Discurso no Senado Federal

CRITICAS A PROPOSTA DE PRORROGAÇÃO DO FUNDO DE ESTABILIZAÇÃO FISCAL- FEF, EM TRAMITAÇÃO NA CAMARA DOS DEPUTADOS.

Autor
Junia Marise (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MG)
Nome completo: Júnia Marise Azeredo Coutinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FISCAL.:
  • CRITICAS A PROPOSTA DE PRORROGAÇÃO DO FUNDO DE ESTABILIZAÇÃO FISCAL- FEF, EM TRAMITAÇÃO NA CAMARA DOS DEPUTADOS.
Aparteantes
Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 23/05/1997 - Página 10310
Assunto
Outros > POLITICA FISCAL.
Indexação
  • CRITICA, PROPOSTA, GOVERNO, ENCAMINHAMENTO, CONGRESSO NACIONAL, PRORROGAÇÃO, FUNDO DE ESTABILIZAÇÃO FISCAL, TRAMITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROVOCAÇÃO, REDISTRIBUIÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, AGRAVAÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL, REDUÇÃO, RECEITA MUNICIPAL, EMPOBRECIMENTO, MUNICIPIOS, INCONSTITUCIONALIDADE, DESVINCULAÇÃO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, RETENÇÃO, REPASSE, ARRECADAÇÃO, IMPOSTO FEDERAL, IMPOSTO ESTADUAL, DESTINAÇÃO, CIDADE, INTERIOR.

A SR JÚNIA MARISE (Bloco/PDT-MG. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a proposta de prorrogação da vigência do Fundo de Estabilização Fiscal, - FEF, que o Governo encaminhou ao Congresso Nacional e que ora tramita na Câmara dos Deputados, agride a nossa Constituição, contrapõe-se ao pacto federativo, menospreza Estados e Municípios e insulta a inteligência da classe política. Sucessor do famigerado Fundo Social de Emergência - FSE, o FEF nada mais é do que um ardiloso artifício que retira recursos dos Estados e Municípios para atender a voracidade do Governo central e que, por isso mesmo, já deveria ter sido não apenas rejeitado, mas extinto de uma forma tão cabal, que dele já não fôssemos capazes sequer de guardar o seu nome.

Seu efeito danoso não se limita a ferir o Texto Constitucional e a empobrecer as Unidades político-administrativas; certamente, Sr. Presidente, o impacto negativo do FEF sobre o caixa de Estados e Municípios não admite contestação.

A questão tem desdobramentos que merecem ser analisados. Que ninguém se iluda, no entanto! Sob qualquer ângulo, a proposta governamental merecerá amplo repúdio, e uma análise mais acurada do seu significado demonstrará apenas que urge rejeitar esse engodo, não por uma, mas por numerosas e consistentes razões.

Inicialmente, quero lembrar ao Presidente da República e à equipe econômica do seu Governo que o Estado brasileiro é uma Federação, que nasceu com a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889. Desde então, sua existência se confunde com a própria forma de governo que temos adotado. O federalismo está inarredavelmente vinculado à vida institucional do País, amparado por cláusula pétrea da nossa Constituição.

A proposta presidencial de prorrogar o Fundo de Estabilização Fiscal afronta mais uma vez a nossa Constituição, porque promove uma redistribuição de recursos, às avessas do que preconiza a nossa Lei Maior. De fato, o Governo, além de não ter implementado uma política de redução das desigualdades regionais, vem contribuindo para que tais desigualdades se avolumem, ampliando o hiato há muito existente entre as regiões mais desenvolvidas e as mais atrasadas, entre Estados mais ricos e os mais pobres, entre os municípios mais ricos e os falidos, mendicantes, portanto, da ajuda federal.

Isso se dá exatamente porque o Fundo de Estabilização Fiscal não retira recursos apenas dos Fundos de Participação dos Estados e Municípios, mas também dos Fundos Constitucionais do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste, recursos que devem ser aplicados no setor produtivo, conforme estabelece a Constituição, para reduzir as diferenças regionais.

A exacerbação das desigualdades ocorre também em função do peso que têm tais Fundos na composição das receitas dos Municípios. Para dissipar eventuais suspeitas da crítica que estamos fazendo neste momento, alinhavo algumas considerações dos Jornalistas Luís Eduardo Leal e César Felício, da Gazeta Mercantil, para quem as cidades mais pobres terão as maiores perdas com a prorrogação do Fundo de Estabilização Fiscal.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o FEF é composto, entre outros itens, pela retenção dos repasses da arrecadação de impostos federais e estaduais aos Municípios, não se tocando, portanto, nas receitas que são próprias das Prefeituras, como o IPTU e o ISS.

Assim, o impacto do FEF será insignificante, talvez, por exemplo, no Rio de Janeiro, onde apenas 1% da receita é proveniente desses repasses. Nos municípios da Região Norte o impacto será brutal. Em média, cada habitante da Região Norte participará do FEF com R$65,00; no Sul, esse número cai para R$8,00; e no Sudeste para R$3,00.

Nessas condições de agravamento das diferenças regionais, impõe-se salientar o caráter espúrio e até inconstitucional da desvinculação de receita orçamentária pela qual se bate o Governo Federal.

Cumpre ainda lembrar que o Fundo de Estabilização Fiscal sucede ao Fundo Social de Emergência, que, se nada tinha de emergência, muito menos teve de social. A opinião pública deste País sabe que o Fundo Social de Emergência foi usado para garantir provisões das despensas palacianas, até mesmo de goiabada Cascão - e isso foi fartamente documentado pela imprensa brasileira. Trata-se de prosaísmo que já se incorporou até mesmo ao folclore da política nacional.

Sr. Presidente, vamos aqui a alguns fatos.

Com a prorrogação do FEF, o Governo Federal pretende continuar usurpando recursos dos Estados e Municípios brasileiros para resolver os seus problemas de caixa. A pretexto de garantir a estabilização econômica, o Poder Executivo pretende manter em caráter emergencial uma desvinculação de 20% dos recursos orçamentários que devem ser repassados aos Estados, Municípios e Fundos Constitucionais. Com isso, incorporaria à sua própria Receita um volume adicional de R$2.2 bilhões, valor estimado para o segundo semestre deste ano.

O Sr. Ramez Tebet - V. Exª me permite um aparte?

A SRª JÚNIA MARISE - Ouço-o com muito prazer, Senador Ramez Tebet.

O Sr. Ramez Tebet - Senadora Júnia Marise, louvo V. Exª pela grande preocupação que expressa nesta tribuna em defesa da Federação brasileira. Digo Federação brasileira, uma vez que este País continente é e deve ser forte a partir da força dos nossos Estados e principalmente dos nossos Municípios. V. Exª vem à tribuna e demonstra preocupação em defender os interesses dos Municípios brasileiros, em defender os interesses dos Estados brasileiros, ressaltando que precisam de mais recursos. V. Exª, en passant, citou três instrumentos constitucionais de profunda significação para o desenvolvimento das regiões mais pobres do Brasil: Fundo do Nordeste, Fundo do Norte e Fundo do Centro-Oeste. Ou seja, V. Exª citou mecanismos constitucionais que não estão sendo bem aplicados e direcionados. Refiro-me especificamente ao Fundo do Centro-Oeste pelo qual, tanto eu como toda a Bancada do Centro-Oeste - inclusive está aqui o Senador Mauro Miranda, que tanto esforço tem feito para que esses recursos sejam aplicados no setor produtivo brasileiro a uma taxa de juros compatível com a necessidade da classe empresarial brasileira, isto é, que tenha um retorno. Do jeito que está, nobre Senadora, com relação ao Fundo do Centro-Oeste, a resposta está no próprio Banco do Brasil, gestor desse Fundo. São R$320 milhões à espera de tomadores que estão impossibilitados de ir lá e apresentar os seus projetos, a fim de retirar esse dinheiro e aplicá-lo no setor produtivo. Caso façam isso, sem dúvida alguma, ficarão reféns do Banco do Brasil. Com relação ao Fundo do Centro-Oeste - quero fazer justiça a S. Exª o Governador Maguito Vilela, que está aqui, juntamente com o seu vice, e também registrar a presença do Governador de Santa Catarina -, estamos aguardando até mesmo a instalação do seu conselho deliberativo, que foi criado mas ainda não está instalado. Cumprimento V. Exª pela oportunidade do seu discurso em defesa dos Municípios e dos Estados brasileiros.

A SRª JÚNIA MARISE - Nobre Senador Ramez Tebet, incorporo, com muito prazer, o aparte de V. Exª, que vem, mais uma vez, reforçar a nossa tese contrária à aprovação da prorrogação do Fundo de Estabilização Fiscal.

Continuando o meu discurso, para obter o que pretende, o Governo hoje está se valendo de vários recursos, até mesmo ameaçando cortes adicionais no Orçamento da União, conforme afirmou o próprio Ministro da Fazenda, Pedro Malan, em depoimento à Comissão Especial da Câmara dos Deputados que analisa esse projeto. Alegando necessidade de controlar o seu déficit fiscal, ameaça o Poder Executivo cortar gastos nas áreas social e de infra-estrutura, com prejuízo para as condições de vida da nossa população mais pobre.

Ora, Sr. Presidente, este Congresso não pode se curvar a ameaças desse tipo. O Governo tem dinheiro de sobra e presta socorro imediato quando se trata de atender ao sistema financeiro deste País. Basta um banco estar na iminência de ser fechado, e lá estão o Proer, o Governo Federal e até mesmo o Tesouro Nacional para socorrer o sistema financeiro - aliás, já foram liberados cerca de R$20 bilhões para esse fim. Na verdade, quando o Governo quer atender aos interesses dos Municípios mais pobres deste País, certamente as ameaças estão ocorrendo, e quer o Governo a prorrogação do Fundo de Estabilização Fiscal.

Há dias, Sr. Presidente, na coluna "Coisas da Política", do Jornal do Brasil, a jornalista Rosângela Bittar abordou, com precisão, o comportamento governamental:

      "A cada início de negociação do Governo com o Congresso para arrancar o dinheiro destinado a cobrir a conta do desequilíbrio de caixa, fica mais claro que o País está longe de ter uma solução global para os seus problemas fiscais".

Eis aí a constatação formulada com absoluta isenção.

No caso em tela, da prorrogação do FEF, essa emergência já dura três anos e meio, e é lícito concluir que nem mesmo o Presidente da República e seus auxiliares acreditam que a presente sangria dos cofres estaduais e municipais solucionará a questão do seu desequilíbrio financeiro.

Jogando a responsabilidade da presente situação sobre os ombros do Congresso, alega o Governo que o déficit público resulta da demora na aprovação das reformas fiscal, administrativa e previdenciária. Não é assim. Basta lembrar, liminarmente, que tais reformas não apresentam resultados imediatos, demandando razoável tempo para produzir efeitos significativos. Além disso, há que se estranhar a própria atitude do Governo, que não mostrou, nas tentativas de aprovação das reformas, o mesmo empenho para garantir a sua reeleição.

Finalmente cabe ainda indagar: se o Governo Federal precisa equilibrar suas contas, como ficam os Estados e Municípios? Suas dificuldades, por acaso, são menores? Ou seus interesses qualitativamente são menos importantes do que os da esfera federal? Trata-se de patente contradição, especialmente se levarmos em conta que o próprio Presidente da República vem destacando, como mérito do seu Governo, a descentralização do Serviço Único de Saúde, afirmando, textualmente, que cabe aos prefeitos, que conhecem as prioridades de seus Municípios, a responsabilidade de cuidar da saúde das suas populações.

Assim, como explicar a sangria de recursos dos Estados e Municípios, a maioria dos quais se encontra à míngua? A previsão das perdas decorrentes do FEF para este ano é de R$1.010.000,00 na quota dos Estados; e de R$1.057.000,00 na quota dos Municípios, sem falarmos dos Fundos Constitucionais. Essa nova investida torna-se particularmente nefasta, quando se conhecem os níveis de endividamento dos Estados e Municípios brasileiros.

Sr. Presidente, encaminho o meu pronunciamento para que seja publicado nos Anais desta Casa na íntegra.

Nestes últimos minutos de que disponho, vou elencar aqui as perdas que poderão ocorrer com a prorrogação do Fundo de Estabilização Fiscal proposto pelo Governo para o meu Estado, Minas Gerais:

Belo Horizonte, a Capital do meu Estado, vai perder cerca de R$5.343.000,00, e os dez Municípios considerados de médio porte perderão cerca de R$946.000,00, cada um.

Ainda nos Municípios do interior do nosso Estado, por exemplo, temos aqui: Araguari, no Triângulo Mineiro, perderá R$494.135,00; Araxá, R$401.484,00; Barbacena, R$525.000,00; e outros Municípios considerados mais pobres, como os da região norte e os do Vale do Jequitinhonha, todos terão perdas substanciais. Por exemplo, alguns municípios do Vale do Jequitinhonha perderão cerca de R$123.534,00, além de Caratinga, que perderá R$555.000,00.

Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a prorrogação do Fundo de Estabilização Fiscal, em tramitação neste Congresso Nacional e na Câmara dos Deputados - certamente chegará ao Senado da República - significa, acima de tudo, um golpe que se vai praticar contra os nossos Municípios.

Nós hoje sabemos - e não é diferente na Bahia - a situação financeira caótica dos nossos Municípios, dos grandes desafios que têm hoje os nossos administradores para vencer as suas dificuldades e implementar programas sociais. A nossa convicção é de que, mais uma vez, o Senado da República poderá dar a sua contribuição a todos os Municípios brasileiros, reagindo contra a aprovação do Fundo de Estabilização Fiscal.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/05/1997 - Página 10310