Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O SEGUNDO TURNO DE VOTAÇÃO DA PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO 4, DE 1997, QUE DA NOVA REDAÇÃO AO INCISO 5 DO ARTIGO 14, AO CAPUT DO ARTIGO 28, AO INCISO 2 DO ARTIGO 29, AO CAPUT DO ARTIGO 77 E AO ARTIGO 82 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (REELEIÇÃO). DEFENDENDO A REALIZAÇÃO DE UM REFERENDO PARA A REELEIÇÃO PRESIDENCIAL.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O SEGUNDO TURNO DE VOTAÇÃO DA PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO 4, DE 1997, QUE DA NOVA REDAÇÃO AO INCISO 5 DO ARTIGO 14, AO CAPUT DO ARTIGO 28, AO INCISO 2 DO ARTIGO 29, AO CAPUT DO ARTIGO 77 E AO ARTIGO 82 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (REELEIÇÃO). DEFENDENDO A REALIZAÇÃO DE UM REFERENDO PARA A REELEIÇÃO PRESIDENCIAL.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Roberto Requião.
Publicação
Publicação no DSF de 03/06/1997 - Página 10782
Assunto
Outros > LEGISLATIVO.
Indexação
  • REFERENCIA, DENUNCIA, VENDA, VOTO, REELEIÇÃO, COMENTARIO, EXPULSÃO, DEPUTADO FEDERAL, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DA FRENTE LIBERAL (PFL), RENUNCIA, MANDATO, QUESTIONAMENTO, SITUAÇÃO, ACUSAÇÃO, GOVERNADOR, ESTADO DO AMAZONAS (AM).
  • CRITICA, OMISSÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, APURAÇÃO, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, REELEIÇÃO, ERRO, ORIENTAÇÃO, PROCESSO, VOTAÇÃO, PREJUIZO, REPUTAÇÃO, RELAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA.
  • CRITICA, SENADO, CONTINUAÇÃO, VOTAÇÃO, REELEIÇÃO, DESRESPEITO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ALTERAÇÃO, TRADIÇÃO, AUTORIZAÇÃO, RETROATIVIDADE, BENEFICIO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • REITERAÇÃO, SUGESTÃO, ORADOR, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REMESSA, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROPOSTA, REFERENDO.
  • CRITICA, LIDERANÇA, GOVERNO, INTERPRETAÇÃO, LEGISLAÇÃO, DESINCOMPATIBILIZAÇÃO, GOVERNADOR, REELEIÇÃO.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, inicia-se, hoje, a discussão do segundo turno da emenda da reeleição. Provavelmente, deveremos votá-la na quarta-feira.

Na semana passada, da tribuna, fiz um pronunciamento sobre a matéria e entregava a V. Exª, com muita honra de minha parte, uma carta endereçada a Sua Excelência o Senhor Presidente da República, na qual chamava a atenção para o seguinte detalhe: esta matéria deverá ser votada, na quarta-feira, sem ter sido aprovada a emenda do referendo, sem que tenha sido criada na Câmara Deputados uma CPI que investigaria o que se passou naquela Casa.

Sr. Presidente, venho a esta tribuna elogiar o PFL pela sua atitude de coragem ao expulsar de seus quadros os dois deputados. O PFL, ao tomar conhecimento pelos jornais da transcrição das fitas gravadas envolvendo dois parlamentares que pertenciam aos seus quadros, antes de esperar por conclusões de Comissão de Inquérito, antes de tudo, reuniu sua direção partidária e, considerando que os elementos estavam tão claros - não no sentido de cassar mandato, de prender, o que for, mas no sentido da ética do comportamento, da convivência partidária -, determinou a exclusão daqueles dois parlamentares.

A Imprensa ficou impressionada e eu também. Depois da exclusão, esses dois parlamentares renunciaram aos seus mandatos, numa atitude compreensível, mas não justificável, reconhecendo seus erros.

Depois das gravações envolvendo o filho do Governador do Amazonas, e uma série de fatos envolvendo o próprio Governador do Amazonas, todos esperam a próxima reunião da Executiva do PFL. Todos querem saber se a reunião da executiva do PFL será realizada e se será pedida também a exclusão do Governador do Amazonas; ou se isso ocorreu por se tratar de dois parlamentares que já estavam saindo do PFL e indo para o PSDB. Foi questão de momento, pois, mais algumas horas, eles estariam sendo acusados na gravação de pertencerem ao Partido de V. Exª, Sr. Presidente, cujo Secretário-Geral na Câmara, Deputado Arthur Virgílio, estava com o processo e pediu mais algum tempo para discutir sobre a admissão deles ou não nos quadros do PSDB.

Dizem as más línguas, eu não acredito - como vou acreditar numa maledicência dessas? -, que o PFL excluiu esses parlamentares de seus quadros porque eles já estavam saindo do Partido, e o peso político deles era zero. Mas essa gente diz: no caso do Governador do Amazonas é diferente, porque esse tem peso político expressivo. Eu não acredito.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães, que está no exterior, não teve tempo de analisar essa questão. Mas S. Exª usará o mesmo enérgico discurso: que se excluam os parlamentares. Tenho a convicção de que esse é o mesmo discurso que S. Exª vai usar para dizer: que se exclua o Governador.

Sr. Presidente, a Imprensa está noticiando que o Presidente Antonio Carlos Magalhães e o Presidente Fernando Henrique Cardoso já têm uma gravação de uma conversa de alcova que teria sido gravada, no quarto do governador, entre o governador e seu compadre, padrinho de seu filho, na qual existem fatos ainda mais sérios e ainda mais graves.

O Sr. Bernardo Cabral - V. Exª me permite um aparte, Senador Pedro Simon?

O SR. PEDRO SIMON - Ouço V. Exª com o maior prazer, Senador Bernardo Cabral.

O Sr. Bernardo Cabral - Senador Pedro Simon, no momento oportuno, espero abordar o caso Governador Amazonino Mendes, do meu Estado. Entendo que ainda não é a hora, mas gostaria de comentar esse registro que V. Exª fez, qual seja, que o Senador Antonio Carlos Magalhães ou a Executiva do Partido expulsou dois parlamentares e deverá tomar a mesma atitude para com o Governador do Amazonas. Gostaria apenas de que V. Exª fizesse uma reflexão: os dois parlamentares se declararam autores do ato que praticaram e que a Imprensa registrou. O Governador do Estado vem-se insurgindo, dizendo que absolutamente não é verdadeiro o fato. Há, portanto, e aí talvez o PFL se situe - não posso falar em nome dele, não devo fazê-lo, não tenho procuração -, mas como membro da sua Executiva, apesar de não ter estado naquela reunião, penso que tenho o direito de fazer essa observação. Há uma diferença de atitudes: dois confessaram o ato que praticaram; o Governador do Amazonas tem-se recusado a dizer que o que se diz é falso. De modo que quero apenas situar, quanto ao PFL, por que ainda não tomou as suas medidas. Era apenas esse registro, para que V. Exª fizesse justiça na reflexão.

O SR. PEDRO SIMON - A gravação da conversa dos dois Parlamentares foi o que a imprensa publicou, sem ouvir os dois Deputados. Eles não foram chamados para depor. Não sei onde eles reconheceram ou deixaram de reconhecer. Eles não foram chamados pela Executiva do PFL, para dizer se praticaram ou não o ato. A imprensa publicou a matéria, e a nota do PFL disse que os fatos que saíram na Folha de S.Paulo eram tão claros que estava evidente a falta de decoro parlamentar, independentemente do fato de eles receberem ou não o dinheiro.

A gravação, os fatos apresentados, a voz dos próprios Deputados dizendo o que tinha acontecido, tudo isso foi considerado tão grave que a Executiva do PFL, independentemente de saber se ganharam ou não o dinheiro, tomou a decisão de expulsá-los. Volto a repetir que não me consta que a Executiva tenha chamado aqueles Deputados e tenha pedido a eles que dissessem se era verdade ou mentira. O que sei é que a Executiva disse: "Os fatos apresentados pela Folha de S.Paulo já são tão graves que, independentemente de terem ou não terem recebido, o decoro impede que eles continuem entre nós, eles não têm mais condições de conviverem conosco".

Se formos analisar a gravação, veremos que há fatos ainda mais graves. O filho do Governador, até com ironia, dá graças a Deus pela morte daquele cidadão. Veremos ali não só a ação do corrupto que pegou R$200 mil, mas também a do corruptor - e aos corruptores nós não conseguimos chegar nunca.

Sr. Presidente, o prestígio e a credibilidade do Presidente da República baixou de 71% para pouco mais de 30%. Essa questão de se criar ou não a CPI é mais séria do que pensamos.

O Presidente Sarney envolveu-se de corpo e alma e pressionou o Congresso para ganhar o mandato de cinco anos. Sarney, o Antonio Carlos Magalhães, atual Presidente do Congresso, sabem como: um era Presidente da República, o outro, Ministro das Comunicações.

Crueldade, Sr. Presidente! Crueldade, porque foram tão incompetentes - e tenho repetido isso - que ninguém no Brasil diz que toda aquela pressão, toda aquela distribuição de TV, tudo aquilo que aconteceu não foi para que o Sr. Sarney ganhasse os cinco anos, ou seja, um ano a mais. Essa imagem que se vendeu à opinião pública não é verdadeira. Naquela época, pode ter surgido a expressão "é dando que se recebe", mas a movimentação não aconteceu para que Sarney ganhasse cinco anos, mas para que não perdesse dois anos. O mandato do Presidente Sarney era, na verdade, de seis anos. Ele concordava em que fosse reduzido a cinco, e a Constituinte queria fixá-lo em quatro. Até hoje, não se fixou a imagem de que o Presidente Sarney concordava em abrir mão de um ano de seu mandato. O "é dando que se recebe" vendeu a imagem de que ele tinha direito a quatro e de que, comprando o Congresso Nacional, ganharia o quinto ano de mandato.

O Presidente Sarney teve a gentileza de convidar-me não como Ministro, mas como Governador do Rio Grande do Sul, para mais de uma solenidade, inclusive em São João Del Rey, quando se inaugurou a estátua em homenagem a Tancredo Neves. Era impressionante. Parecia Deus. As pessoas se abraçavam ao Dr. Sarney, querendo beijar-lhe as mãos, endeusando a sua figura. Na volta, pegamos o avião em Barbacena, à meia-noite, e toda o povo estava na rua, para endeusar a figura do Dr. Sarney. Logo depois da votação do mandato de cinco anos, S. Exª, no primeiro turno, não pôde dizer em quem votaria, porque, se fizesse isso, o seu candidato perderia votos.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso tem muita credibilidade, e isso me lembra a figura do Dr. Ulysses Guimarães. Pelo amor de Deus, o Dr. Ulysses Guimarães tinha muito mais credibilidade, muito mais serviço prestado e muito mais história! Era chamado de Moisés, porque conduziu seu povo por anos a fio, em busca da Terra da Promissão, que era a liberdade e a democracia. A figura do Dr. Ulysses era a de um deus, de um homem puro, sobrenatural, de um abnegado, com uma história de dedicação à sua terra e à sua gente.

Quando poderia passar pela nossa cabeça que um homem com a sua história, com a sua biografia, com a sua luta, com o seu desprendimento, vitorioso na convocação da Constituinte, vitorioso na convocação das eleições diretas, vitorioso na convocação da anistia, vitorioso na restituição da democracia e da liberdade, na hora da eleição, receberia apenas meia dúzia de votos? Foi isso: Dr. Ulysses recebeu uma votação insignificante.

O erro do Dr. Ulysses Guimarães foi o de não ter sabido se situar no Governo do Sr. José Sarney: ser Governo ou ser Oposição. Aliás, esse foi o erro do PMDB, mas Dr. Ulysses foi quem pagou a conta. Nosso erro histórico naquela época foi o de ficarmos com um pé no Governo e o outro na Oposição, e o Dr. Ulysses Guimarães pagou a conta - repito.

Dr. Fernando Henrique Cardoso está atravessando um momento de grande significado. Volto a repetir que não me passa pela cabeça em nenhum momento a imagem do Sr. Fernando Henrique Cardoso compromissado com o que aconteceu na Câmara dos Deputados. Não posso acreditar que um homem que conheço, que o Brasil conhece, estava preocupado em dar R$200 mil a um Deputado do Amazonas ou a um Deputado do Amapá ou a quem quer que seja. Esse é um estilo que não foi o do Presidente Fernando Henrique ao longo da sua história.

Não há nenhuma dúvida de que o Presidente Fernando Henrique Cardoso não tem qualquer tipo de envolvimento - digo isso, porque é o que sinto - com o que aconteceu na Câmara dos Deputados. Mas, S. Exª pode pagar o preço.

Se acontecer o que querem que aconteça, jamais haverá Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar o que ocorreu ali.

Sr. Presidente, é dramático. Não há nenhuma Comissão Parlamentar de Inquérito funcionando na Câmara dos Deputados. A Constituição diz que podem funcionar cinco ao mesmo tempo; e para funcionar independente das cinco, a CPI tem de ser aprovada pelo Plenário. Pelo que entendo, para funcionarem as cinco, basta um terço dos votos, porque a CPI é um direito da minoria. Em qualquer parlamento do mundo, Comissão Parlamentar de Inquérito é um direito da minoria; por isso basta um terço para constituí-la.

Foi conseguido um terço na Câmara dos Deputados, mas a CPI não é instalada, porque o Governo diz que, para instalá-la, tem de ficar na fila - e são mais de 19 -, a não ser que tenha maioria do Plenário. Entretanto, das mais de 19, nenhuma está em funcionamento, nenhuma está desenvolvendo suas atividades. Não querem criar a CPI, Sr. Presidente.

E o projeto vem para esta Casa, que é Casa revisora. Esta Casa, de acordo com a Constituição, deveria ser Casa revisora. O que é revisar? Revisar é receber o projeto, a emenda, o que vier da Câmara dos Deputados, analisar e, se estiver tudo bem, aprovar; se estiver errado, rejeitar; se tiver que modificar, modificar. Sobre um projeto que tem interrogação com relação à compra de parlamentares, esta Casa responde que não tem nada a ver com isso. Não tem nada a ver com isso, e vai votar depois de amanhã a emenda da reeleição. Retornando o nosso querido Presidente, a imprensa noticia que se vota na quarta-feira.

Há a minha emenda. Por que a minha emenda? Porque, independentemente da CPI da compra de votos - esse é um fato sério, muito sério -, mesmo que não houvesse CPI de compra de votos, mesmo que o projeto tivesse sido aprovado pela unanimidade da Câmara dos Deputados, sem nenhum ilícito, volto a dizer, Sr. Presidente - e V. Exª me respondeu, para honra minha, após o meu pronunciamento na semana passada, da tribuna; posso não ter os conhecimentos jurídicos de V. Exª, mas tenho muita experiência, Sr. Presidente - há uma diferença entre fazer uma emenda constitucional e alterar princípios da Constituição, como queremos fazer agora.

Esta Casa vai cometer um golpe congressual. O que é um golpe congressual? É um golpe, Sr. Presidente. Vamos violentar a Constituição.

Uma coisa é golpe de Estado, golpe militar, como aconteceu em 1964, quando os militares deram o golpe; outra coisa é uma revolução, como aconteceu em 1930, quando a revolução fechou o Congresso. Outra coisa é o que querem que aconteça aqui. Vamos usar uma maioria de 3/5 para emendar a Constituição, retroagindo a Constituição, porque, quando Fernando Henrique Cardoso foi eleito Presidente da República, não existia o instituto da reeleição. Ele não foi eleito com o instituto da reeleição. Quando ele foi eleito, o que estava em vigor era o instituto da não-reeleição, que existia ao longo de toda a vida republicana, uma das poucas tradições que têm história no Brasil, porque este é um país sem história, é um país sem tradição. As suas leis, o seu Congresso, a sua legislação, o tempo de mandato, isso muda a cada Constituinte. Mas, em todas as mudanças, uma nunca aconteceu. Em todas as constituintes, 1891, 1934, 1946, 1988 e a Assembléia Nacional Revisora de 1993, se discutiu reeleição e todas votaram contra.

Sr. Presidente, cinco Assembléias, a última, a Constituinte de 1988, com os votos do Sr. Fernando Henrique Cardoso, do Senador Serra e do Senador Covas, com o voto da maioria dos Parlamentares que estão aqui, votaram contra, quer em 1988, quer em 1993. O Senador Serra votou contra a reeleição na Constituinte de 1988 e na revisão, em 1993.

Então, há uma tradição contra a reeleição. Como vamos agora, numa assembléia que não é Assembléia Nacional Constituinte, que não é Assembléia Nacional Revisora, um Congresso, numa emenda ordinária comum, criar a reeleição? Criar a reeleição, tudo bem! Mas fazer retroagir seus efeitos a um Presidente que foi eleito quando não havia reeleição? Só existe uma maneira de fazer isso: é o plebiscito, é o referendo.

O Sr. Roberto Requião - V. Exª me permite um aparte?

O SR. PEDRO SIMON - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Roberto Requião - Senador, seus argumentos são irretorquíveis. O simples fato de estarmos acompanhando o que aconteceu dentro do Congresso Nacional, no processo de votação dessa emenda, leva-nos à certeza da inviabilidade do processo de reeleição. Primeiro, Senador Pedro Simon, foram os cheques reeleição, R$200 mil para cada um; os corrompidos sendo punidos de forma liminar pelo próprio partido a que pertenciam e, mais adiante, renunciando ao mandato para não serem cassados. Além disso, estamos assistindo a uma pressão brutal exercida sobre o Congresso realizada pelo Governo Federal. Tenho a impressão de que estamos aqui em épocas de Tachito Somoza: para os amigos, tudo; para os indiferentes, justiça; para os inimigos, chumbo. Trata-se de uma orquestração de imprensa fantástica, batendo duro em cada provável adversário que surja para fazer frente à candidatura do príncipe. Dentro do Congresso, a pressão sem limites desabrida, uma complacência absoluta do Senado da República e a negação de todas as tradições e todos os debates anteriores. A tramitação da emenda da reeleição no Congresso Nacional e no Senado da República é uma demonstração clara de quão nociva é a reeleição como processo institucional para o País. Cumprimento V. Exª pela garra e pela insistência ao querer tirar esse processo de dentro da circunstância corrompida do Congresso Nacional e jogá-lo para aeração de uma discussão pública e a efetivação do referendo. Acredito que a luta de V. Exª é vã. Já vimos, pelos resultados das votações ocorridas até agora, que o Congresso permanece em absoluta subserviência ao Governo Federal.

O Presidente Fernando Henrique, o nosso príncipe, é senhor de cutelo e baraço dos votos do Congresso Nacional.

O SR. PEDRO SIMON - Senador Roberto Requião, é com profundo pesar que digo que não tenho nenhuma dúvida de que V. Exª tem razão. Não sei o Congresso, mas esta Casa é de uma humildade que vai às raias de macular o seu servilismo ao Presidente da República.

Fui Senador na época da ditadura; fui Senador na época em que o Senador Teotônio Vilela ocupava a tribuna e ninguém ficava aqui para ouvi-lo, porque S. Exª dizia algumas verdades que doíam; fui Senador na época em que a Arena fazia o que queria. Naquele tempo, havia na cabeça de todos a cassação, o ato de arbítrio, o ato de força. Mesmo assim, muitas vezes esta Casa se rebelou. Hoje, esta é uma Casa de humilhação. É triste pertencer a esta Casa nessas condições.

Tenho certeza de que não mudo um voto nesta Casa. Estou nesta tribuna por causa da figura do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que, aprovada essa emenda na quarta-feira, vai concorrer à reeleição. Sua Excelência não está coagindo esta Casa, que vai votar porque quer. Não há que se dizer que o Presidente Fernando Henrique esteja pressionando esta Casa. Desta vez, a coisa é tão tranqüila, tão serena, tão "mole", tão fácil, que o Dr. Sérgio está em Portugal, o Sr. Antonio Carlos está na Espanha e o seu filho, futuro coordenador político, está em Paris. O negócio aqui é tão tranqüilo, singelo, é tudo tão simples que tenho de concordar que não há nenhum problema. Todavia, a imagem do Presidente Fernando Henrique Cardoso vai ficar marcada.

Este Congresso vai votar, Senador Bernardo Cabral, e V. Exª, homem cuja biografia temos que admirar e respeitar pela coerência, nos vários momentos em que teve de agir nas posições mais díspares, manteve coerência aos seus princípios, que são os de sempre. Esta Casa vai ter que votar, violentando uma norma constitucional, e o Presidente da República vai pagar o preço.

Uma jornalista importante do meu Estado, hoje, entrevistava-me, num programa de rádio, antes de eu viajar para Brasília, sobre a carta que eu enviara ao Presidente. O argumento usado é o de que hoje não há ambiente para emendar e voltar para a Câmara dos Deputados como referendo porque o ambiente está tão carregado, tão áspero e é muito imprevisível o que poderia vir a acontecer. Embora alguns parlamentares do Governo, nos corredores, digam-me que gostariam de votar e são a favor do referendo, que, inclusive, o Presidente da República é a favor, mas não concorda que volte para a Câmara, seria por demais traumático o processo de votação, ainda que a Câmara só possa votar se aceita ou não o referendo, pois o resto já está votado.

Se aprovássemos o referendo, a única questão a voltar para a Câmara e ser discutida seria se ela aceita ou não o referendo, e a reeleição continuaria.

Sr. Presidente, quando os favoráveis dizem que não queriam mandar por causa disso, pedi que V. Exª enviasse uma carta ao Presidente. Nessa carta, peço o seguinte: Senhor Presidente, quarta-feira o Senado vota a reeleição, mas, até lá, fale à Nação ou envie à Câmara dos Deputados um projeto criando o referendo. A reeleição será aprovada na quarta-feira, mas na quinta-feira, o Presidente entra com um projeto pedindo o referendo. Se houver tumulto, se acontecer qualquer tipo de agitação na Câmara ou no Senado, se a Câmara disser "não", não haverá qualquer problema, pois a reeleição já está aprovada. Estou à espera da resposta. Sr. Presidente, ainda continuo esperando. Tenho lido todos os jornais, ouvido e conversado com pessoas de sua intimidade. Desta forma, vim a esta tribuna para lembrar que a Nação continua esperando a sua palavra. É claro que Sua Excelência pode não falar, mas o seu silêncio significará oposição a essa idéia, de tal forma que a proposta seria tão insignificante e tão sem valor que não mereceria nenhuma resposta. Atire-a na cesta do lixo! Por outro lado, Sua Excelência poderá aceitá-la, enviando ao Congresso Nacional a emenda criando o referendo.

Pobre de mim, Pedro Simon, neste dia 02 de junho, segunda-feira, aqui nesta Sessão do Senado, às 15 horas e 30 minutos. Eu digo, Sr. Presidente, que o destino do Sr. Fernando Henrique Cardoso está em jogo.

A jornalista me dizia: "Senador, V. Exª acredita que o Presidente da República desejará um referendo no momento em que seu prestígio está em baixa? Conforme V. Exª diz, Senador Pedro Simon, o Presidente poderia desejá-lo há uns dois meses, quando tinha 70% de credibilidade; agora que baixou para uns trinta e poucos, certamente não aceitará." Respondi o seguinte: minha brilhante jornalista, creio que a senhora está equivocada. No momento em que o Presidente aceitar a responsabilidade e disser que quer o referendo, ele começa a restabelecer a sua credibilidade, passa a não ter mais nada a ver com a compra de votos ou com os expedientes que estão sendo usados, adquire a sua autonomia, a sua confiança. Ele fala à Nação que há um projeto pela reeleição e afirma querer que o povo dê a última palavra.

Digo com toda sinceridade: ele ganha o referendo. Se não houver referendo, não sei o que acontecerá nas eleições.

Sr. Presidente, este Senado está atravessando um momento tão interessante, que as Lideranças do Governo procuraram os parlamentares do Senado. Afinal, aqui se encontram os príncipes da República; aqui estão ex-governadores, ex-ministros, ex-presidente, e é natural que haja muitos candidatos a Governador. Diz a imprensa que são quarenta candidatos ao Governo de Estado que não votariam a emenda da reeleição, porque não admitem que governadores e prefeitos possam candidatar-se à reeleição sem se afastar do cargo. Então, apresentaram uma emenda dizendo que para Presidente da República não haveria problema.

O Presidente da República pode ser candidato à reeleição e ficar no cargo. Governador, não, tem que sair. E apresentaram a emenda. A emenda seria aprovada, porque praticamente os que votariam em causa própria seriam mais de 40. Então, as lideranças do governo foram conversar com esses Parlamentares - não estou dizendo que todo Senador, mas muitos votariam nessa emenda. Não posso generalizar, o que seria um absurdo. Retiro e modifico o meu pronunciamento. Muitos votariam. Possuía grande chance de ser aprovado. Então, os Parlamentares do Governo foram aos Senadores mostrando essa Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990. O que diz essa Lei? Regulamenta, estabelece, de acordo com o art. 14, § 9º, da Constituição Federal, os casos de inelegibilidades, prazos de cessação e determina outras providências. Demonstra os prazos de afastamento. Essa Lei Complementar diz o seguinte:

      Art. 1º São inelegíveis:

      .....

      II - para Presidente e Vice-Presidente da República;

      a) até 6 (seis) meses depois de afastados definitivamente de seus cargos e funções - até seis meses depois de afastados dos cargos.

10 - os Governadores e Vice-Governadores.

Então, a lei dizia que, para ser candidato a Presidente da República, o Governador tinha que se afastar do cargo seis meses antes.

Mais adiante, no item III:

      III - para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal:

      a) os inelegíveis para o cargo de Presidente e Vice-Presidente da República especificados na alínea "a" do inciso II..." - que é o que eu terminei de ler.

Então, o que dizia essa lei? Para o Governador ser candidato a Presidente da República, tinha que afastar-se do cargo seis meses antes. O que dizia essa lei? Para ser candidato a Governador, Chefe de Gabinete Civil, além de outros detentores de cargos citados nesse inciso III, e todos os que são inelegíveis para Presidente da República também o são para Governador.

Quando essa lei foi votada, não existia a reeleição; não existia a reeleição nem para Presidente da República, nem para Governador, nem para Prefeito. O que querem as Lideranças do Governo dizer agora? É a coisa mais fantástica que vi em minha vida: querem dizer que a lei votada em 18 de maio de 1990 vale para o que vamos votar agora sobre a reeleição. Na época, não havia reeleição, mas futuramente haverá. Estão dizendo que Governador e Prefeitos deverão afastar-se seis meses antes. Dizem que não haverá a necessidade de se votar a emenda constitucional na Câmara, porque, de acordo com a lei de 1990, Governador, Vice-Governador, Prefeito e Vice-Prefeito já devem se afastar.

Quando aquela lei foi regulamentada, não havia o instituto da reeleição. Esse argumento vil e cruel depõe contra o Congresso Nacional, e muitos Parlamentares não votaram a emenda que obrigava Governador e Vice-Governador a afastarem-se seis meses antes, porque as Lideranças lhes garantiram que esse artigo está em vigor, que essa lei vai valer.

Não vai valer, Sr. Presidente. Digo serenamente daqui que não vai valer. Os Governadores, os Vice-Governadores, os Prefeitos e os Vice-Prefeitos não precisarão se afastar dos cargos para concorrer: se o Presidente puder sair, o Governador também o poderá; se o Presidente puder ficar, também fica o Governador. Estão querendo inventar algo que não existe. Trata-se de uma fórmula inexistente. Há Senadores - não são Vereadores do interior ou Deputados de primeiro mandato -, inclusive ex-Governadores, acreditando que isso é para valer, e não o é.

Sr. Presidente, estou na expectativa da palavra do Presidente Fernando Henrique Cardoso em resposta à carta que V. Exª lhe entregou.

Ainda gostaria de dizer, Sr. Presidente, que pode parecer que Pedro Simon, usando essa linguagem, está fazendo oposição e restrição ao Presidente. Eu olho para a minha consciência, que me diz que não há ninguém nesta Casa que esteja sendo mais amigo de Fernando Henrique Cardoso do que Pedro Simon.

Às vezes, Sr. Presidente, o amigo é difícil, quando estamos cercados de pessoas que nos dizem que tudo é uma maravilha. Nós estamos querendo ver que tudo é uma maravilha.

Eu sou amigo do Presidente. O Sr. Fernando Henrique Cardoso, no ano que vem, vai para uma reeleição, devendo o seu cargo primeiro ao ex-Presidente da Câmara dos Deputados, o Deputado Luis Eduardo, que, no exercício da Presidência, teve autoridade, foi brilhante, passou por cima, foi duro e votou com grande mérito, tanto que se fez uma diferença entre S. Exª e o seu sucessor. Até se quis fazer a crítica de que o seu sucessor, o Deputado Michel Temer, não tem aquela autoridade, aquele comando que teve o então Presidente na condução do processo.

Viveremos um fato, Sr. Presidente, inédito na história da República: o filho lá, e o pai aqui. O pai agiu com tanta firmeza, competência, rigidez, coordenação, comando, de uma maneira rápida e serena, permitindo-se a tranqüilidade de comparecer, diga-se de passagem, a uma importantíssima reunião - faça-se justiça - dos Presidentes de Parlamento de toda a América Latina, na Espanha, em Madri. S. Exª está tranqüilo, pois sabe que sua autoridade, sua credibilidade e o seu prestígio é forte.

V. Exª, no lugar de S. Exª, o Presidente do Senado, também conduz com tal serenidade que o projeto será aprovado. Os agradecimentos já se fazem sentir, tanto se faze sentir que o nome atual para coordenador político do processo - não sabemos bem o que vem a ser isso - mas, na minha opinião, quem está coordenando o processo político há algum tempo é o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Na verdade, era Sua Excelência, o Ministro Nelson Jobim não o era. Criou um ministério com um nome específico, ou seja, Ministério da Coordenação Política e deu a um Parlamentar de São Paulo. Eu assisti a posse do Sr. Iris Rezende e, na sua posse, o Presidente da República fez questão de dizer "agora, a coordenação política será do Senador Iris Rezende". Por isso, todas as pessoas ficaram dizendo que ele havia destituído o Ministro da Coordenadoria. E, acrescentou: "Será do Iris, acompanhado do Ministro das Relações Políticas".

Pois, agora, vem um novo fato: o Coordenador das Relações Políticas do Presidente será o Deputado Luis Eduardo Magalhães. Teremos, portanto, Senado Federal, porque já é Presidente do Congresso Nacional o Sr. Antonio Carlos Magalhães. E teremos, na coordenação política, desde que sozinho, sem intermediários e sem coadjuvantes - essa é a sua exigência - o Sr. Luís Eduardo Magalhães. Em meio aos dois, tendo um à direita e outro à esquerda, está sendo levado à reeleição o Senhor Fernando Henrique Cardoso.

Será que é esse o processo que Sua Excelência deseja? Será que Sua Excelência deseja dever agradecimentos e gentilezas pela sua reeleição a A, a B ou a C? Sua Excelência, cumprindo a Constituição, olhando para o povo, poderia dizer: "Posso ser candidato à reeleição se o povo, num referendo, disser ´sim` à reeleição. Aí, aceito".

Gosto de fazer em relação aos outros o que faria em relação a mim. Sempre procuro me colocar no lugar dos outros, Sr. Presidente. Quando vou para a tribuna, quando vou fazer uma análise, quando vou fazer uma crítica, procuro me situar na posição daquele a quem estou dirigindo a análise ou a crítica. Se eu pudesse ser um passarinho para assoprar e cantar no ouvido do Presidente, eu diria: "Fique com o povo, confie no povo, permita que o povo dê uma palavra sobre reeleição e fique, Vossa Excelência, muito amigo do Sr. Antonio Carlos Magalhães, muito amigo do filho do Sr. Antonio Carlos, muito amigo do Sr. Sérgio Motta, muito amigo de todos, mas não deva a ninguém a sua reeleição; deva a sua reeleição a uma decisão do povo".

Na minha humildade, rezo para que Deus inspire o Presidente, para que Sua Excelência tire uma conclusão que seja serena e da qual não venha a se arrepender no futuro.

Muito obrigado.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/06/1997 - Página 10782