Discurso no Senado Federal

PARTICIPAÇÃO E SOLIDARIEDADE DE S.EXA. AS MANIFESTAÇÕES DOS SEM-TERRA EM BRASILIA, CUJO EXEMPLO DE LUTA FORTALECE A DEMOCRACIA BRASILEIRA. AÇÕES INSUFICIENTES DO GOVERNO PARA A CONCRETIZAÇÃO DA REFORMA AGRARIA. SOMANDO-SE AS VOZES DOS PROFESSORES DO RIO GRANDE DO SUL, EM MANIFESTAÇÃO ONTEM EM FRENTE AO PALACIO PIRATINI.

Autor
Emília Fernandes (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA. POLITICA SOCIAL.:
  • PARTICIPAÇÃO E SOLIDARIEDADE DE S.EXA. AS MANIFESTAÇÕES DOS SEM-TERRA EM BRASILIA, CUJO EXEMPLO DE LUTA FORTALECE A DEMOCRACIA BRASILEIRA. AÇÕES INSUFICIENTES DO GOVERNO PARA A CONCRETIZAÇÃO DA REFORMA AGRARIA. SOMANDO-SE AS VOZES DOS PROFESSORES DO RIO GRANDE DO SUL, EM MANIFESTAÇÃO ONTEM EM FRENTE AO PALACIO PIRATINI.
Publicação
Publicação no DSF de 19/04/1997 - Página 8119
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, IMPORTANCIA, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA.
  • ANALISE, PROBLEMAS BRASILEIROS, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, INEFICACIA, PROVIDENCIA, GOVERNO, REFORMA AGRARIA, NECESSIDADE, REFORÇO, POLITICA SOCIAL.
  • APOIO, MANIFESTAÇÃO, PROFESSOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), DENUNCIA, INFERIORIDADE, SALARIO, DEFESA, REFORMA AGRARIA, OPOSIÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD).
  • LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, AUTORIDADE, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), DEFESA, REFORMA AGRARIA, RESGATE, CIDADANIA.

A SRª EMILIA FERNANDES (PTB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos vindo à tribuna, nesta manhã de sexta-feira, quando permanecemos em Brasília, acompanhando, sem dúvida, os últimos acontecimentos relacionados com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, ocorrido ontem, e o seu desenrolar hoje, durante as visitas, os contatos que estão mantendo com os Presidentes do Senado e da Câmara e com o próprio Presidente da República, e com atividades relacionadas aos nossos trabalhos que estão sendo realizados internamente na Subcomissão da CPI dos Títulos Públicos.

Mas consideramos importante sairmos de uma reunião em que estávamos desde as 9h da manhã, com as Assessorias, com as pessoas que estão encarregadas do processamento dos dados, e virmos ao plenário para registrar o que aconteceu ontem, em Brasília, dia 17 de abril de 1997.

O Brasil foi, sem dúvida, testemunha, e Brasília, a nossa Capital, foi a protagonista, aquela que abriu as suas portas e a sua gente saiu às ruas para oferecer ao Brasil e ao mundo um dos maiores exemplos de força do povo, de organização da sua gente e, principalmente, de um verdadeiro testemunho e exemplo de resistência, luta, cidadania e fortalecimento da democracia, demonstrado pelo Movimento dos Sem-Terra.

Estivemos lá, caminhamos, oramos e cantamos com os sem-terra e com as diferentes representações de trabalhadores que estiveram aqui na nossa Capital. Levamos a nossa solidariedade e reafirmamos os nossos compromissos com as forças populares e democráticas.

O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, que realizou essa caminhada proveniente de diferentes pontos do Brasil que culminou em Brasília, representa um marco de reação, demonstrando que ele significa hoje um dos maiores movimentos organizados do País.

Levamos a nossa solidariedade aos trabalhadores sem terra, aos desempregados, aos professores, aos estudantes, aos funcionários públicos, aos operários, enfim, a todos os representantes de inúmeras categorias que, num verdadeiro grito pela terra, pelo emprego, pela educação, pela saúde, pela igualdade e pela justiça, inundaram Brasília com suas bandeiras, faixas, cartazes e palavras de ordem.

O momento histórico em que viveu o País, e o que isso significa para todos nós, dá a certeza de que, a partir de agora, a partir desse fato, se impõe um marco significativo de reflexão, de avaliação, de tomada de decisões e, certamente, de novo redirecionamento político de algumas ações governamentais.

Consideramos importante também registrar aqui nesta manhã o que lemos recentemente em um jornal intitulado Terceira Hora, que é um jornal de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, de março deste ano, em que há algumas entrevistas, alguns textos importantes, dos quais destacamos dois pequenos trechos: um de autoria do Padre Virgílio Leite Uchôa, que é assessor político da CNBB, e outro do Padre Antônio Valentini Neto, que é Subsecretário Geral da CNBB.

Além dessa decisão política, desse novo redirecionamento das ações governamentais, o que considero importante, o Padre Valentini Neto afirma (e eu peço permissão para acrescentar no nosso pronunciamento):

      "Mas é também tempo de resgatar, de construir o projeto original de Deus: um mundo que seja um paraíso, um lugar bom de se viver para todos.

      É tempo de resgatar a participação fraterna de todos nos bens da criação e nos frutos do trabalho humano, rompendo com toda concentração monopolista, com todo latifúndio excludente.

      É tempo de resgatar o sentido e o exercício do poder, purificando-o de todo autoritarismo, dos privilégios e mordomias, da corrupção.

      É tempo de resgatar cidadania com defesa intransigente dos direitos humanos, aviltados pela violência institucional, pela criminalidade, pela miséria, pela fome, pela discriminação multiforme, pela falta de moradia, pelo desemprego.

      É tempo de superar o abismo sempre crescente entre ricos e pobres."

Ainda acrescento, de autoria do Pe. Virgílio Leite Uchôa:

      "Vista sob o ângulo dos excluídos e do desemprego, o que nem sempre está presente na ótica governamental, a mobilização e a resistência dos sem-terra aparecem, no momento presente, como as únicas forças efetivas de transformação social no País. Há carência de mobilizações em outros setores da sociedade na luta pelo desemprego generalizado. Essa é outra questão extremamente angustiante da hora presente.

      O Orçamento do País está comprometido com o déficit fiscal. A estabilização econômica trouxe vantagens, mas as políticas de compensação social correm sérios riscos. Dependem da retomada do crescimento econômico, o que exige negociação, paciência e convocação de todos os atores sociais. As medidas de ajustes econômicos trazem um dilema para o Governo, com a discussão das reformas, programas de privatização, entre outros, que têm profundas conseqüências no social, político e estratégico do País."

      Palavras do Padre Virgílio Uchôa, que pedimos licença para incluir neste registro.

Por isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os trabalhadores sem terra com determinação estão dando um exemplo altamente significativo para o processo democrático, tanto do ponto de vista social como econômico e político do País.

As páginas da história são escritas com bravura, com garra, com responsabilidade e, acima de tudo, com fé, determinação e luta pelos seus direitos, pela democracia, pela igualdade e pela justiça.

O trabalhador sem terra já conseguiu colocar dentro do seu coração e de sua razão, como cidadãos que são, apesar do sofrimento, das longas caminhadas, do frio, do sol, de todas as dificuldades e privações que passam, que precisam, cada vez mais, olhar para a frente, empunhar suas bandeiras, entoar seus hinos, carregar seus instrumentos de trabalho e, com fé, terem orgulho dos seus mártires, dos seus líderes, das mulheres e dos homens que marcham juntos.

Temos visto, sem dúvida, algumas medidas do Governo no sentido de mudar o quadro que está aí. Porém, são ações insuficientes ou direcionadas equivocadamente. Muitas, ao invés de valorizarem os trabalhadores brasileiros, como forma de recuperar a nossa economia, escolhem o desemprego, a fragilização e o desmantelamento das organizações sindicais e a retirada dos direitos trabalhistas.

Senhores, o Brasil precisa fazer uma opção clara, transparente e lúcida de compromissos e prioridades com o coletivo. Ou se ouve as vozes roucas da rua ou o País continua na orientação imposta, muitas vezes, de fora para dentro, em nome de uma globalização que exclui, distancia, marginaliza e concentra, tornando cada vez mais evidente as desigualdades e as injustiças.

Os problemas sociais têm que ser assumidos com determinação e vontade política. De nada adianta segurar a inflação se os juros continuam os mais altos do mundo e escancaram as portas para as importações em detrimento do comércio e da indústria nacional. Empresas são fechadas; trabalhadores são demitidos aos milhares; salários são congelados; funcionários públicos são desrespeitados; agricultores abandonam as suas terras, empobrecidos e sem esperança pela falta de recursos, de crédito, pela burocracia e pelos preços aviltantes dos produtos; pessoas idosas e portadoras de deficiências perambulam ainda pelas ruas e outros tantos sonham com auxílios que não chegam pela burocracia ou quase nada resolve pela insignificância que representam.

Continuamos ainda convivendo com forte indiferença em relação ao trabalho infantil e à prostituição juvenil, talvez o problema comece na família e na sociedade, muitas vezes alheia, quase que anestesiada pela pobreza e pela desinformação que se acentua no descompromisso dos governos ao combate efetivo dessas vergonhosas formas de violência.

A impunidade, os desvios de recursos e a corrupção ainda encontram terreno fértil. Investimentos insuficientes para a educação, saúde e moradia são denúncias constantes. Reformas da Previdências, reformas administrativas, reformas da Constituição, privatizações sem nenhum critério ainda são consideradas e falsamente passadas à população brasileira como tábua de salvação.

Poderia, Sr. Presidente, continuar aqui citando outros tantos problemas e equívocos que, dentro da minha visão, existem no nosso País. Porém o que desejo realmente, neste momento, é ressaltar o significado da manifestação ordeira e democrática do Movimento dos Sem-Terra, que o Brasil assistiu e que se reproduziu. E isto é importante, Sr. Presidente, Srs. Senadores: os movimentos que se reproduziram em muitos Estados brasileiros.

Particularmente eu, como representante do Estado do Rio Grande do Sul, quero fazer eco às vozes dos trabalhadores, que até tiveram confrontos com a Polícia Militar do meu Estado. Quero fazer eco aqui, em especial, às vozes dos milhares de professores que, ontem, em vigília, permaneceram durante todo o dia em frente ao Palácio Piratini, no Estado do Rio Grande do Sul. Sim, os trabalhadores estão atentos. Está havendo um movimento de reação, porque as coisas não estão muito bem explicadas, Srs. Senadores. Os fatos, como são transmitidos nas emissoras de televisão, nos programas, nas publicações compradas, pagas, não traduzem a realidade. Talvez ninguém saiba, mas é importante saber e deixar aqui registrado que, no Estado do Rio Grande do Sul, que saiu à frente na elaboração da sua Constituição, dizendo que, no mínimo, 35% dos nossos impostos deveriam ir para a educação, ainda, estamos convivendo com salários aviltantes dos professores. Um professor gaúcho ganha hoje de salário básico R$111,00, o que é uma vergonha. Os professores denunciaram isso ontem. Os professores também saíram às ruas manifestando o seu apoio à reforma agrária, dizendo não às reformas administrativas e da Previdência; saíram às ruas manifestando a sua contrariedade à venda da Vale do Rio Doce.

Portanto, isso que está acontecendo, Srs. Senadores, é o ponto alto da manifestação que o Brasil viveu. É uma demonstração clara, inequívoca da unidade que começa a surgir, da solidariedade dos trabalhadores, das categorias, independente de setores, sejam do campo ou da cidade. Esse movimento, sem dúvida, precisa ser ampliado, porque é algo muito sério, muito responsável. Ao contrário dos que alguns afirmam, de que sejam movimentos manipulados, movimentos de carona, onde muitos pegaram a onda, eu continuo afirmando: o movimento que nós vimos, que começa a nascer no coração e no sentimento, não apenas dos sem-terra, mas de todos os desempregados, de todos os trabalhadores que estão com dificuldades, é um movimento de reação, é um movimento de apoio à uma caminhada persistente e objetiva, que deve ser olhada com muita atenção. É um movimento legítimo, que se levanta contra a impunidade e contra a violência; enfim, contra medidas que estão sendo tomadas.

Faço esse registro e aproveito para fazer também um apelo ao Presidente da República: que esses protestos populares, indispensáveis ao processo de fortalecimento da democracia e da cidadania, não sejam subestimados, sejam olhados com a atenção que merecem. O Governo precisa abrir o seu coração e a sua sensibilidade aos clamores que estão surgindo da rua, das massas populares, dos excluídos e que certamente atingirão, cada vez mais, categorias, parlamentares e partidos políticos.

Deve servir, sim, essa ação e essa reação de reflexão ao Governo para que possa realmente demonstrar o seu comprometimento efetivo com as grandes mudanças, transformando-o em ações concretas, objetivas, rápidas. É o que todos nós esperamos.

Diante, Sr. Presidente e Srs. Senadores, dos acontecimentos e das constatações que aí estão, é preciso que não apenas o Governo Federal, o Poder Executivo, mas todos os poderes constituídos do nosso País, cada um com seu grau de responsabilidade, seja na construção de leis rápidas, efetivas, objetivas, seja na destinação de recursos e de medidas que realmente atinjam os objetivos que o País espera, seja na agilização de processos que emperram muitas vezes o processo de tranqüilidade e de permanência do homem no campo, encarem com determinação e vontade política a questão agrária no País, entre tantas outras.

Hoje, o povo brasileiro está atento, sabe da necessidade e quer a reforma agrária. Estamos na expectativa de que os encontros do Movimento dos Sem-Terra com os Presidente do Senado, da Câmara e, principalmente, com o Presidente da República e os Ministros da Agricultura e da Reforma Agrária, resultem em ações concretas e ágeis, para as milhares de famílias que vivem em condições precárias, ao longo das estradas, clamando por um lugar para plantar e produzir.

Resgatando-se, dessa forma, a tranqüilidade e o desenvolvimento que todos, homens e mulheres, do campo e da cidade, merecem e querem ver tornar-se realidade.

Esse é o registro que nós gostaríamos de fazer, Sr. Presidente, na certeza de que, a partir de agora, o País deve se encaminhar para uma visão diferente, de compromisso e de ações concretas, e possamos perceber que muitas coisas estão sendo feitas, como a contenção do processo inflacionário, tão válido, importante e necessário, mas muitas outras estão por fazer.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/04/1997 - Página 8119