Discurso no Senado Federal

PERPLEXIDADE DIANTE DA DETERMINAÇÃO DO GOVERNO DE PRIVATIZAR A COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, SIMBOLO DA SOBERANIA NACIONAL.

Autor
Junia Marise (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MG)
Nome completo: Júnia Marise Azeredo Coutinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • PERPLEXIDADE DIANTE DA DETERMINAÇÃO DO GOVERNO DE PRIVATIZAR A COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, SIMBOLO DA SOBERANIA NACIONAL.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 07/05/1997 - Página 9133
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • REPUDIO, CRITICA, GOVERNO, REALIZAÇÃO, LEILÃO, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), COMPROMETIMENTO, SOBERANIA NACIONAL.

A SRª JÚNIA MARISE (Bloco PDT-MG. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu também, como certamente a maioria do povo brasileiro, estou numa posição de perplexidade diante da determinação autoritária do Governo, que buscou os meios para prevalecer a sua vontade diante da manifestação de todos os segmentos da nossa sociedade contrários à alienação, à privatização ou à venda da Companhia Vale do Rio Doce.

Tem razão a nobre Colega, Senadora Benedita da Silva, que me antecedeu nesta tribuna para trazer também a sua indignação. Mais do que a nossa indignação, certamente, neste momento, o País inteiro está assistindo, mais uma vez, à entrega de um patrimônio nacional, que era o símbolo da soberania do nosso País, pela bagatela de aproximadamente US$ 4 bilhões.

Ora, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Governo, na sua campanha pela televisão, numa mídia que invadiu os lares de todos os brasileiros, disse que iria vender a Vale do Rio Doce para melhorar a saúde, a educação, enfim, para melhorar as condições de vida do nosso povo. Mas, certamente, a população e a opinião pública não se convenceram porque viram nessa mesma mídia do Governo a forma debochada como ele vê a inteligência e a competência do nosso povo.

Não é possível chegar-se ao ponto de enganar - ou tentar enganar - a opinião pública com uma campanha como essa que o Governo ofereceu à opinião pública do nosso País. Aliás, o Governo, em momento nenhum, sintetizou a sua vontade, agora prevalecida pelas razões e com os procedimentos técnicos para o esclarecimento da sociedade. O próprio Presidente da República disse outro dia na imprensa, e a televisão mostrou para o País inteiro: "eu não entendo nada de Vale", para responder ao Presidente da CNBB. Ora, se o Presidente disse que não entendia de Vale do Rio Doce, como é que Sua Excelência poderia justificar a alienação desse patrimônio?

O mais melancólico e o mais triste, neste momento, é que teríamos tido a oportunidade, no Senado, de analisar, discutir e debater a questão e, mais do que isso, dar transparência aos procedimentos adotados pelo BNDES na elaboração do edital de privatização da Companhia Vale do Rio Doce.

O Governo não desejou oferecer à sociedade a transparência dos procedimentos, por exemplo, adotados pela Consultora Merrill Lynch para a formulação de um edital, fixando valores sobre os quais nem o próprio Presidente da República conhecia. E certamente a sociedade brasileira não teve acesso a esses dados e valores.

Ora, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, está consumada a venda da Vale do Rio Doce, mas, certamente, este Governo passa à história do nosso País como aquele que vendeu o patrimônio, símbolo da nossa soberania.

O Sr. Pedro Simon - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª JÚNIA MARISE - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Pedro Simon - V. Exª, a exemplo da ilustre Senadora Benedita da Silva, fala, neste final de sessão, num acontecimento profundamente melancólico para o nosso País. O avião atrasou, e eu estava no aeroporto às três horas e acompanhava ao vivo o leilão da Vale. Com emoção muito grande, vi quando o representante da Justiça entregou a decisão que suspendia o leilão. Quase fui às lágrimas. Era o sinal que precisava, e realmente algo apareceu para dar chance de não sair esse leilão e de aprofundarmos o debate. Lamentavelmente saiu com uma decisão do Tribunal proibindo a utilização de uma área enorme de quatrocentos milhões de hectares e de certas reservas de minérios atômicos. Houve também um relatório do CADE, Conselho Administrativo de Defesa Econômica - MJ, deste Governo, com 89 páginas e com profundas dúvidas sobre o que poderá acontecer depois da privatização. É triste. V. Exª deve estar lamentando mais do que eu, porque é autora do projeto, e sairá deste Senado lavando as mãos. O pior é que o Senado, com a sua maioria, poderia, pelo menos, ter votado a favor da privatização e hoje se dizer vitorioso, mas, ao contrário, sai de uma maneira vexatória, porque não nos deu chance de debater, de analisar e votar projetos, como o de V. Exª ou o do Líder do PT; não teve coragem de votar a favor, de dizer que era favorável, pecou por omissão. Triste o pecado por omissão, como no célebre inferno descrito por Dante. Cada um que estava lá trazia escrito em sua cabeça o crime que havia cometido, mas Dante observou que alguns não tinham nada, porque haviam cometido o pior dos pecados: haviam-se omitido, não tiveram presença, não tiveram coragem. V. Exª e eu, que convivemos com o Senador Fernando Henrique Cardoso, um grande líder, um homem de idéias, de tradição e de história, sentimo-nos machucados pelo fato de Sua Excelência não nos ter dado a chance de debater a matéria. Esta decisão de hoje é irrefutável, irrevogável; a Vale morreu como estatal. Se tivesse havido um adiamento, poderíamos discutir. O Senhor Fernando Henrique Cardoso poderia privatizar hoje, na semana que vem, no mês que vem ou no ano que vem. Agora é irreversível. S. Exª não foi democrático. Foi autoritário: falou, bateu na mesa, disse, inclusive, palavras agressivas aos que pensam diferente dele, mas não deu chance para ter um debate profundo e sério sobre essa matéria. A Vale morreu melancolicamente. Para quem viveu como vivemos, sentir a Companhia Vale do Rio Doce sair assim, desaparecer como desapareceu, dá pena. Não tenho dúvida de que o tempo passa, mas este dia de hoje e este momento, minha querida Senadora, haverá um tempo onde as realidades aparecerão e cada qual vai ter que responder pela sua parte. V. Exª e os seus admiradores poderão dizer: "eu lutei, apresentei o projeto". O Sr. Fernando Henrique Cardoso e os seus apaixonados nesta Casa vão ter que justificar a sua ação e a sua omissão.

A SRª JÚNIA MARISE - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Pedro Simon, e o incorporo com muita alegria a este nosso pronunciamento.

Certamente, neste momento em que estamos no fim da sessão, no dia de hoje, nos deparamos com esta situação que tomou conta de todo o País. Acabo de receber um telefonema de Belo Horizonte em que me comunicavam exatamente a dor e, mais do que isso, a indignação que tomou conta de todos. Uma pesquisa realizada por um jornal de Belo Horizonte mostrou que 52% da população de Belo Horizonte era contra a privatização da Vale do Rio Doce. Em todas as capitais do País, as pesquisas apontavam nessa direção.

A SRª PRESIDENTE (Benedita da Silva) - Quero lembrar à nobre Senadora que o tempo de V. Exª está se esgotando.

A SRª JÚNIA MARISE - E mesmo aqueles que, eventualmente, poderiam admitir o processo de alienação, concordaram que essa questão deveria ser amplamente discutida e ter dado uma transparência à nossa sociedade.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª JÚNIA MARISE - Não quero concluir o meu pronunciamento sem ouvir, rapidamente, as palavras do Senador Antonio Carlos Valadares, se me permite a Presidência da Mesa.

O Sr. Antonio Carlos Valadares - Senadora Júnia Marise, V. Exª está fazendo um pronunciamento, tanto quanto a Senadora Benedita da Silva, histórico, porque registra o fato lamentável, feito por iniciativa do Governo brasileiro, a venda da Vale do Rio Doce. É um fato que merece o registro como se fosse alguém muito querido que tivesse falecido. É o anúncio da morte da Vale do Rio Doce, uma empresa que tantos serviços inestimáveis prestou a este País. Ficamos a imaginar o que está por trás dessa teimosia, dessa obsessão do Presidente da República em vender, de qualquer maneira, a Vale do Rio Doce. A Inglaterra começou as privatizações há uns 12 anos, somente em petróleo que tem em grande quantidade, mas os recursos naturais de lá estão exauridos, pois tudo vinha das colônias que se tornaram independentes. Agora, com o processo de globalização, estão querendo inventar colônia com outro nome, estão querendo penetrar nas nações subdesenvolvidas através daquilo que denominam, hoje, o processo de globalização da economia. Já que não têm mais os recursos que tinham quando as colônias existiam, agora querem, de toda forma, penetrar nos países subdesenvolvidos à procura de recursos naturais onde existem. No Brasil existem recursos naturais e aí está a Vale do Rio Doce que comprovou, pois teve um lucro de mais de US$1 trilhão somente da sua mineradora. E tudo isso foi vendido a preço de banana, por US$4 bilhões. Muito obrigado a V. Exª, meus parabéns e a minha solidariedade ao povo de Minas e também ao povo de Sergipe, pois lá há o porto, administrado pela Vale do Rio Doce, e a mina de Taquari-Vassouras de produção de potássio. O que serão desses empreendimentos? Também serão vendidos a preço de banana. Se a própria Companhia Vale do Rio Doce, que é rainha, a galinha dos ovos de ouro, foi vendida assim, imagine o que acontecerá no meu Estado, o Estado de Sergipe. O que farão com o porto, um sonho secular, e com a mina de potássio?

A SRª JÚNIA MARISE - Mais do que isso, Senador Antonio Carlos Valadares - e já estou aqui instada por nossa Presidente a concluir o pronunciamento -, quero dizer que não é apenas a nossa Minas Gerais que está hoje lamentando profundamente a alienação da Companhia Vale do Rio Doce, é o Brasil inteiro. A Companhia Vale do Rio Doce construiu, com sua produtividade, esse grande patrimônio nacional. Reconhecida como a maior empresa mineradora do mundo, atuando em nove Estados brasileiros, expandiu esse patrimônio em favor do País inteiro.

Portanto, neste momento quero, não apenas como Senadora da República mas também como cidadã, anunciar que participei de milhares de atos públicos realizados dentro e fora de Minas Gerais em favor da preservação da Companhia Vale do Rio Doce. Lá estavam jovens, trabalhadores, servidores, profissionais liberais. E todos, no mesmo coro, diziam: "Não queremos vender a Vale do Rio Doce".

A toda essa nossa sociedade que se colocou nas ruas, que ergueu sua bandeira de luta e de resistência, quero dizer: não foi em vão, porque, com todas as dúvidas, com todos os vícios do edital de privatização...

A SRª PRESIDENTE (Benedita da Silva. Fazendo soar a campainha) - Consulto o Plenário sobre a prorrogação da sessão por dois minutos, para que a oradora conclua o seu pronunciamento. (Pausa)

Não havendo objeção do Plenário, está prorrogada a sessão por dois minutos.

A SRª JÚNIA MARISE -...com todas as dúvidas, com todos os vícios deste edital de privatização, este Governo passará à História do Brasil por ter cometido um crime de lesa-pátria.

O Sr. Pedro Simon - Senadora, se foi prorrogada a sessão por 2 minutos, quero um aparte de 15 segundos.

A SRª JÚNIA MARISE - Ouço V. Exª.

O Sr. Pedro Simon - Privatizada a Vale. Que filmem o Plenário. São cinco Senadores, um Senado vazio, mostrando a maior indiferença. É como se nada tivesse acontecido. Este é o sinal da presença do Senado nesse processo.

A SRª JÚNIA MARISE - Mas estamos aqui, Senador Pedro Simon, representando todos aqueles que desejaram trazer para o Senado o debate, que desejaram ser ouvidos por este Governo. O Governo, no entanto, em todos os momentos, manifestou a sua prepotência e o seu autoritarismo. Fez com que o Senado se omitisse numa questão da maior importância e está hoje assistindo à desolação que tomou conta do nosso País.

Portanto, este não é um momento em que o Senado Federal possa estar aqui comemorando. É o momento de estarmos demonstrando a nossa perplexidade e indignação diante desse crime de lesa-pátria.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/05/1997 - Página 9133