Discurso no Senado Federal

ANALISE DE ALGUNS PONTOS QUE ESTÃO SENDO COLOCADOS DE MANEIRA DISTORCIDA PELO GOVERNO, PARA GARANTIR A APROVAÇÃO DA REFORMA PREVIDENCIARIA, MESMO COMETENDO FLAGRANTES INJUSTIÇAS CONTRA OS SEGURADOS.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL.:
  • ANALISE DE ALGUNS PONTOS QUE ESTÃO SENDO COLOCADOS DE MANEIRA DISTORCIDA PELO GOVERNO, PARA GARANTIR A APROVAÇÃO DA REFORMA PREVIDENCIARIA, MESMO COMETENDO FLAGRANTES INJUSTIÇAS CONTRA OS SEGURADOS.
Publicação
Publicação no DSF de 18/06/1997 - Página 11742
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, PROPOSTA, GOVERNO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, DESRESPEITO, DIREITO ADQUIRIDO, APOSENTADO, PENSIONISTA, PROVOCAÇÃO, INJUSTIÇA, NATUREZA SOCIAL, SEGURADO, SOCIEDADE, ESPECIFICAÇÃO, POPULAÇÃO CARENTE, BAIXA RENDA.
  • INFORMAÇÃO, ENCAMINHAMENTO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, EMENDA, PROPOSTA, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, GARANTIA, REPOSIÇÃO, DIREITO ADQUIRIDO, SEGURADO, ESPECIFICAÇÃO, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA.
  • DEFESA, ADOÇÃO, SENADO, PARTE, SUBSTITUTIVO, ORIGEM, CAMARA DOS DEPUTADOS, REFERENCIA, PROPOSTA, GOVERNO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (BLOCO/PSB-SE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, já em tramitação nesta Casa, um dos projetos mais polêmicos, o da Reforma da Previdência, porquanto atinge os interesses de milhões e milhões de brasileiros. Pretendo abordar neste discurso alguns aspectos dessa proposição que considero importantes para a completa elucidação de alguns pontos que estão sendo colocados de maneira distorcida para garantir a qualquer preço a sua aprovação, mesmo à custa de injustiças contra a maioria esmagadora dos segurados da Previdência Social.

           O discurso do Governo:

           "As reformas são necessárias para acabar com os privilégios e modernizar o Estado".

           A prática:

           Com base nas recomendações do Consenso de Washington o governo adota a política da reforma ou desmonte do Estado: as privatizações, o ajuste fiscal, a abertura comercial, a reforma administrativa, a reforma da previdência, o fim das restrições às empresas estrangeiras, a desregulamentação das leis trabalhistas.

           O governo, na realidade, se tornou presa fácil do sistema econômico internacional pela sua notória dependência de recursos externos. Com um buraco nas contas externas, apenas nos últimos cinco meses, que chega a 4% do PIB (US$ 31 bilhões) e tende a crescer, aumenta cada vez mais a preocupação do Governo em satisfazer às exigências do mundo industrializado, na esperança de que receba aqui investimentos estrangeiros que possam conter o déficit. Ora, é inconcebível que, para se aliviar o saldo negativo de nossas contas, sejam penalizados, através de ajustes fiscais, segmentos mais pobres da sociedade brasileira. 

           Então, o Brasil nesta quadra de dificuldades econômicas em que vive, subordinado ao capital externo, passou a ser um mero executor daquele consenso que tem como objetivo aparente promover a estabilidade econômica dos Estados que seguirem a sua orientação. Mas por detrás dessas providências, à primeira vista boas e corretas, o que existe na realidade é a preocupação meramente econômica dos países desenvolvidos: a) resolver os problemas dos bancos credores, pois, com o endividamento crescente dos países latino-americanos provocado em primeiro lugar pela cobrança de juros escorchantes, há o receio de um calote geral e o surgimento de uma crise sistêmica internacional; b) resolver os problemas de exportação dos países industrializados com o alargamento dos mercados, principalmente os dos países subdesenvolvidos, facilitando as vendas de seus produtos no exterior, possibilitando o aquecimento de suas economias e reconquistando novos postos de trabalho a nível interno.

            No entanto, toda essa estratégia foi colocada em prática sem levar em consideração as consequências sociais que adviriam com a sua execução, haja vista que nenhuma medida de proteção social foi prevista no sentido de assegurar, nos países subdesenvolvidos, a oferta de emprego, o combate à concentração de renda, bem como os meios de coibir a redução do salário e o aumento das tarifas, a deterioração da assistência médico-hospitalar, da educação pública, da segurança pública ...

           "A Reforma da Previdência tem como justificativa a uniformização de critérios, a extinção de privilégios e a desconstitucionalização de dispositivos normativos que deveriam constar apenas da legislação complementar."

           Outra grande falácia.

           A "Reforma" não passa de um ajuste, com duas faces. De um lado, supressão de direitos; de outro, a elevação das taxas de contribuição. 

           Não ataca as verdadeiras causas da crise da previdência, dentre as quais destacamos as seguintes:

           I) O descumprimento do plano de custeio, como o não recolhimento das contribuições da União, dos Estados, Municípios e de uma minoria de empregadores que não recolhem suas contribuições (transferidas nos custos para os consumidores) e se apropriam das mesmas apesar de descontadas de seus empregados; e, em vez de serem processados pelos crimes de sonegação e de apropriação indébita, são premiados por seguidas anistias, com prolongamento do débito, dispensa das multas, juros e correção monetária.

O sistema previdenciário brasileiro operou com superávit durante mais de trinta anos com um ingresso crescente de novos segurados gerando uma receita muito superior às despesas decorrentes dos benefícios de curta duração e com os encargos de aposentadorias. Foi, a partir dos anos 60, que o sistema passou a ser deficitário, sendo a acumulação de volumoso débito do Estado e empregadores o principal fator do desequilíbrio financeiro. A dívida estatal, para com a previdência, atingiu ao longo dos anos números tão expressivos que chegou a provocar uma crise política (em 1983), culminando com o pedido de demissão do titular da pasta da previdência, Ministro Hélio Beltrão, o qual em sua carta de renúncia disse, em resumo, o seguinte:

SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães. Fazendo soar a campainha) - Senador Antônio Carlos Valadares, permita-me prorrogar a Hora do Expediente pelo prazo de 15 minutos, para que V. Exª possa concluir o seu discurso.

O SR. ANTÔNIO CARLOS VALADARES - Agradeço a V. Exª, Sr. Presidente.

           "Note-se que a atual insuficiência financeira não se teria verificado caso a União estivesse em dia com as suas obrigações legais, o que permitiria a manutenção, na Previdência, de uma reserva - hoje inexistente - para fazer face aos períodos de instabilidade econômica. Na verdade, a União é devedora de vultosa importância decorrente do fato de que há muitos anos não vem realizando com regularidade a obrigação que legalmente lhe compete, ainda que essa obrigação esteja hoje reduzida à responsabilidade de custear as despesas com o pessoal e a administração geral do sistema. Não vejo como se possa sequer pensar em resolver um problema conjuntural e decorrente primordialmente da política econômica vigente, mediante o aumento das contribuições ou a redução de benefícios, medidas que, além de socialmente injustas, são evidentemente inviáveis no campo político".

           Auditoria do Tribunal de Contas da União (31 de março de 1995) afirmou ser a Previdência Social credora de R$ 34 bilhões de débitos previdenciários, sendo que 19% destes débitos correspondem à inadimplência do setor público (União, Estados e Municípios). A auditoria constatou, ainda, que o Governo, além de não pagar o que devia, apropriou-se de R$ 659.434.698,00 de recursos originários da contribuição de empregados e empregadores para cobrir despesas de responsabilidade do Tesouro Nacional.

Uma das causas dos desvios de recursos e das distorções do sistema foi, sem dúvida alguma, o fim da co-gestão, ocorrido durante a vigência do regime militar que impôs uma unificação de todo o sistema com a centralização administrativa, sem a participação no controle das atividades da previdência de representação de seus segurados.

Um exemplo da voracidade do Governo em utilizar-se dos recursos arrecadados de empregados e empregadores está na Lei nº 5890/73, a qual incorporou o salário-família ao plano de benefícios e extinguiu o "Fundo de Compensação do Salário-Família", passando as diferenças existentes a constituir receita ou encargo do INPS... Como a diferença era superavitária, essa foi a forma ardilosa de se legalizar o uso indevido do saldo credor daquele fundo extinto, que alcançava a cifra impressionante de 2 bilhões e 100 milhões de cruzeiros.

Em cinco reformas da Previdência (a primeira começou em 1933, com a transformação das Caixas em IAP's) houve desmembramentos, fusões, extinções, criação e recriação de Ministérios e órgãos, estabelecendo uma verdadeira balbúrdia no sistema, agravada com a imposição de mudanças tais como: mudança do regime financeiro de capitalização para o de repartição; aumentos seguidos das taxas de contribuição; aumento e redução do teto de contribuição; instituição e supressão de benefícios; achatamento proposital do valor dos benefícios; incorporação de novos beneficiários sem cobertura financeira da União; isenções; não se conhecendo até o momento a realização de estudos técnicos e atuariais necessários à avaliação dos impactos sobre as finanças do sistema para assegurar sua viabilidade.

Uma minoria empresarial tem se aproveitado, ao longo dos anos, da benevolência do Executivo e do Legislativo para conseguir anistias de seus débitos. Essas anistias são inaceitáveis porque dão cobertura ao cometimento de dois crimes: o de sonegação fiscal (deixar de recolher as contribuições exigidas em lei) e o de apropriação indébita (deixar de recolher as contribuições pagas regularmente pelos empregados). Quer dizer: além de perdoar as dívidas decorrentes de uma contribuição obrigatória, a anistia permite ao empresário faltoso ficar com o recurso suado dos trabalhadores e aplicá-lo indevidamente em atividades estranhas à previdência, quando, em tais casos, o certo seria devolvê-los aos trabalhadores prejudicados com multas proporcionais ao seu atraso, além da responsabilização penal pelo uso indevido do dinheiro do segurado. 

Para que se tenha uma idéia do estoque da dívida dos empregadores, basta dizer que em apenas 40 empresas do país existe um crédito em favor da previdência social de cerca de R$ 3 bilhões.

No que diz respeito ao Imposto de Renda, que em tese, por incidir diretamente sobre a renda auferida, deveria a sua arrecadação originar-se principalmente dos segmentos mais ricos, acontecesse justamente o contrário.

A renúncia fiscal (subsídios e incentivos fiscais) terminou por impor aos assalariados o maior peso na arrecadação do I.R. No ano de 1980, por exemplo, a Receita Federal teve que devolver aos empresários, em face da renúncia fiscal, o correspondente a 99,28% da receita tributária da União. Já no ano de 1994, no período de vigência do real, foram devolvidos aos empresários cerca de 7,8 bilhões de reais. Compreendemos que todos os países praticam a renúncia fiscal, todavia na maior parte deles existe uma contrapartida de obrigações sociais por parte das empresas beneficiadas, o que infelizmente não constatamos em nosso país. 

           A renúncia fiscal privilegia assim os mais ricos.

           Embora desconhecida, a complementação dos polpudos salários dos grandes empresários e o custeio de seus seguros e de seus planos de saúde, é subsidiado pelo Tesouro Nacional por imposição da Lei nº 9249 do imposto de renda das pessoas jurídicas e assim custeada indiretamente pelos trabalhadores de baixa renda.

           Continuando, podemos apontar outros fatores que determinaram a falência da previdência social no Brasil:

           II) a administração centralizada, resquício de regimes autoritários, com administradores que estabelecem uma relação promíscua entre a gestão pública e os interesses de grupos mercantis que exploram a previdência com o objetivo do lucro, gerando as mazelas da corrupção, do empreguismo, do enriquecimento ilícito, da manipulação político-partidária, do desvio das contribuições de agregados e empregadores para fins estranhos à previdência, etc;

           III) do regime financeiro de repartição, adotado nos anos 70 em substituição ao regime de capitalização anterior, depois da malversação das reservas técnicas acumuladas;

           IV) da unificação do sistema (dos antigos IAP's), da qual resultou o INPS (atual INSS), que permitiu o surgimento de uma estrutura gigantesca, incontrolável e inadministrável.

           Na reforma há casuismos que privilegiam inclusive Ministros de Estado (é só ler o art. 12 do substitutivo) permitindo-lhes a acumulação dos proventos da aposentadoria com a remuneração do cargo. Esse dispositivo que privilegia os Ministros teve o seu prazo de vigência aumentado de dois anos (proposta do governo) para quatro anos (substitutivo), por coincidência na fase em que se aprova no Congresso a proposta da reeleição.

           A sociedade cobra a adoção de uma lei previdenciária realmente justa, destituída de discriminações e privilégios.

Será que é justo permitir a anistia a empresas que praticam os crimes da sonegação fiscal e apropriação indébita? será que é justo conceder renúncia fiscal indiscriminada tirando recursos do I.R. sem atentar para a obrigatoriedade dos empregadores em promover melhorias sociais para seus empregados? será que é justo dar privilégios a Ministros de Estado e outros segmentos do Serviço Público de acumular proventos com a remuneração percebida? será que é justo penalizar a mais de 90% dos segurados da previdência social com a subtração de direitos consignados na Constituição Federal, e que foram conquistados após uma luta de muitos anos junto ao Congresso Nacional e às Constituintes que foram instaladas neste País?

           Como explicar a imposição, pelo Substitutivo à PEC nº 033/96, de dispositivos tão prejudiciais como os que abaixo relaciono?

           1. Art. 40 - permite reduzir proventos ou aumentar contribuição para preservar o "equilíbrio financeiro e atuarial" da previdência;

           2. § 4º do art. 40 - reduz os proventos à remuneração do cargo efetivo, portanto, as gratificações estarão excluídas.

           3. § 5º do art. 40 - acaba com a paridade entre ativos e inativos. A partir daí, nenhuma vantagem será repassada aos aposentados e pensionistas.

           4. § 8º do art. 40 - determina a contribuição ao INSS pelos inativos e pensionistas.

           5. § 14º do art. 40 - o Governo fica autorizado a fixar teto para aposentadoria e pensões dos servidores públicos, até o limite de R$ 957,00, que é o teto para trabalhadores da Previdência Social.

           6. Art. 249 (artigo novo) - permite mais um desconto para constituir um fundo destinado ao pagamento das aposentadorias e pensões. Não há previsão de contribuição por parte do Governo. Este desconto não exclui o da previdência.

           7. Art. 5º (do substitutivo) - só assegura a paridade até a entrada em vigor da lei que a regulamenta, que poderá ocorrer logo em seguida. 

O melhor caminho, a nosso ver, seria sem dúvida que o Senado, naquilo que não configure um injusto posicionamento contra os segurados, adotasse partes da estrutura do Substitutivo oriundo da Câmara, o qual, apesar de instituir a aposentadoria por tempo de contribuição, eliminando a aposentadoria por tempo de serviço, se apresenta como mais conveniente aos ajustes necessários. Daí é que com esse objetivo encaminhamos à consideração da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, várias emendas que repõem direitos considerados irreversíveis para todos aqueles que contribuem para a previdência, notadamente os situados nas faixas dos contribuintes de baixa renda. 

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/06/1997 - Página 11742