Discurso no Senado Federal

AUSENCIA DE VONTADE POLITICA PARA A CONCRETIZAÇÃO DA REFORMA AGRARIA.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA. LEGISLATIVO.:
  • AUSENCIA DE VONTADE POLITICA PARA A CONCRETIZAÇÃO DA REFORMA AGRARIA.
Aparteantes
Elcio Alvares, Geraldo Melo, Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 23/04/1997 - Página 8241
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA. LEGISLATIVO.
Indexação
  • CONGRATULAÇÕES, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PROPOSTA, DESIGNAÇÃO, COMISSÃO, PARTICIPAÇÃO, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA, ENTIDADE, DISCUSSÃO, PROBLEMA, REFORMA AGRARIA.
  • ANALISE, CRITICA, OMISSÃO, FALTA, VONTADE, NATUREZA POLITICA, CONGRESSO NACIONAL, ALTERAÇÃO, APERFEIÇOAMENTO, LEGISLAÇÃO, GARANTIA, REFORMA AGRARIA, EMPREGO, JUSTIÇA SOCIAL, PAIS.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todos sabem do carinho e do respeito que tenho pelo ilustre Senador que acaba de sair da tribuna. Trata-se de um homem da maior competência, da maior seriedade.

Houve ocasião em que fui Governador no mesmo período que S. Exª - ele, governando numa região bem mais acima, no Rio Grande do Norte; eu, bem mais embaixo, no Rio Grande do Sul -, quando S. Exª pertencia ao nosso velho e querido PMDB. Agora, S. Exª também subiu os degraus, está no PSDB, o Partido da fama e do poder. Mas não consegui entender o pronunciamento do meu querido Senador; sinceramente, não consegui compreendê-lo!

Tem-se que cumprir a lei? Tem-se que cumprir a lei. Tem-se que cumprir a Constituição? Tem-se que cumprir a Constituição. Tem-se que respeitar o direito de propriedade? Sim, tem-se que respeitar o direito de propriedade. Então, vamos cumprir a Constituição, que diz que todos são iguais perante a lei; vamos cumprir a Constituição, que diz que o direito à saúde é universal; vamos cumprir a lei, que diz que o salário mínimo deve dar condições de o trabalhador e sua família viverem com dignidade. O direito de propriedade existe, e ninguém, nem o Presidente, pode tocar nesse direito.

Estamos aqui para lutar por ele? Tudo bem, mas também estou aqui para lutar por um salário mínimo justo; também estou aqui para lutar para que os direitos das pessoas sejam iguais; estou aqui para lutar por aquilo que disse o Líder do Governo há poucos instantes: que reuniu 32 jovens em sua casa, inclusive seus filhos, para debaterem e S. Exª saber o que eles acharam que aconteceu com aqueles jovens que provocaram a morte daquele índio.

A primeira causa chama-se impunidade. Na verdade, parece que eles pensam que, por serem jovens e por pertencerem a um determinado setor da sociedade, nada lhes acontece.

Pelo amor de Deus, meu prezado Senador, pelo amor de Deus! Venho aqui pelo contrário! Quando a imprensa diz que a reunião do Presidente com os sem terra foi negativa, que não resultou em nada, venho aqui para dizer que, a meu ver, a proposta feita pelo Presidente da República é a melhor que poderia ter sido feita, e creio que os sem terra deveriam aceitá-la.

É claro que, quando não se quer fazer alguma coisa neste País, designa-se uma comissão. Tem uma idéia? Tem uma idéia. Tem uma proposta? Tem uma proposta. Não quer resolver? Não quer resolver. Então, designa-se uma comissão. Essa é a tradição brasileira. Mas também é verdade que quando se quer resolver, havendo disposição para resolver, a matéria passa por uma comissão.

No momento em que o Presidente disse aos sem terra: "a questão é grave, a questão é séria. Convido vocês, sem terra; vocês, das entidades que representam os trabalhadores, para constituírem uma comissão de alto nível com o Governo para debater e decidir a matéria", dei nota 10. Creio que Sua Excelência está certo.

O apelo que faço aos sem terra é para que aceitem a proposta do Governo e façam essa comissão. Caso contrário, como diz o meu querido Senador Geraldo Melo, nós, Parlamentares, vamos ficar na base de garantir o direito de propriedade - e, até agora, não se votou praticamente nada que diga respeito à questão da terra.

Por isso, quero fazer este apelo, porque a imprensa toda publicou que o diálogo foi um fracasso, que não resultou em nada, que foi teórico, que não teve significado a reunião do Presidente com os sem terra. Creio que não. A imprensa hoje publica que houve um debate um pouco duro - e tinha que ser, parece normal; que os presidentes foram austeros e cobraram, e tinham de cobrar; e que o Presidente da República respondeu, e tinha que responder.

Até aqui, quero felicitar a competência do diálogo que li no jornal. De um lado, o Stédile, que conheço, do meu Estado. Um homem sério, competente, responsável, que disse em determinado momento: "Pois é, Senhor Presidente, sabemos que Vossa Excelência é um homem intelectual, muito profundo; pena que não tenha escrito mais"! E a resposta do Presidente foi muito competente: "Tenho escrito, você é que não tem lido mais"!

Mas quero dizer que a proposta feita pelo Presidente da República, na reunião: "vamos designar uma comissão diretamente ligada, onde os sem terra estarão presentes, onde as entidades estarão presentes e vamos debater e discutir a questão", foi muito positiva. O Presidente fala até, nem sei se poderia falar, em editar medida provisória; em outras palavras, Sua Excelência quer dizer que fará o que for possível.

Penso que essa foi uma grande decisão, melhor do que se tivesse anunciado que iria assentar tantos, que faria isso ou aquilo; que tantas vezes se prometeu e não aconteceu nada! Não duvido que queira assentar famílias, mas, na verdade, entre querer e fazer, há uma diferença muito grande.

Aliás, diga-se de passagem, participei da reunião. E, já na reunião, deu para sentir que os trabalhadores iriam participar da mesma numa tentativa de buscar alguma coisa que fosse concreta. E penso que conseguiram.

O Sr. Geraldo Melo - V. Exª me concede um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Concedo um aparte a V. Exª.

O Sr. Geraldo Melo - Senador Pedro Simon, peço este aparte apenas para fazer um apelo a V. Exª. Talvez, por equívoco, V. Exª não tenha escutado a minha tese. Creio que o Movimento dos Sem-Terra, como vanguarda, está cumprindo o seu papel. E não cabe a nós, Senadores - eu não disse em momento algum, nem V. Exª teria o direito de colocar na minha boca essa afirmativa -, defender direito de propriedade ou não. Estamos aqui, tanto eu quanto V. Exª, porque nós dois juramos que iríamos defender a Constituição e as leis. Ela é que tem esses dispositivos. Eu não era Parlamentar e nem Constituinte quando ela foi feita. Estou apenas dizendo que enquanto os sem terra, como um movimento de vanguarda, estão fazendo a sua luta e o seu papel, nós deveríamos fazer o nosso, porque não somos sem terra, e sim legisladores. Se a lei não serve, compete a nós mudá-la. Agora, por maior que seja a autoridade de V. Exª, por maior que seja o respeito que lhe tenho como homem público e por maior que seja o carinho que lhe tenho como amigo, nenhum de nós dois está em condições de dizer que aquilo que fere a lei não é uma ilegalidade. Foi isso o que eu disse.

O SR. PEDRO SIMON - Vivemos num País, Senador, onde as ilegalidades são cometidas todos os dias. Estamos em um País, Senador, onde um cidadão que está dormindo de madrugada é queimado cruelmente e morre. E o assunto só foi manchete de jornal porque se tratava de um índio e era o Dia do Índio. A informação que se tem é a de que essa não foi a primeira vez.

V. Exª pertence a uma CPI, à qual assisto, em que as ilegalidades e as imoralidades demonstram que são uma rotina neste País. Vivemos num País em que há as maiores desigualdades do mundo. Não há, na história do mundo, um país onde entre os ricos e os pobres a distância seja tão intensa e tão imensa! Os nossos ricos têm os padrões da riqueza do maior lugar do mundo, e os nossos pobres têm o padrão da miséria dos piores lugares do mundo.

Claro que não sou um Parlamentar sem terra, embora eu não tenha terra. Mas não é o fato de não ter terra - porque sou advogado, tenho outra profissão - que me dá o direito de defender. Não! Mas creio que, entre defender os sem terra, entre defender os sem emprego, entre defender os sem teto, defender-nos e defender a sociedade dos que já têm, deveríamos olhar, primeiro, para os que não têm.

Na verdade, o Congresso, ao longo da sua história, não está olhando, não está se preocupando com os problemas sociais, não tem nenhuma preocupação com nenhum dos grandes problemas da sociedade. Não tem; essa é a realidade! O Executivo ainda tem; o Executivo muitas vezes tem e, muitas vezes, falha. O Congresso não falha.

O Sr. Elcio Alvares - Permita-me um aparte, nobre Senador Pedro Simon?

O SR. PEDRO SIMON - Ouço, com o maior prazer, o aparte de V. Exª.

O Sr. Elcio Alvares - Senador Pedro Simon, quero discordar da primeira parte do seu discurso e concordar com a segunda. Confesso que a tese de V. Exª é surpreendente!

O SR. PEDRO SIMON - A tese de V. Exª também é no sentido dos sem terra!

O Sr. Elcio Alvares - Mas gostaria de ressaltar a V. Exª um aspecto muito grave: V. Exª está fazendo um discurso. Se se perguntasse agora o sentimento do Plenário em relação a esse bárbaro atentado, todos estaríamos pensando da mesma forma. Se V. Exª perguntar se somos a favor da reforma agrária, todos somos a favor da reforma agrária. Mas V. Exª está pregando uma tese que, a meu ver, é muito grave: V. Exª está pregando o descumprimento da lei. Somos Senadores encarregados de fazer a lei. Temos a obrigação de reformá-la. O discurso de V. Exª sempre é convincente, mas se a lei não é boa, vamos modificá-la. Por exemplo: há ilegalidade, foi constatada pela CPI uma fraude. Por isso vamos pregar o descumprimento total da lei? Senador Pedro Simon, tenho a impressão de que a tese de V. Exª é profundamente anárquica, porque prega exatamente o descumprimento da Constituição e de todo elenco legal que sustenta este País. Ninguém aqui pode dizer que é defensor dos sem-teto e dos mendigos, porque todos temos sentimentos. O Senador Geraldo Melo foi muito claro no seu discurso: juramos a Constituição e o cumprimento da lei. No momento em que sentirmos que a norma legal, a norma constitucional está sendo colocada como se fosse uma tábula rasa, temos que reagir. Lamento discordar de V. Exª. Sou seu admirador, sempre o acompanhei com o maior respeito, mas fico ao lado do Senador Geraldo Melo. Penso que a voz da razão, a voz que sustenta a tradição deste Plenário, a confiança que o País tem neste Plenário é a voz do Senador Geraldo Melo. Aceito parte do discurso de V. Exª. Acho que o que aconteceu aqui em Brasília atingiu a todos nós, na intimidade de nossas famílias e da nossa consciência cristã. No entanto, Senador Pedro Simon, pelo amor de Deus, dizer que, para corrigir isso ou aquilo, temos que descumprir a lei, descumprir a Constituição, não está certo. Tenho a impressão de que estaríamos dando um passo muito avançado, e o desfecho não seria aconselhável para o momento presente.

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) - Quero interromper V. Exª para prorrogar a Hora do Expediente por mais 15 minutos, a fim de que V. Exª possa concluir sua fala e seja dada a palavra ao orador inscrito.

O SR. PEDRO SIMON - Muito obrigado.

Estranho, mas estranho profundamente, o pronunciamento do nobre Líder, por quem tenho a maior admiração. Conheço-o de longa data e pensei que também era conhecido de S. Exª.

V. Exª não tinha o direito de interpretar meu pronunciamento, como o fez. Não tinha o direito. Seria ridículo eu dizer da tribuna que sou favorável ao não-cumprimento da lei, eu dizer da tribuna que sou favorável às invasões do Movimento Sem-Terra sob a alegação de que, se a lei não é justa, eles podem fazer.

Por amor de Deus, Senador! O que estou dizendo é que a Constituição não é cumprida em mil preceitos - vejam: mil preceitos. Mil! - e não fazemos nada; estou dizendo é que, num País onde a realidade é o descumprimento às normas legais aos que mais necessitam, não fazemos nada; estou dizendo que, quando o próprio Líder do Governo no Congresso vem dizer que, reunindo jovens em sua casa, chegou-se à conclusão de que a causa principal de esses episódios acontecerem é a impunidade, não dizemos nada; estou dizendo que, mesmo com uma Constituição que determina que a saúde é direito de todos e dever Estado, isso não acontece, e esta Casa não faz nada; estou dizendo que esta Casa não diz nada em relação ao fato de não estar sendo cumprido o dispositivo constitucional segundo o qual o salário mínimo deve ser suficiente para que o cidadão e sua família possam viver. No entanto, esta Casa exige o cumprimento da lei no que se refere ao direito de propriedade. Estamos aqui para melhorar a lei. Quem quiser que a altere, mas, enquanto não se alterar, não acontece nada.

As alterações são as que conhecemos. Podemos alterar. Sou autor de projeto de lei segundo o qual o maior salário não pode ser superior a 20 vezes o menor salário. Por que não votar isso, Srs. Senadores? Na Alemanha, não são 20 vezes, mas 8 vezes. O maior salário da Alemanha, que é o de um alto executivo da Volkswagem, é maior apenas 8 vezes o salário de um empregado da Volkswagem. Lá eles medem o menor, porque aquele que ganha menos tem direito e condições de viver com dignidade. O nosso salário é 200, 300, 400 vezes maior do que o salário mínimo. Vamos votar essa matéria. Vamos alterar as injustiças que há dentro da lei.

A reforma agrária já foi feita praticamente nos grandes países. Foi feita pelo mundo afora, e foi feita porque se teve vontade política para isso. Digo: sinto que o Senhor Fernando Henrique Cardoso tem vontade política de fazer a reforma agrária. Sinto! Mas sinto que o Congresso Nacional, principalmente esta Casa, não tem vontade política de fazer a reforma agrária. Essa é a realidade. Não há, nesta Casa, a vontade política de fazê-la. É por isto que falo: vir aqui para invocar que se cumpra a Constituição? Está na Constituição, e ela deve ser cumprida, o direito à propriedade. Mas está na alma, está no coração, está na Bíblia, está no sentimento do povo: os homens nasceram irmãos para que pudessem dar-se as mãos e, juntos, construírem a sociedade. Está na alma, está na Bíblia, está na Constituição: todos são iguais perante a lei!

Ora, meus irmãos, eu nem vim para fazer este discurso; vim para felicitar o Presidente da República e discordar de toda a imprensa, que achou que a reunião foi fraca, que a reunião não teve significado e que não se fez nada. A meu ver, fez. O fato de o Presidente da República chamar os sem-terra, convidá-los para participar de uma grande comissão para estudar a matéria foi um gesto de humildade, foi um gesto de grandeza, foi um gesto importante do Presidente. Faço um apelo aos sem-terra: aceitem. Apelo para que aceitem. Sentem-se à mesa, participem da constituição dessa comissão. Compete a eles, compete a nós, a V. Exª, Sr. Presidente, dar apoio no sentido de que não seja uma comissão de mentira, mas que seja uma comissão de verdade. 

Vim a esta tribuna para felicitar o Governo, para dizer que a imprensa está equivocada, para dizer que a solução foi grande e o gesto do Presidente, nobre.

Não adiantaria o Presidente dizer: "Olha, eu fui o Presidente que mais assentei, que mais terra colocou à disposição". Não era o momento. Não era o momento de confronto; era o momento de uma proposta para o futuro, era o momento de sair essa proposta. Não adianta os sem-terra dizerem que vão continuar invadindo. O que vai acontecer, se essa comissão for instituída, é que o Presidente e a comissão encontrarão a saída, encontrarão o caminho, e a paralisação das invasões será natural.

O Exército está entregando as suas terras, pela primeira vez. Fui Ministro da Agricultura, fui Governador. Falei com os Ministros militares no Governo José Sarney - V. Exª era Ministro -, falei com o General Leônidas Pires Gonçalves para que as terras do Exército fossem colocadas à disposição, e S. Exª considerou quase que um afronta - e hoje o Exército o está fazendo. A Igreja, que falava muito e não colocava terra à disposição, hoje o está fazendo. Até o Banco do Brasil, que adotava o ridículo posicionamento de, depois de tomar a terra de quem não conseguia pagá-la, licitá-la e a entregava a grandes proprietários, hoje propõe que as terras a ele devolvidas em troca da dívida sejam distribuídas aos que não têm terra. Isso tem que ser discutido, Sr. Presidente.

A comissão proposta pelo Presidente é altamente positiva. Repito: podem discordar, divergir o quanto quiserem, mas, na minha opinião, o Presidente da República entende - até porque não é bobo, e sim competente - a importância da reforma agrária. O de que Sua Excelência tem medo é da sua base parlamentar. Sua Excelência sabe do grupo da agricultura, dos Deputados Federais, dos Senadores, dos que têm terra e que vão pressioná-lo. O Presidente da República não avança não porque não queira, mas por causa do Congresso Nacional. Sua Excelência tem medo do Congresso Nacional, porque precisa do Poder Legislativo para as reformas; não pode governar sem o Congresso Nacional.

O Sr. Elcio Alvares - Permite-me um aparte, Senador Pedro Simon?

O SR. PEDRO SIMON - Pois não.

O Sr. Elcio Alvares - Senador Pedro Simon, agradeço o retorno do aparte. Quero dizer a V. Exª, com toda sinceridade, que temos uma admiração recíproca, calorosa, ao longo desses anos de trabalho. Estranhei, Senador Pedro Simon, e estranhei baseado na afirmativa categórica de V. Exª de que divergia do Senador Geraldo Melo. Faço até uma revelação a todos os Srs. Senadores, porque penso que ela enobrecerá a participação do Senador Pedro Simon. Senador Pedro Simon, vou declarar isto para que fique claro o apreço que o Presidente da República tem por V. Exª, como se não bastasse as reiteradas vezes em que o Presidente da República tem dito a mim e transmitido a V. Exª, inclusive não só de forma verbal, mas através de documentos escritos: a sugestão de V. Exª, colocada dentro do cenário e antes da reunião com os representantes do Movimento dos Sem-Terra, repercutiu no pensamento do Presidente. Quando Sua Excelência fez sua proposta - que considero profundamente correta, pois estamos vivendo um momento delicado na vida do País -, convocou toda a sociedade brasileira e suas principais lideranças, dando acústica ao pensamento inicial de V. Exª, tenho certeza. Mas também quero fazer duas colocações. A primeira delas é que a base de sustentação do Governo - e me incluo entre os Senadores que defendem a política do Presidente Fernando Henrique Cardoso - não tem nenhum sentido. E falo isso muito à vontade, porque não tenho um palmo de terra. É uma questão da formação do advogado, do homem de lei que sou.

O SR. PEDRO SIMON - Para ser sincero, ainda não encomendei os "sete palmos", nem tenho essa preocupação. Se depender de mim, não vou tê-los nunca!

O Sr. Elcio Alvares - Com esse vigor com que ocupa a tribuna todos os dias, V. Exª vai viver muito mais do que nós. Mas, com toda lealdade, digo que estamos inteiramente de acordo na questão da Comissão Maior, mesmo porque foi uma colocação que o Presidente fez perante o Movimento dos Sem-Terra, também alicerçado parcialmente, tenho certeza, em uma ponderação judiciosa feita por V. Exª. Portanto, não há dúvida de que, dentro da convergência de se tratar o assunto com grandeza, com serenidade e com profundidade, estamos de acordo. No entanto, nunca estaremos de acordo no momento em que admitirmos a quebra da norma legal ou da norma constitucional.

O SR. PEDRO SIMON - Muito obrigado.

Encerro, Sr. Presidente, pedindo desculpas pelo meu entusiasmo, mas acho que, às vezes, ele é necessário.

Devemos meditar, pois somos a Câmara Alta, somos os pares da Pátria. O supra-sumo, em tese, da inteligência política do País deveria estar aqui, e acho que está. No entanto, temos a responsabilidade de ver o dia-a-dia, de entender que o salário, a luta, o ato de executar não dizem respeito apenas ao Presidente da República, mas a todos nós. Temos obrigação de colocar como prioridade a pauta que é mais urgente.

O que me choca é que nem sempre isso acontece. Na verdade, uma das teses que hoje está nas manchetes é a impunidade. Neste País, o pobre e o infeliz têm medo não tanto da Justiça, mas da polícia; o rico e a classe média alta sabem que com eles nada vai acontecer.

Li, no jornal, que V. Exª, Sr. Presidente, propõe que, à margem do debate do Código de Processo Penal - que é longo, difícil e comentado -, deveremos encontrar uma saída para esses casos que são realmente especiais, que são realmente escandalosos, que atentam contra a Nação, contra a sociedade, contra o Tesouro, contra a moral da vida pública, e que se arrastam, se arrastam, se arrastam e se arrastam.

A História do Brasil é uma só: hoje é um escândalo, já não se fala mais nos Títulos Públicos porque agora o assunto é o índio, na semana que vem será não sei quem, e o que vem depois faz com que os anteriores sejam pagos. É essa impunidade, essa certeza de que não vai acontecer nada que faz com que as coisas se repitam.

Felicito V. Exª.

O Sr. Lauro Campos - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Se o Sr. Presidente permitir... Pois não.

O Sr. Lauro Campos - Quero congratular-me com V. Exª e dizer-lhe que sempre que ocupa essa tribuna acompanho com admiração e prazer os seus corajosos pronunciamentos. Gostaria, em primeiro lugar, de registrar, com prazer, que hoje, depois de mais de dois anos em que me encontro no exercício do mandato de Senador, sou testemunha da presença firme de Senadores do Governo, inaugurando aqui uma forma de debate que deveria ser cotidiana. Gostaria, também, de colocar rapidamente a minha posição no sentido de que o fato de existir uma ordem jurídica não quer dizer que ela não se transforme. Transformar-se é o seu destino. Se a ordem jurídica não tivesse se transformado, por exemplo, a burguesia não se teria erguido e saído da clandestinidade. A burguesia era outlaw diante do direito medieval, diante do direito feudal e essa luta fez com que ela fosse conquistando novas formas de direito. Se estivéssemos, por exemplo, na Filadélfia, no início do século passado, teríamos que nos acomodar a uma lei que criava prêmios para matar índios: US$100 por escalpo de índio adulto; US$50 por escalpo de índia adulta e US$20 por escalpo de criança índia. Então, além da legalidade do genocídio praticado contra os índios, a lei da Filadélfia - da liberal Filadélfia, da democrática Filadélfia, da exemplar Filadélfia - criou esses prêmios para que os índios fossem escalpelados pelos brancos. Da mesma forma, foi no sistema jurídico legal e constitucional que a escravidão dominou o mundo. E aqueles que se rebelam contra essas formas iníquas de lei têm, inclusive, o amparo de São Tomás de Aquino, que garante que essas rebeliões contra a ordem jurídica e os governos iníquos não constituem, de forma alguma, um pecado ou um crime, mas que, pelo contrário, devem ser respeitadas e aplaudidas. Gostaria de também acrescentar ao seu discurso que existiram, no Governo presente, cinqüenta e sete assassinatos de trabalhadores sem terra. De acordo com a CNBB, nos últimos dez anos houve oitocentos e setenta assassinatos de trabalhadores sem terra e, de 1980 para cá, mais de mil e quatrocentos. Esses assassinatos ficam impunes, sendo que apenas quarenta e sete chegaram às barras dos tribunais. Muito obrigado, Senador Pedro Simon.

O SR. PEDRO SIMON - Muito obrigado.

Encerro, Sr. Presidente, agradecendo a tolerância de V. Exª. Expresso ao Líder do Governo meu respeito e o carinho recíproco que temos, bem como ao companheiro Geraldo Melo.

Entendo o pronunciamento de ambos, mas quero também deixar muito claro o que penso. A lei é para ser cumprida, mas esta Casa existe para aperfeiçoá-la, principalmente a favor dos mais injustiçados e desamparados.

Ao invés de dizermos que a lei é para ser feita e cumprida, nós, Senadores da República, temos a obrigação de melhorá-la a cada dia e a cada hora.

Lamentavelmente, quem chega até os nossos gabinetes são os mais afortunados, pois nós os entendemos, conhecemos e com eles convivemos no mesmo habitat. Mas os mais humildes e com maiores necessidades não chegam ao meu gabinete. Eu não os conheço, mas nem por isso falta-me a responsabilidade de por eles olhar.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/04/1997 - Página 8241