento, no mínimo, atingiram um grau de maturidade que tem possibilitado significativos avanços em relação à tão almejada reforma agrária.

Um dos fatores altamente positivos a balizar o assunto é o papel do MST e de seus aliados nacionais e internacionais, inclusive a Igreja, como elemento dinamizador do processo de reforma fundiária, num movimento dialético, que compreende, ao mesmo tempo, pressão e reforço aos setores mais progressistas e sensíveis do Governo, afetos à questão.

As iniciativas do MST, combinando desde invasões, quando necessário, de latifúndios improdutivos, passando pela mobilização da opinião pública interna e externa e indo até pacientes negociações com órgãos governamentais, têm sido a alma dessa nova e mais eficiente abordagem de tema historicamente tão explosivo.

Acumulando forças, através de todo esse criativo repertório tático, chega agora o movimento a culminar sua luta com a Marcha sobre Brasília, a ter lugar hoje, dia 17 de abril, com caravanas provenientes de todo o País, mobilizando milhares de trabalhares sem terra.

E suas reivindicações não poderiam ser mais justas e oportunas. Querem apenas, como adianta o Sr. José Rainha Júnior, um dos seus líderes:

1 - assentar imediatamente todas as famílias de sem-terra acampadas;

2 - obter a liberação de recursos suficientes para viabilizar os assentamentos e

3 - punir os assassinos dos trabalhadores e os seus mandantes.

Tal condução lúcida e corajosa do movimento tem valido ao MST um invejável prestígio, tanto na comunidade internacional, que se engaja na luta por meio não só das ONGs como de organismos oficiais e até do próprio Vaticano, através do Papa, quanto da comunidade nacional, que se manifesta a seu favor com índices de aprovação de 80 a 90% dos entrevistados das principais capitais brasileiras.

Do lado do Governo Federal, é bom também que se registre que a resposta tem sido das mais animadoras, não obstante o recurso eventual à violência, nem sempre atribuível às forças da União e sim, muitas vezes, a alguns Estados e, principalmente, às milícias mantidas pelos fazendeiros.

Não é possível se negar, porém, que mais de 100 mil famílias foram assentadas nos últimos dois anos, numa área equivalente a 3 milhões de hectares, quando nos nove anos anteriores só se conseguiram assentar 145.000 famílias.

Além disso, o aumento seletivo e substancial do Imposto Territorial Rural (ITR), onerando pesadamente a propriedade improdutiva e o latifúndio com taxas anuais de até 20% do valor da propriedade, e a adoção do Rito Sumário para a imissão de posse das terras desapropriadas têm tido um papel decisivo na redução das injustiças no setor agrário.

A par disso, o Governo, na pessoa do Ministro Raul Jungmann, tem a seu crédito a criação do Projeto Lumiar, programa de qualidade e produtividade nos assentamentos, iniciativa que, além de melhorar a qualidade de vida das famílias beneficiadas, vai evitar que o trabalhador assentado passe a terra adiante.

O Ministério Extraordinário de Política Fundiária fez também publicar o primeiro Atlas Fundiário Brasileiro, revelando o perfil da concentração de terra no País e o primeiro Censo da Reforma Agrária, levantamento em todo o Brasil, envolvendo 1.700 estudantes universitários para contabilizar quanto são e onde estão os milhares de trabalhadores rurais beneficiados pelos projetos de assentamento do Ministério.

A atuação obrigatória do Ministério Público na lides judiciais envolvendo conflitos fundiários tem, igualmente, ajudado a inibir o uso da violência no campo.

Assim, no instante em que o MST chega a Brasília, impulsionado por sua luta coerente e humanista de redenção do trabalhador rural, para exigir mais rapidez na condução da reforma agrária, é preciso que o Governo possa, controlando os seus segmentos mais conservadores, assimilar, como tem feito, as legítimas demandas do movimento e usá-las como incentivo e combustível para maiores avanços nessa matéria de interesse nacional e repercussão internacional.

Há, portanto, e felizmente, a meu ver, razões para estar otimista e acreditar no entendimento de alto nível entre todos, mas que respeite e tenha como centro as necessidades sentidas da base social, representada, no caso, pelo MST e seus aliados, que interpretam, em última análise, o sentimento de toda a sociedade brasileira progressista e responsável pelos destinos do País.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sem sombra de dúvida, hoje vivemos um momento histórico. Há muito o País deveria ter iniciado a discussão sobre a questão da reforma agrária. Na verdade, esses milhares de trabalhadores, despossuídos, sem esperanças, sem perspectivas merecem essa atenção especial que - não podemos negar, é fato - estão tendo. Por outro lado, a organização do Movimento dos Sem-Terra tem procurado o diálogo, tem procurado fazer um trabalho correto.

Hoje, estamos vivendo um dia de festas. Há muita gente apreensiva com esse movimento na Capital da República. Eu sempre disse: "vocês vão ver que beleza de festa democrática! Sem armas, sem violência". Congratulo-me com o Movimento dos Sem-Terra, com o Ministro Jungmann, que se esforçou, e com o Presidente Fernando Henrique, que abre as portas do seu gabinete, já com algumas propostas concretas, para receber as lideranças desse Movimento, que marcham por reivindicações justas. Nós, como legisladores do Congresso Nacional, deveremos estar abertos. Hoje será um dia de festa, com certeza absoluta. Portanto, manifesto minha alegria em ver essa fantástica e impressionante demonstração de maturidade democrática.

Há pouco tempo fui a Angola. Vi milhares de mutilados, vi facções brigando pelo poder há mais de 60 anos; vi sangue derramado, miséria total; vi um país sem muitas perspectivas. Por outro lado, vejo o meu País maduro, fortalecendo-se cada vez mais e vejo os pilares da sua democracia cada vez mais fortes.

A todos esses brasileiros que chegaram a Brasília para fazer suas reivindicações envio minhas boas-vindas e as minhas congratulações, como Senador do Estado do Amapá.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/04/1997 - Página 8000