Discurso no Senado Federal

COMENTANDO AS CONCLUSÕES DO RELATORIO DA COMISSÃO ESPECIAL TEMPORARIA DESTINADA A ACOMPANHAR IN LOCO OS ATOS, FATOS E CIRCUNSTANCIAS QUE ENVOLVEM A TRAGEDIA DA CLINICA SANTA GENOVEVA, NO BAIRRO DE SANTA TEREZA, BEM COMO NAS DEMAIS CASAS GERIATRICAS DO RIO DE JANEIRO.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • COMENTANDO AS CONCLUSÕES DO RELATORIO DA COMISSÃO ESPECIAL TEMPORARIA DESTINADA A ACOMPANHAR IN LOCO OS ATOS, FATOS E CIRCUNSTANCIAS QUE ENVOLVEM A TRAGEDIA DA CLINICA SANTA GENOVEVA, NO BAIRRO DE SANTA TEREZA, BEM COMO NAS DEMAIS CASAS GERIATRICAS DO RIO DE JANEIRO.
Aparteantes
Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 25/04/1997 - Página 8490
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • PRESTAÇÃO DE CONTAS, TRABALHO, COMISSÃO ESPECIAL, APURAÇÃO, RESPONSABILIDADE, CASA DE SAUDE, GERIATRIA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), CONVENIO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), MORTE, IDOSO, IRREGULARIDADE, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, SETOR PUBLICO, DEFICIENCIA, ASSISTENCIA MEDICA, PACIENTE.
  • DEFESA, NECESSIDADE, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, FISCALIZAÇÃO, ACOMPANHAMENTO, AVALIAÇÃO, CASA DE SAUDE, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, SETOR PUBLICO, GARANTIA, EFICACIA, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, IDOSO.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, LEGISLATIVO, ACOMPANHAMENTO, FISCALIZAÇÃO, FUNCIONAMENTO, INFRAESTRUTURA, POLITICA NACIONAL DE SAUDE.
  • DEFESA, ALTERAÇÃO, SERVIÇO DE SAUDE, VALORIZAÇÃO, IDOSO.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco-PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com o final da Comissão Temporária constituída para acompanhar os fatos e circunstâncias que envolveram a tragédia da Clínica Santa Genoveva em junho do ano passado, a sociedade espera mais que a apresentação de um relatório com o registro dos acontecimentos e com recomendações. Anseia por uma ação concertada do Poder Público que seja capaz de evitar a permanência de verdadeiros corredores da morte, representados por esse tipo de clínica. A mera descrição dos fatos e circunstâncias infelizmente não terá o poder de nos chocar ainda mais além daquilo que ficamos perplexos, com as notícias exaustivamente registradas pela imprensa na época dos acontecimentos.

Algumas das recomendações lamentavelmente não precisariam ser feitas se os órgãos da Administração Pública cumprissem com suas obrigações ordinárias de fiscalização, acompanhamento e avaliação de instituições de saúde e de uso de recursos públicos. Entretanto, Srªs e Srs. Senadores, esperamos que a conclusão dos trabalhos da Comissão Temporária do Senado traga de volta a discussão dessa questão que, infelizmente, não foi solucionada a contento.

Não temos nenhuma satisfação em trazer a este Plenário o resultado das averiguações feitas pela Comissão, tal a crueza de que alguns fatos se revestem. No entanto, isso é necessário para que tais episódios não voltem jamais a se repetir neste País.

Encarregada que fui de presidir os trabalhos, realizamos, juntamente com os demais membros da Comissão, uma série de visitas às clínicas que abrigam pacientes crônicos e os chamados Fora de Possibilidades Terapêuticas, como já discorreu no seu pronunciamento o Relator da matéria.

Entre as clínicas visitadas, estivemos na Casa de Saúde Gabinal e na Casa de Saúde Campo Belo - a maior do Estado do Rio de Janeiro. Estivemos também na famosa Santa Genoveva, quando esta já estava desativada, e em tantas outras já citadas pelo Relator.

Da auditoria feita pela Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, a Comissão extraiu preciosas informações, que confirmam o descaso e mesmo o caráter criminoso com que a Clínica Santa Genoveva era gerida. Como todos se lembram, embora os donos da clínica tenham tentado passar a versão de que determinada comida levada por familiares seria a responsável pela diarréia que acometeu os pacientes, a água contaminada foi a (verdadeira) responsável imediata pelas mortes naquele estabelecimento.

A auditoria constatou flagrante manipulação dos prontuários, que atestavam não a evolução diária dos pacientes, mas a esperteza de seus gerentes, fazendo de última hora anotações descrevendo uma situação irreal. Apesar de os fiscais terem visto vários médicos fazendo visita aos pacientes, a rotina era essas visitas acontecerem apenas a cada três dias. Não havia, nas fichas dos pacientes, qualquer pedido ou resultado de exame, mesmo quando os idosos ainda estavam em estado crítico.

Os ferimentos encontrados em seus corpos, provocados pela permanência na cama ou mobilização para higiene e alimentação, denunciavam a situação de abandono e a deficiência de assistência. Pacientes com descompensação clínica ou estado mental alterado conviviam com outros clinicamente compensados, quando os primeiros mereceriam local e pessoal específicos para maior atenção médica.

O gerenciamento de pessoal atestava que, principalmente no período noturno, os homens e as mulheres aí internados ficavam à mercê de si mesmos.

Os pacientes que se encontravam na Clínica Santa Genoveva naqueles tristes dias eram pessoas com diagnóstico de arteriosclerose ou com seqüelas de acidentes vascular cardíaco - AVC; outros, com seqüelas pós-traumas ortopédicos ou dificuldade locomotora grave; muitos deles, portadores de doenças cronificadas; alguns, com neoplasias; outros, com patologias psiquiátricas a definir. O que assusta é que apenas poucos casos podiam ser classificados como Fora de Possibilidades Terapêuticas: quatro com câncer e cinco com tumores benignos que nem justificariam internação.

Apenas um terço dos pacientes, de fato, tinham dado entrada na clínica em 1996. O restante vinha dos anos anteriores, com mais de vinte por cento do ano de 1995. Do total de duzentos e cinqüenta e dois pacientes com data de admissão identificada, trinta estavam lá desde 1994 e outros trinta, desde 1993.

Para se ter uma idéia da longa estada, havia pacientes desde antes de 1990. Os critérios de internação já apontados pelo nosso Relator colocam realmente em questionamento essa clínica.

A taxa de óbito era de pouco mais de 5% em 1995 e chegou a quase 10% entre janeiro e maio de 1996.

A ausência de informações, por sinal, foi a tônica durante o trabalho de investigação.

Embora a direção da clínica tenha informado haver apenas quatro pacientes psiquiátricos, após a análise de quase duas centenas de fichas constatou-se que nada menos que 74 pacientes tinham diagnóstico psiquiátrico ou utilizavam drogas psicoativas, excluídos aqueles que faziam uso apenas de benzodiazepínico, conhecido vulgarmente como diazepan.

A investigação sobre a diarréia - motivo imediato de muitas das mortes - constatou que o surto teve como causa o consumo de água imprópria, associado a condições ambientais que favoreceram a transmissão interpessoal.

Após as denúncias, uma supervisão feita pela Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro constatou a "maquiagem" tanto do espaço físico, quanto dos procedimentos, distinguindo-se claramente o "antes" e o "depois" das denúncias.

A Comissão Especial da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, em seu relatório, também fez coro ao resultado da Secretaria Municipal de Saúde.

Fica clara a responsabilidade dos hospitais que encaminharam aqueles pacientes para a Santa Genoveva.

Do exame das fichas dos pacientes, a Comissão Especial constatou que não havia acompanhamento pelo Serviço Social.

Do relatório do Escritório de Representação do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro, obtivemos a informação de que, na inspeção às primeiras dez clínicas assemelhadas à Santa Genoveva, foram constatadas irregularidades.

O Sr. Ramez Tebet - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Ramez Tebet - Senadora Benedita da Silva, estou prestando muita atenção ao pronunciamento de V. Exª e, entre o de ontem e o de hoje, há uma grande diferença: ontem, V. Exª ocupava essa tribuna com o brilhantismo de sempre, mas de outra forma. V. Exª tinha um sorriso nos lábios. V. Exª, ontem, encerrou o seu pronunciamento declamando versos do nosso homenageado, o Pixinguinha. Hoje, V. Exª vem à tribuna com o mesmo brilhantismo para abordar, de forma diferente e com ar grave, o sério problema da saúde no Brasil. V. Exª está prestando contas dos trabalhos da Comissão Especial e quero aplaudi-la por essa atitude. Nós, no Senado da República, temos a obrigação de, fundamentalmente, olhar para os programas sociais deste País; temos de nos esforçar ao máximo para eliminar as dores deste País e, principalmente, temos de fazer um esforço - todos nós - para minorar o grave problema que assola os hospitais e a saúde, de um modo geral, da população brasileira. Meus cumprimentos pela atuação de V. Exª.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte, Senador Ramez Tebet.

Ontem, tive a oportunidade de discursar com um sorriso nos lábios e hoje, em vista do assunto de que trato, discurso quase com lágrimas nos olhos. O relatório do Senador José Alves traz considerações gerais sobre o percentual cada vez maior de idosos em nosso País, demonstrando a necessidade de se ter uma política efetiva voltada para esse segmento da população.

V. Exª atentamente acompanha o meu pronunciamento e me aparteou com brilhantismo para também dar o seu apoio a essa causa. Com isso, poderemos, indignados que ficamos, dar continuidade a um processo de saneamento a essa área de saúde, para garantir com segurança os serviços prestados aos nossos idosos.

Entretanto, Sr. Presidente, pelo que se viu da aplicação dos recursos feitos pela Santa Genoveva - que recebeu o equivalente a mais de US$4,5 milhões em pouco mais de dois anos -, a questão vai além do aporte de recursos financeiros. Com a devida vênia ao nobre relator, peço permissão para dizer que os proprietários da Clínica Santa Genoveva são responsáveis pelo que aconteceu. Não discordo de que o Poder Público tenha se omitido, ao não fiscalizar, mas não posso admitir que uma instituição que se diz prestadora de serviços de saúde contrate com a Administração Pública a prestação de um serviço, receba por esse serviço e depois abandone centenas de seres humanos para morrerem à míngua. Os donos da Santa Genoveva são responsáveis, sim. E o mínimo que podemos esperar é que sejam condenados na Justiça nas ações movidas pelo Ministério Público Federal.

Da mesma forma, julgo imprescindível que o Ministério da Saúde adote as providências para definir os que sejam pacientes crônicos e fora de possibilidades terapêuticas. Que esse mesmo órgão, juntamente com o Ministério da Previdência e Assistência Social, defina as ocorrências passíveis de internação em asilos, distinguindo os casos de amparo social dos de necessidades clínicas. Considero imperativo que não se dê um centavo sequer de dinheiro público a instituições que cometam qualquer tipo de fraude. E não me refiro apenas àquelas que praticam irregularidades de natureza contábil, mas também àquelas que tratam com desonestidade, desrespeito e desumanidade os seus pacientes. Para tanto, os serviços de auditoria devem ser eficazes e abrangentes.

O Poder Público não pode continuar oferecendo justificativa para as fraudes institucionalizadas nos faturamentos dos serviços conveniados, como faz, por exemplo, ao pagar apenas R$2,00 por consulta. Não se pode brincar com os seres humanos. Em decorrência, o valor das consultas e internações deve ser estabelecido em bases realistas. E isso não será possível sem um aumento substancial dos recursos orçamentários para a Saúde, como propõe o Relatório da Comissão Temporária.

Quanto a nós do Parlamento, não podemos admitir a alocação de verbas para estabelecimentos de saúde do porte do Santa Genoveva. Seria a desmoralização completa de nossa existência. Para tanto, é primordial que nossos serviços de acompanhamento e fiscalização das políticas de saúde estejam em funcionamento e contando com a infra-estrutura adequada. Para tanto, será de inestimável valia o apoio do Tribunal de Contas da União.

Aos Srs. Senadores membros da Comissão: Senador Ney Suassuna, Senador José Alves, Senador José Fogaça, Senador Sebastião Rocha, Senador Romero Jucá, Senador José Bianco, Senador Artur da Távola, Senador Lucídio Portella e Senador Valmir Campelo, os meus agradecimentos pela paciência e pela coragem de lidar com um assunto que nos causou tanto pesar, mas com o qual tivemos que nos defrontar.

Aos demais companheiros, o meu agradecimento por terem aprovado tão prontamente o requerimento de instituição dessa Comissão Temporária e por terem apoiado o desenvolvimento de seus trabalhos.

Desse episódio, Sr. Presidente, cristalizou-se em nós uma certeza: é preciso humanizar os serviços de saúde. É preciso mandar para a cadeia todos os bandidos aproveitadores que utilizam estabelecimentos de saúde para enriquecerem às custas das tortura, dos maus tratos e da morte de cidadãos brasileiros que trabalharam a vida inteira e que merecem ter um final de vida digno - e mesmo uma morte digna para aqueles que não têm esperança. Outra certeza: neste final de século, com urbanização intensa e desagregação social provocadas pelo modelo socioeconômico excludente, as famílias precisam recompor seus valores. Não é possível deixar à míngua uma pessoa só porque ela ficou velha, dá trabalho, não produz mais. Não se pode admitir que o Estado ou qualquer preposto maltrate nossos idosos.

Que esse episódio sirva a todos de lição e que tomemos como meta não vê-lo repetido nunca mais.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/04/1997 - Página 8490