Discurso no Senado Federal

RESSALTANDO O LADO POETICO DA MARCHA DOS SEM-TERRA SOBRE BRASILIA. NECESSIDADE DA REFORMA AGRARIA. POESIA DE MARCIO ABIP, INTITULADA 'A MARCHA'. 'MANIFESTO DA MARCHA'. E 'MARCHA DOS SEM-TERRA'.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • RESSALTANDO O LADO POETICO DA MARCHA DOS SEM-TERRA SOBRE BRASILIA. NECESSIDADE DA REFORMA AGRARIA. POESIA DE MARCIO ABIP, INTITULADA 'A MARCHA'. 'MANIFESTO DA MARCHA'. E 'MARCHA DOS SEM-TERRA'.
Publicação
Publicação no DSF de 18/04/1997 - Página 8004
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • ANALISE, MARCHA, SEM-TERRA, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), DIFICULDADE, ESFORÇO, PARTICIPANTE, SOLIDARIEDADE, POPULAÇÃO.
  • LEITURA, REGISTRO, ANAIS DO SENADO, OBRA LITERARIA, POETA, MANIFESTO, AUTORIA, SEM-TERRA.
  • REGISTRO, CARACTERISTICA, DEMOCRACIA, REIVINDICAÇÃO, REFORMA AGRARIA, JUSTIÇA, EMPREGO, EXPECTATIVA, DIALOGO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, SEM-TERRA.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pareceria desnecessário manifestar-me a respeito da marcha dos Sem-Terra depois de tantos oradores que o fizeram brilhantemente, começando pelo Senador Eduardo Suplicy.

Quero crer que esse movimento também tem o seu lado poético, o qual expressa o sentimento que todos os seus integrantes trouxeram para o Distrito Federal.

Sabemos que, para quem está caminhando, não é nada fácil: os pés enchem de bolhas, as pernas estão doídas e a mudança de clima constitui um problema; para quem é de outras regiões, o próprio sol, batendo em sua pele clara, queima-a. Mas, para os participantes dessa marcha, esses elementos são insignificantes diante do objetivo maior que têm em relação à reforma agrária.

Nós nos arrepiamos quando vemos as pessoas saudando, acenando-lhes quando estão passando pelas cidades. Eles também têm esse mesmo sentimento e acabam esquecendo a sede, a fome e as dores nos pés, como foi dito por uma senhora que participava da marcha.

É importante ressaltar a solidariedade da população, seja doando alimentos, fornecendo infra-estrutura ou acenando em apoio à marcha. Nas cidades, as populações recebem os participantes com lágrimas nos olhos e vão visitá-los nos acampamentos para conhecerem esses homens, mulheres e crianças que resolveram encarar mais de mil quilômetros de estrada, rumo a Brasília, e que falam tanto em luta pela terra.

Queria ressaltar que a reforma agrária é uma necessidade para o trabalhador, tanto para o do campo, como para o da cidade. O Brasil é o segundo país com a maior concentração de terras do mundo e a verdadeira reforma agrária deve-se inserir num projeto global de um Brasil com menos desigualdades, sem injustiças sociais, com a possibilidade de todos terem um lugar para viver e para trabalhar.

Nesse contexto, a reforma agrária é eficaz e fecunda, como a água que está, neste momento, molhando a terra - sabemos que está chovendo - e fecundando o chão. Parece que os céus abrem-se para receber os sem terra, que estão abrindo caminhos de condições dignas de trabalho para muitas pessoas, harmonizando o relacionamento econômico e social.

Com essa mobilização social, Senador Bernardo Cabral, decorrente do êxito dessa marcha, precisamos transformar a aparente unanimidade que agora vivemos em torno da reforma agrária em projetos concretos de modificações da estrutura fundiária e das obrigações sociais do capital em nosso País.

Os agricultores sem terra que, neste momento, encontram-se em Brasília, trazem consigo mais que mãos calejadas pelo duro trabalho ou a pele curtida pelo sol. Com seus pés andarilhos caminha a esperança de milhões e milhões de brasileiros em luta por um pedaço de terra e por dignidade.

Neste dia, vamos fazer ecoar por todos os cantos o grito por Reforma Agrária, Emprego e Justiça!

Neste momento, nada expressa melhor os anseios dos manifestantes e da sociedade brasileira que a bela poesia denominada "A Marcha", cuja autoria é de Márcio Abip, de São Miguel do Oeste, Santa Catarina, e o "Manifesto da Marcha", um documento da Marcha Nacional pela Reforma Agrária, Emprego e Justiça, que registro nos Anais do Senado Federal, como forma de solidariedade aos manifestantes presentes aqui em Brasília.

      "A MARCHA"

      "Marchar é preciso

      porque calar frente à miséria

      é medo de gente de horizonte pequeno.

      Marchar é preciso...

      frente a estupidez

      da fome, da agonia

      de ver seu semelhante morrendo,

      Atravessar o país...

      remover as cercas

      as fronteiras e as desigualdades,

      respeitar as diferenças...

      faz-se absolutamente necessário.

      Que o canto à vida se renove.

      Que nossa utopia espalhe-se

      como sementes do hoje e do amanhã

      plantadas com mão da esperança.

      Que nenhuma cerca resista,

      seja de arame e de madeira,

      seja de idéias.

      Que nenhuma fronteira exista,

      seja de marco,

      seja de cimento,

      cor, crença...

      Que separe gente de gente

      irmão de irmão."

Isso está sendo dito, isso está sendo cantado pela marcha dos sem terra.

Mas quero destacar que houve uma preocupação por parte do Poder Executivo de que essa marcha trouxesse um rebuliço ou uma desordem tão grande que Brasília poderia necessitar de todos esses policiais que foram destacados para ocupar cada um de nossos cantos, já que aqui quase não se fala em esquina, para dar segurança aos manifestantes.

Por isso fiz, no meu pronunciamento, questão de identificar o lado poético dessa manifestação, que fala também dos pés cansados e descalços, do sentimento político desse movimento, independentemente de qualquer partido político que pense poder aparelhar uma manifestação como essa. Não existe isso, porque o Movimento dos Sem-Terra não permitiria.

Eles criaram os seus parceiros: os sem-teto, os sem emprego, os assalariados, aposentados, homens e mulheres, todos os excluídos que se agregaram a essa grande marcha, porque ela extrapolou, pois já não se trata apenas de uma reivindicação para a reforma agrária, mas sim de uma denúncia e de um compromisso que esse movimento está assumindo de também liderar, conseqüentemente, um debate necessário no sentido de que caminhos seguirá a nossa economia e quantos seremos, socialmente falando, abandonados por ela?

Esse movimento mexe com os nossos sentimentos. Tenho certeza que é um democrata o nosso Ministro da Reforma Agrária. S. Exª compreendeu, compreende e compreenderá que esse não é um movimento isolado. Não é ideologicamente ligado a uma vertente, mas sim um movimento de grande manifestação democrática e de cidadania. Por isso, tenho certeza de que os entendimentos virão e que teremos uma reforma agrária, porque isso cabe ao Chefe maior desta Nação, ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, que amanhã receberá os coordenadores do Movimento dos Sem-Terra. Acredito que, talvez, cada um esteja pensando que o outro deva ter um projeto pronto e acabado para que a reforma agrária se faça aqui e agora. Temos a certeza que ambos não têm. O Governo, por mais que tenha investido, não tem um projeto pronto e acabado para solucionar a questão da reforma agrária. O Movimento dos Sem-Terra também sabe que a proposta da reforma agrária não é uma solução pronta e acabada, não é apenas doando a terra que estarão resolvidos todos os problemas. Portanto, há a necessidade de se sentarem, de conversarem, porque o diálogo é o forte instrumento desse momento. Que amanhã, após a conversa, possam sair com uma estratégia respaldada pelos demais segmentos da sociedade, que estão aqui pretendendo que o Governo Federal pregue a reforma agrária com a mesma prioridade dada à estabilidade da economia brasileira e às reformas do Governo. Que seja também prioritária a reforma agrária!

Essa marcha, além de ser poética, também é altamente política.

Quero crer que aquelas pessoas que estão participando dessa marcha depositaram o seu voto, com confiança, no Presidente da República, na esperança de que Sua Excelência fizesse valer essa grande reivindicação. Por isso, não se trata de uma questão de oposição de um movimento radicalizado, nem tampouco de um outro grupo qualquer. É, pura e simplesmente, para se fazer cumprir os compromissos assumidos durante a campanha eleitoral. O Presidente da República deve dizer que assumiu um compromisso com a reforma agrária e que não quer terminar o seu mandato sem fazê-la. Essa é a palavra de um cidadão que conhece, não apenas, como sociólogo, mas como representante que foi, praticamente, dos Três Poderes, e sabe da necessidade da reforma agrária. A reforma agrária não traz só a paz no campo; ela traz a felicidade à Nação; ela traz a tranqüilidade aos centros urbanos.

Concluo, Sr. Presidente, pedindo que o meu pronunciamento seja registrado na íntegra, assim como o Manifesto dos Sem-Terra, que diz:

      "Somos o povo que há anos luta pela Reforma Agrária, fazendo ocupações de terra, manifestações, caminhadas... em busca de um pedaço de chão para plantar e de melhores condições de vida para todos.

      São muitos anos de teimosia, de resistência, de conflitos, de conquistas e de incansável caminhada."

Sr. Presidente, quero aqui recitar a poesia de José Gonçalves, que me chamou a atenção durante essa trajetória dos sem-terra.

      "Que mundo é esse

      Que não entendo

      Quem trabalha mais

      É quem ganha menos

      Em algumas mesas

      Está sobrando pão

      Enquanto muitos irmãos

      De fomes estão morrendo.

      O pobre

      Sempre mais pobre

      Desespero que situação

      Enquanto o dinheiro

      Está nas mãos

      De quem dirige a Nação.

      Que mundo é esse

      Que não entendo

      Quem trabalha mais

      É quem ganha menos

      Em algumas mesas

      Está sobrando pão

      Enquanto muitos irmãos

      De fomes estão morrendo.

      Os poderosos

      Não ouvem pobres

      É tanta mordomia

      Buscando bens materiais

      Não se lembram mais

      Se foram pobre um dia.

      Que mundo é esse

      Que não entendo

      Quem trabalha mais

      É quem ganha menos

      Em algumas mesas

      Está sobrando pão

      Enquanto muitos irmãos

      De fomes estão morrendo.

      Sem terra

      E sem teto

      Vivem de agonia

      Buscando a terra prometida

      Porém são esquecidos

      De quem elegeram um dia.

Era isso que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/04/1997 - Página 8004