Discurso no Senado Federal

MARCHA DOS SEM-TERRA SOBRE BRASILIA, EM DEFESA DA REFORMA AGRARIA.

Autor
Junia Marise (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MG)
Nome completo: Júnia Marise Azeredo Coutinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • MARCHA DOS SEM-TERRA SOBRE BRASILIA, EM DEFESA DA REFORMA AGRARIA.
Publicação
Publicação no DSF de 18/04/1997 - Página 8008
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • REGISTRO, DECLARAÇÃO, GOVERNO, FALTA, RECURSOS, REFORMA AGRARIA, CONTRADIÇÃO, EXCESSO, GASTOS PUBLICOS, PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (PROER).
  • CRITICA, FALTA, ATENÇÃO, GOVERNO, POLITICA SOCIAL.
  • ANALISE, DIMENSÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA, MOBILIZAÇÃO, MARCHA, SEM-TERRA, EXPECTATIVA, EFEITO, REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA.

A SRª JÚNIA MARISE (BLOCO/PDT-MG. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não desejo ocupar esta tribuna para fazer nenhum apelo ao Presidente da República, nem tampouco trazer nenhuma receita mágica para o Presidente da República, a fim de que Sua Excelência faça o que precisa ser feito para o nosso País, a começar pela reforma agrária. Até porque, Sr. Presidente, Srs. Senadores, o Presidente Fernando Henrique Cardoso já escreveu e já falou muito, inclusive desta mesma tribuna, como Senador, sobre os problemas sociais mais graves do nosso País, fazendo abordagens, as mais extensas e as mais eloqüentes, do seu ponto de vista, do passado, sobre os graves problemas que afligem a maioria do povo brasileiro. Por exemplo, Fernando Henrique já falou muito sobre reforma agrária, chegando a exigir providências enérgicas e imediatas das autoridades de então. Ele sempre reafirmava isso alto e bom som. Quantas vezes assumiu esta tribuna como Senador da República, e nós ouvindo a voz eloqüente do Senador e Sociólogo exigindo mudanças, reparações, propostas e projetos para o nosso País.

Foi assim que conheci Fernando Henrique Cardoso, antes de ser Senador, sempre vendo o político na trincheira da resistência democrática, pregando liberdade, democracia, contra os atos institucionais e contra as cassações. Foi assim que o conheci. E também foi assim que com ele convivi durante quatro anos; eu, nos primeiros quatro anos de meu mandato de Senadora, e ele, nos quatro últimos.

Portanto, não estou aqui para trazer nenhuma receita nem fazer nenhum pedido ao Presidente da República. Ele sabe exatamente aquilo que precisa ser feito.

Hoje o escritor José Saramago fez uma afirmação extremamente feliz, entre tantas que tem feito, sobre este momento histórico da vida do nosso País. Disse ele: "Hoje o Brasil chegou a uma esquina, e é preciso dobrar esta esquina." Com essa afirmação, este escritor português exorta o nosso País, o Governo e o povo a dobrar a esquina, porque chegou o momento de assumir uma posição diante do mundo, em razão deste fato, deste marco histórico, como diz Celso Furtado ao fazer seu diagnóstico sobre o Movimento dos Sem-Terra em nosso País.

É preciso dobrar a esquina. Para tanto, o Governo não pode lidar com números.

Recentemente, o Governo dizia que, para fazer a reforma agrária, precisaria de U$20 mil por família. Isso onera os cofres públicos, o Governo não tem tanto dinheiro assim, por isso se sente incapaz de realizá-la.

Alguns dias depois, o Governo diz que para fazer a reforma agrária precisaria de U$40 mil para fazer o assentamento de cada família. Por isto tinha dificuldade de executá-la: por falta de recursos do Tesouro Nacional.

Agora, nos últimos três dias, com este movimento que tomou conta do nosso País e que chegou ao seu clímax com a chegada dos sem-terra a Brasília, recebidos por toda a sociedade e aplaudidos pelo povo, o Governo diz, mais uma vez, que para cada assentamento serão necessários US$80 mil.

Ora, Sr. Presidente, nós não pretendemos discutir números e valores com o Presidente da República. Se fôssemos entrar nesse processo de discussão teríamos muitas e muitas razões para justificar o nosso entendimento sobre a necessidade urgente de o Governo aplicar recursos do Tesouro para fazer a reforma agrária, haja vista ter investido quase 16 bilhões de reais para cobrir o rombo do sistema financeiro. Destes, quase 6 bilhões foram para o Banco Nacional, que teve a especial atenção do Chefe do Executivo, para tapar a fraude dessa instituição financeira. Agora, mais uma vez, o Proer está a socorrer outro Banco do sistema financeiro que acaba de sofrer intervenção do Banco Central e que teve a sua "parte boa" vendida a um grupo financeiro internacional.

Mesmo com todas essas razões já conhecidas pela opinião pública de nosso País, mesmo que fossem discutidos números e valores para a realização da reforma agrária neste País, certamente não chegaríamos a qualquer conclusão. O que é necessário, neste momento, é olhar para as razões deste movimento. Como tantos Senadores e Deputados, estivemos pela manhã recebendo os trabalhadores sem terra e pudemos percorrer a Esplanada dos Ministérios até a rodoviária, conversando com alguns deles. Tivemos a oportunidade de perguntar a um deles, já de cabelos brancos, o que esperava depois de ter percorrido quase mil quilômetros para chegar a Brasília. Disse-me que esperava realizar o sonho de ter uma terrinha e, junto com sua mulher e filhos, plantarem, para depois morrer em paz e ter a consciência tranqüila de deixá-la para seus filhos e netos. Quando perguntei a um jovem o que esperava receber em Brasília, depois de andar tantos quilômetros a pé, apesar do entusiasmo natural da juventude, ele me disse: "Penso que não vou voltar para casa com o problema da reforma agrária resolvido, mas tenho a certeza de que estou cumprindo com o meu dever, o dever que a minha geração e a geração de todos que aqui estão participando conosco certamente desejam deixar para a história deste País."

São esses exemplos e essas manifestações que me trazem a esta tribuna mais uma vez. O Senador Pedro Simon dizia há pouco que certamente nós não estamos desejando resolver o problema da reforma agrária. Não é este o nosso sentimento, porque acreditamos que o Governo, que tem todas as condições, porque é dono do Tesouro e tem a caneta na mão, é o responsável por este momento histórico que o País está vivendo. Certamente cabe a ele, neste momento, dizer ao Brasil que o seu Governo vai assumir a responsabilidade histórica de promover a revolução social da reforma agrária no nosso País.

Ontem, nesta tribuna, referi-me a uma afirmativa de um comentarista de televisão, que dizia que o problema da reforma agrária vem de 500 anos. É verdade. Esse problema vem desafiando há longo tempo a nossa história, mas desemboca hoje, certamente, como uma grande manifestação social que abriga os segmentos descontentes da nossa sociedade, como os desempregados, os servidores públicos e, principalmente, aqueles que, nesses últimos dois anos, têm sido marginalizados e estão hoje oprimidos por essa política neoliberal que atende sobretudo aos interesses subalternos, deixando de atender às prioridades sociais do nosso País.

Quero dizer mais uma vez, Sr. Presidente, que esta é a grande marca da transformação social. Ao analisarmos esses dois anos de Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, observamos que Sua Excelência certamente tem tido a oportunidade de muitos ganhos e vitórias. No Congresso Nacional, o Presidente da República conseguiu impor a aprovação de reformas constitucionais que lhe valeram a quebra dos monopólios estatais, como o das telecomunicações, da Petrobrás, da navegação de cabotagem, do princípio da empresa nacional. Conseguiu também, legislando em causa própria, a aprovação da proposta da reeleição.

Nesses dois anos, este Governo está recebendo as vitórias que o Congresso Nacional tem lhe dado, não por unanimidade, mas pela maioria que o apóia. Exatamente pelas vitórias alcançadas e pelas propostas autoritárias que tem aprovado no Congresso Nacional, o Presidente da República dá as costas, às vezes ou na maioria das vezes, fazendo de conta que está governando para a sociedade e para o nosso povo.

Por que não resolveu até hoje os problemas da saúde e da educação? Por que não dá a esses problemas a mesma atenção que deu ao seu projeto de reeleição, ao seu projeto de reforma administrativa e da Previdência? Por que não demonstra a mesma sensibilidade com os quase 15 milhões de pessoas desabrigadas neste País, sem um teto para abrigarem suas famílias?

Onde está a preocupação de um governo que se diz pautado e sedimentado na socialdemocracia, cuja essência é privilegiar os segmentos marginalizados da nossa sociedade, colocados no olho da rua, em face de uma política opressora que os impede de ter acesso ao emprego? Onde está o princípio da socialdemocracia, que determina àqueles que a integram ou governam que, em primeiro lugar, deve-se olhar para o povo e, em segundo, estabelecer os princípios e privilégios daqueles poucos que representam a nossa sociedade?

É por isso, Sr. Presidente e Srs. Senadores, que quero manifestar o sentimento de que haveremos, sim, de realizar a reforma agrária neste País; de que haveremos de fazer o assentamento de milhares e milhares de trabalhadores, acima de tudo fazendo a reforma agrária, porque está começando, aqui e agora, em Brasília e em todo o País, a maior revolução social dos últimos tempos e que irá impulsionar, tenho certeza, para o grande desfecho de uma realidade para qual nem o Presidente da República, nem este Governo conseguirá desviar a sua atenção e a sua determinação.

Tem razão o escritor português José Saramago: "O Brasil chegou na esquina; é preciso dobrar a esquina." E dobrar a esquina significa determinar os rumos que este País precisa tomar, daqui para a frente, para resgatar o marco histórico dessa revolução social que está sendo feita hoje em todo o Brasil pelos trabalhadores simples, de mãos calejadas, que têm como armas ou força de trabalho apenas as suas mãos e suas enxadas.

Haveremos, sim, de fincar esse marco histórico porque a sociedade exige, a opinião pública assim já o determinou. Caberá agora àquele que foi eleito pelo povo para ser o Presidente do Brasil aceitar essa determinação da nossa sociedade, cuja exigência é determinar a reforma agrária para o nosso País.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/04/1997 - Página 8008