Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM A VIDA E OBRA DO PEDAGOGO PAULO FREIRE.

Autor
Joel de Hollanda (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Joel de Hollanda Cordeiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM A VIDA E OBRA DO PEDAGOGO PAULO FREIRE.
Publicação
Publicação no DSF de 17/06/1997 - Página 11714
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, PAULO FREIRE, PEDAGOGO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE).

O SR. JOEL DE HOLLANDA (PFL-PE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sabemos que a educação é a ferramenta indispensável para que a sociedade se transforme. Mas que tipo de sociedade queremos com ela construir? Como praticar uma educação verdadeiramente democrática, que crie cidadãos conscientes e participativos? Que forma de educação pode fazer com que as pessoas se transformem a partir delas mesmas, da riqueza de experiência que existe em todo ser humano?

A mente inquieta de Paulo Freire, com certeza, muitas vezes debruçou-se sobre essas questões, desde o tempo em que começou a elaborar e a experimentar aquilo que se tornaria o Método Paulo Freire, de meados dos anos 40 até o início dos 60. As respostas que a elas ofereceu mudaram a concepção da educação em todo o mundo - especialmente a compreensão do que podem ser a alfabetização e a educação básicas, às quais todos os homens e mulheres deve ter acesso. Mas Paulo Freire estava sempre procurando novas respostas, e também novas perguntas: mestre sempre disposto a aprender, especialmente com seus alunos e com as pessoas simples que se alfabetizavam pelo seu método.

O espírito crítico e o questionamento representam um dos componentes básicos não apenas do seu método, mas da filosofia da educação criada e praticada por Paulo Freire. Parte do seu profundo humanismo, outra noção básica: a educação não é imposta de fora para dentro, mas constitui um processo de tomada de consciência do mundo, realizada originalmente por todo indivíduo dentro de uma certa comunidade e de certas condições históricas.

Continuando o legado dos grandes renovadores da educação brasileira de meados do século, como Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, Paulo Freire soube reinventar a mensagem daqueles mestres em um Nordeste marcado por profundas contradições sociais e pela exclusão brutal dos direitos da população. A sonegação do direito de ler e escrever, que dá acesso ao inesgotável mundo da cultura escrita, é um dos traços mais inaceitáveis dessa sociedade desigual.

A simplicidade de seu método de alfabetização encerra uma profunda e ousada compreensão do processo educacional. Palavras geradoras são recolhidas do universo de experiência de cada comunidade: comida, enxada, tijolo. Palavras geram outras palavras e, quando integradas, ampliam a consciência sobre o que nos cerca: tijolo, lajota, lateja, tu já "lê"! A sintaxe errada não impede que avance o processo de desencantamento dos signos escritos, o que não é desprovido de emoção. Aprender as palavras - e as relações entre elas - é aprender a ler o mundo.

Essa conscientização, que compreende e ultrapassa a aprendizagem da escrita e a chamada educação formal, é libertadora e pode efetivamente contribuir para a criação de uma sociedade mais democrática.

Para sintetizar, lembremos a frase do mestre pernambucano que acompanhou a coroa de flores oferecida em seu velório pelos educadores de São Paulo, frase essa que - creio - expressa o autêntico sentimento religioso que sempre guiou sua ação: "Ninguém liberta ninguém. Ninguém se liberta sozinho. Os homens se libertam em comunhão."

Paulo Freire, pernambucano dos mais legítimos, viveu no Recife natal e em Jaboatão até ser exilado pelo Governo militar, em 1964. Vivia-se, na época, a perspectiva de uma profunda mudança na educação brasileira. Após ter realizado exitosas experiências em Pernambuco e em outros Estados nordestinos, Paulo Freire foi chamado a ocupar a Coordenadoria do Programa Nacional de Alfabetização. Banido o seu método e, em seguida, banido ele próprio das terras brasileiras, tiveram ambos, a partir de então, entusiástica acolhida por todo o mundo.

Em países da América Latina, da África, da Ásia, da Europa e da América do Norte, seu método tem sido adotado, e suas obras, estudadas. Mesmo no Brasil do regime militar, sua lição foi absorvida na criação do Movimento Brasileiro de Alfabetização - Mobral, ainda que desfigurada, pois foi eliminado seu conteúdo de conscientização política tendo sido considerado subversivo. Perdia-se, na verdade, a oportunidade de se fazer uma profunda alteração nos rumos da educação e da sociedade brasileira e de trazerem-se para a cena democrática amplos contingentes da população marginalizada.

Nosso educador exilou-se no Chile, onde trabalhou como professor universitário e prestou assessoria aos programas de ensino do Governo. Em 1969, nomeado especialista da Unesco, deslocou-se para os Estados Unidos e começou a lecionar na Universidade de Harvard. Em 1970, ano em que publicou A Pedagogia do Oprimido e foi nomeado consultor de educação pelo Conselho Mundial das Igrejas, Freire fixou-se em Genebra, onde permaneceria até sua volta ao Brasil, em 1979.

A partir de sua base na Suíça, Paulo Freire orientou diversos programas educacionais, desenvolvidos principalmente em países do Terceiro Mundo mas também na Europa e nos Estados Unidos.

Não vou enumerar aqui os títulos e honrarias que recebeu tanto no Exterior como - finalmente - em seu próprio País. Sua presença na educação mundial continua muito viva, influindo ativamente sobre os rumos de uma educação libertadora, que recupera o sentido da grandeza do ser humano em uma época em que os valores humanistas parecem desacreditados.

Prova de que o ser humano pode ser grande deu-nos ele próprio, retornando ao País após 15 anos de saudade sem ódio e sem arrogância, oferecendo sua extraordinária capacidade de trabalho em prol da educação do povo brasileiro e de todos os povos. Passou a lecionar na Universidade de Campinas e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Em 1989, assumiu a Secretaria de Educação do Município de São Paulo. Acompanhou, por todos o País, inúmeras experiências de ensino inspiradas no seu método e em sua filosofia educacional.

Se muito me orgulho, como brasileiro e pernambucano, da brilhante atuação intelectual e da vida coerente e corajosa de Paulo Freire, também me inquieto de que persistam ainda hoje os males que ele procurou combater. A melhor forma de homenagearmos esse excepcional brasileiro é combatermos o analfabetismo e a exclusão a que está relegado nosso povo, e construirmos o Brasil mais livre e mais justo com que tanto sonhava.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/06/1997 - Página 11714