Discurso no Senado Federal

ENFASE EXAGERADA DADA AO TRANSPORTE RODOVIARIO NO BRASIL. PROPOSTA DE INVESTIMENTOS DO GOVERNO FEDERAL PARA RECUPERAÇÃO E MANUTENÇÃO DA MALHA RODOVIARIA BRASILEIRA.

Autor
Gilberto Miranda (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: Gilberto Miranda Batista
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • ENFASE EXAGERADA DADA AO TRANSPORTE RODOVIARIO NO BRASIL. PROPOSTA DE INVESTIMENTOS DO GOVERNO FEDERAL PARA RECUPERAÇÃO E MANUTENÇÃO DA MALHA RODOVIARIA BRASILEIRA.
Publicação
Publicação no DSF de 12/06/1997 - Página 11277
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • ANALISE, INICIATIVA, GOVERNO FEDERAL, SOLUÇÃO, PROBLEMA, PRECARIEDADE, CONSERVAÇÃO, RODOVIA, PROMOÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, CONCESSÃO, ESTADOS, ADMINISTRAÇÃO, REDE RODOVIARIA.
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, GOVERNO, GARANTIA, RECURSOS, RECUPERAÇÃO, CONSERVAÇÃO, RODOVIA.
  • ELOGIO, PARCERIA, GOVERNO, BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO (BID), BANCO INTERNACIONAL DE RECONSTRUÇÃO E DESENVOLVIMENTO (BIRD), RECUPERAÇÃO, PAVIMENTAÇÃO, BENEFICIO, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ESTADO DA BAHIA (BA), ESTADO DE MATO GROSSO (MT), ESTADO DE RONDONIA (RO), ESTADO DO ESPIRITO SANTO (ES), ESTADO DE GOIAS (GO), FACILITAÇÃO, ESCOAMENTO, PROMOÇÃO, REDUÇÃO, CUSTO, TRANSPORTE, MERCADORIA NACIONAL.

           O SR. GILBERTO MIRANDA (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desde os tempos do impulso desenvolvimentista do Governo de Juscelino Kubitschek vem sendo privilegiada, em nosso País, a modalidade rodoviária de transportes. No início, essa decisão estratégica se articulava à implantação, à mesma época, da indústria automobilística no Brasil. Por sua vez, a opção por essa modalidade como principal meio de transporte de carga era, naquele tempo, uma tendência mundial, favorecida tanto pela importância que a indústria automobilística já havia assumido nos países mais avançados quanto pelo baixo nível em que se mantinha até então o preço do petróleo.

           Nosso problema, porém, consistiu no singelo fato de que, enquanto os países ricos davam ao transporte rodoviário uma razoável prevalência sobre as outras modalidades, mas sem descartar completamente estas últimas, nós, por imprudência ou por tendência ao exagero, lhe conferíamos a quase exclusividade. Essa decisão desastrada não foi alterada nem mesmo após os dois choques de alta dos preços do petróleo, em 1973 e 1979. Desperdiçamos, por duas vezes, a oportunidade de promovermos mudanças estruturais mais profundas em nossa matriz de transportes.

           E ainda dizem, Sr. Presidente -- permitindo-me a inserção de um parêntese --, que a oportunidade não bate duas vezes à mesma porta! Pois nem mesmo a bênção de uma segunda chance soubemos aproveitar direito.

           Não estou negando, com isso -- vejam bem, Srs. Senadores --, a importância do Programa do Álcool Combustível nem do esforço de sondagem e produção em águas profundas da Petrobrás, que tanto contribuíram para a redução de nossa dependência do insumo importado e para a criação e o desenvolvimento de tecnologias verdadeiramente nacionais. A questão é que, ao lado desses esforços, não se fez nada que se orientasse no sentido de se mudar o perfil dos transportes no País.

           O resultado dessa ênfase exagerada no rodoviarismo pode ser medido nos seguintes dados, fornecidos pela Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes -- Geipot. Enquanto, em 1993, a modalidade rodoviária respondia, na média dos países desenvolvidos, a 30% da tonelagem bruta transportada, nos países subdesenvolvidos essa fração era de 42%. Pois bem: no Brasil, pasmem os Senhores, esse número chega quase aos 60%! Os índices não são muito diferentes se considerarmos o volume transportado, dado em toneladas-quilômetro: dos cerca de 670 bilhões de toneladas-quilômetro transportadas no Brasil em 1994, pouco mais de 350 bilhões escoaram por nossas rodovias.

           Diante de dados como esses, um estrangeiro que aqui aportasse, sem nada saber sobre o País, certamente argüiria: "Então vocês devem conservar muito bem suas estradas, não é?". Qual não seria sua surpresa diante da realidade que seríamos obrigados a lhe revelar? O que não diria nosso forasteiro quando soubesse que, do quase 1 milhão e 650 mil quilômetros de rodovias, somente cerca de 150 mil quilômetros são pavimentados? Que, de acordo com uma pesquisa, realizada em 1993, pela Confederação Nacional dos Transportes -- CNT nas 15 rodovias federais pavimentadas mais importantes, o estado de conservação do piso de 44% dessa malha foi considerado "péssimo" e de 24% considerado "ruim"?

           Que diria nosso gringo se, além disso, o informássemos de que, apesar desse estado lastimável de nossas estradas, a nossa frota de veículos de transporte rodoviário continua a crescer, à base de cerca de 50% a cada 10 anos, tendo atingido, em 1994, a marca de 1 milhão e 400 mil caminhões, cujo custo de manutenção é 50% maior que em outros países, em decorrência do mau estado das vias? Que esses veículos, dos quais muitos têm mais de 9 anos de uso, rodam por uma malha que, no mesmo período, não chega a crescer sequer 30%? Que essa mistura de mais veículos em pistas ruins é causadora de uma quantidade de acidentes que, apesar de já elevadíssima, vem crescendo assustadoramente nos últimos anos -- cerca de 42% de 1992 a 1995?

           Que diria, ainda, se soubesse que as projeções do Geipot para os custos de recuperação somente do pavimento da malha federal asfaltada ultrapassam os 4 bilhões de dólares? Que o custo anual de manutenção dessa malha, depois de recapeada, chegaria a quase 450 milhões de dólares? Que diria ele, enfim, se tomasse conhecimento de uma estimativa da Embrapa segundo a qual, neste País pobre, onde milhões de pessoas passam fome, cerca de 6% da safra de grãos são perdidos em conseqüência tão somente do estado deplorável das vias terrestres -- aqui incluídas também as ferrovias? Que o custo total, em atrasos, perdas e vidas, provocado pelas condições de nossas rodovias, foi estimado em 10 bilhões de dólares anuais?

           Que país é este que se permite depender tão profundamente de uma modalidade de transporte e abandona por tantos anos as obras para expansão, melhoria e conservação dessa infra-estrutura, deixando-a chegar ao estado em que se encontra?

           Era necessário fazer alguma coisa, e o Governo começou, desde 1994, a oferecer algumas rodovias para a iniciativa privada, na forma de concessões. Estradas como a Via Dutra, ligando o Rio de Janeiro a São Paulo, melhoraram consideravelmente depois de terem sido privatizadas. Desapareceram os buracos da pista da velha Dutra, com o recapeamento de mais de um terço da extensão da estrada; 35 quilômetros de mureta central de concreto foram colocados nos trechos mais perigosos, evitando que veículos descontrolados cruzem a estrada, de uma pista para outra, causa de muitos acidentes fatais.

           Esses, porém, são apenas os primeiros benefícios da privatização da Rodovia Presidente Dutra, que estou tomando por exemplo, neste pronunciamento, por ser das mais importantes e de maior densidade de tráfego do País, uma vez que liga as nossas duas maiores cidades. Depois de gastar mais de 110 milhões de reais na recuperação da estrada, o consórcio que a opera planeja aplicar nela mais 500 milhões de reais somente nos pontos mais críticos e nos 15 quilômetros a partir de cada uma de suas pontas, onde a média de tráfego chega a quase um veículo por segundo.

           Nesses trechos, será colocado um cabo de fibra ótica para comunicações, de modo a possibilitar a instalação de um telefone a cada quilômetro, de câmeras de vídeo e de sensores meteorológicos, para controlar melhor o trânsito e as condições de rolamento da pista. Além disso, uma estação de freqüência modulada será criada em cada extremidade da estrada para transmitir informações 24 horas por dia aos motoristas. A principal fonte de recursos para essas obras é o pedágio, que passou a ser cobrado em 4 estações, ao longo da estrada.

           A estadualização das rodovias federais é uma outra opção para o Governo. Esse processo se daria pela concessão, aos Estados, das rodovias federais. Esses, por sua vez, criariam, com a colaboração da iniciativa privada, pólos de transporte para racionalizar o uso dos recursos públicos. Por essa idéia de pólos de transporte, as empresas concessionárias de estradas mais importantes se encarregariam também da conservação das vias adjacentes, de menor tráfego, em cujas obras o Estado entraria como parceiro.

           A privatização, porém, só representa uma solução para o problema das nossas estradas mais movimentadas, que propiciam um bom rendimento com a arrecadação do pedágio. Os gastos, que mencionei anteriormente, necessários para a recuperação e a manutenção de nossas rodovias, podem tornar a administração da maioria delas pouco atraente para a iniciativa privada.

           Isso se lê claramente em um artigo de Eduardo Brito, editor de economia do Jornal de Brasília, publicado em 10 de dezembro de 1995. Segundo aquele jornalista, o executivo Luiz Fernando Santos Reis, presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Construção Pesada, entidade que reúne as grandes empreiteiras do País, calcula que somente 15% das estradas brasileiras reúnem condições para ser privatizados, por terem um fluxo de tráfego compatível com os custos de sua manutenção. O cálculo é confirmado pelo então Diretor-Geral do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem -- DNER, Tarcísio Delgado.

           Isso significa que a única forma de se reconstruir e conservar nossas rodovias, num sentido mais geral, é o investimento direto do Governo. Para isso, segundo o DNER, com a concordância dos empresários, é necessário assegurar-se a vinculação de recursos a essa finalidade, como se fez outrora com o Fundo Rodoviário Nacional, extinto desde 1988, o qual contava com recursos provenientes de uma taxa cobrada sobre os combustíveis. Essa opção -- recriar um imposto --, porém, não se coaduna com a proposta governamental de simplificação da estrutura tributária do País.

           Por isso, é alvissareira a notícia publicada no último dia 3 de abril no Jornal de Brasília, segundo a qual o Governo, em parceria com o Banco Mundial -- BIRD e o Banco Interamericano de Desenvolvimento -- BID, pretenderia investir 1 bilhão e 250 milhões de dólares na recuperação de 51 mil quilômetros de rodovias federais pavimentadas. Os primeiros Estados beneficiados com esses recursos seriam Santa Catarina, Bahia, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Rondônia, Espírito Santo e Goiás.

           A duplicação da Rodovia Régis Bittencourt, entre São Paulo e Curitiba, é outra boa promessa do Governo. Há décadas campeã mundial de acidentes de trânsito, principal ligação entre o Sul e o Centro do País, essa estrada cresceu em importância estratégica com o advento do Mercosul e não mais pode esperar essa melhoria. São 50 milhões de reais que o Governo aplicará, nos próximos 2 anos, para duplicar todo o trecho paulista da estrada. Até o início do próximo século, espera-se que estará duplicada a ligação de São Paulo até Florianópolis.

           Essas, Sr. Presidente, são algumas das iniciativas do Governo no sentido de reverter esse quadro de horrores que é o estado atual de nossas rodovias. Não tenhamos dúvidas: o peso dos transportes em nosso País é uma parte significativa do chamado Custo-Brasil, e a qualidade das rodovias tem sido um fator importante de aumento do custo de nosso transporte de carga.

           A era da competitividade chegou e vai retirar do mercado o país que não otimizar sua infra-estrutura de escoamento da produção. Se já acordamos para a necessidade de intermodalização dos transportes, dando a devida importância a nossa rede fluvial, regularizando-a em hidrovias, a velha opção pela rodovia ainda continuará a constituir uma boa parte de nossa estrutura de transporte de carga. Isso significa que a recuperação e a manutenção da malha rodoviária são necessidades de primeira ordem, a que o Governo está dando a merecida atenção.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/06/1997 - Página 11277