Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM A MEMORIA DO EX-PRESIDENTE ERNESTO GEISEL.

Autor
Guilherme Palmeira (PFL - Partido da Frente Liberal/AL)
Nome completo: Guilherme Gracindo Soares Palmeira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM A MEMORIA DO EX-PRESIDENTE ERNESTO GEISEL.
Publicação
Publicação no DSF de 07/08/1997 - Página 15772
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ERNESTO GEISEL, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. GUILHERME PALMEIRA (PFL-AL. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente Antonio Carlos Magalhães; Srtª Amália Lucy Geisel; Srs. ex-Ministros e ex-Assessores do Presidente Geisel; Srªs e Srs. Senadores, não sei se ainda caberia mais uma palavra nesta histórica sessão do Senado, em que se homenageia a figura desse grande brasileiro, desse homem público ímpar e desse estadista, o Presidente Ernesto Geisel. Mas, pelas ligações que passei a ter com o Presidente Geisel, pela admiração que sempre lhe devotei, sinto-me no dever de dizer também mais algumas palavras. Quando a pessoa é boa, justa e importante, no universo do qual fazemos parte, é sempre bom dirigirmos a ela mais uma palavra.

Sr. Presidente, não sei - volto a dizer - se esta homenagem, em que reverenciamos a memória de Ernesto Geisel, deve ser tributada às qualidades do cidadão, ao zelo profissional do militar, à austeridade do Chefe de Estado, ao equilíbrio do homem público ou à estatura do estadista. Quaisquer que sejam os reparos que os seus adversários possam ter-lhe feito em vida ou depois de sua morte, tenho a convicção de que ninguém neste País lhe negará o reconhecimento de que foi a soma de suas virtudes que permitiu ao Brasil retornar ao Estado de Direito, restaurar a legitimidade constitucional e reconquistar a democracia, vocação histórica de nosso povo.

Indicado e eleito Governador do meu Estado, Alagoas, no final do seu Governo, o testemunho que posso dar dos anos de convivência mais estreita que tivemos é o de que foi um patriota guiado exclusivamente pelos interesses coletivos do nosso País. Era desses homens que tinha visão e consciência histórica do papel que lhe cabia desempenhar como Chefe de Governo. Usou sem estremecer os instrumentos excepcionais que herdou de seus antecessores, com o único, premeditado e ostensivo propósito de cumprir o que foi a sua mais gloriosa tarefa. Tendo recebido o poder discricionário armado dos Atos Institucionais com que foi dotado pelo regime militar de 64, entregou ao sucessor, por ele escolhido, um regime com a plenitude das garantias constitucionais.

Enfrentou com elevação, digna e serenamente, a diversidade de um período de turbulências externas, representadas pela crise do petróleo, conciliando-a com as exigências do crescimento econômico, que eram sua constante e permanente preocupação.

No comando da Nação, exerceu, sem limitações, a plenitude da soberania do País, inclusive quando, convencido de que se tentava pressioná-lo com a questão dos direitos humanos, com cujas violações deu provas incontestáveis de não transigir, não hesitou em denunciar o acordo militar Brasil/Estados Unidos, vigente desde a década de 50. Era, sob esse aspecto, como em tantos outros, sereno, mas inflexível, porque não admitia ingerências em nossa soberania. Suas crenças idelógicas jamais o impediram de identificar, com acuidade e visão de estadista, até onde chegavam os interesses brasileiros. Durante o seu mandato, deu inúmeras e incontestáveis demonstrações de que, nesta matéria, agiria sempre com a paixão de um verdadeiro patriota. Invoco apenas a circunstância de ter reconhecido a independência de Angola antes de qualquer outro país, a despeito de se tratar de um governo do movimento marxista, liderado por Agostinho dos Santos. Do confronto entre sua atitude e a do Presidente Carter, que recriminou o seu governo sem conhecê-lo pessoalmente, resta clara, transparente e iniludível a sua visão de política internacional. Se o governo americano tivesse a mesma atitude que Geisel, reconhecendo um governo de incontestável legitimidade, em respeito à autodeterminação do país, em vez de apoiar o movimento insurrecional de Jonas Savimbi, teria poupado a vida de milhares e milhares de angolanos, vítimas da guerra civil, sustentada pelas ambigüidades e contradições da política externa americana.

Pode-se dizer de qualquer de seus antecessores ou sucessores que teve a mesma vocação de devotamento ao Brasil, mas ninguém ousará dizer que qualquer deles superou Ernesto Geisel nesse aspecto. Jamais subordinou qualquer valor, por mais caro que lhe fosse pessoalmente, aos superiores interesses nacionais. Os episódios da demissão do General Eduardo Melo, do Ministro Silvio Frota e do seu Chefe de Gabinete Militar, o General Hugo Abreu, que lhe deixaram profundas cicatrizes pessoais, são uma prova disso. Não se curvou ao sentimento de camaradagem, de solidariedade profissional ou de amizade pessoal, porque jamais hesitou em cumprir o seu dever, mesmo que seus atos pudessem feri-lo no seu brio de militar ou nas crenças de cidadão. Era, sob esse aspecto, um cidadão de Plutarco.

Tinha pelo Congresso Nacional um apreço que poucos podem supor. Para testemunhá-lo, invoco apenas dois episódios: o primeiro foi tornado público pelo Senador Petrônio Portella, então Presidente do Senado, que, com incontestável obstinação, se empenhou na missão a ele confiada por Geisel de reparar o caminho da reconstitucionalização brasileira, em 1977, por ele traçada, como se afirmou então, "com régua e compasso".

Quando ainda era candidato escolhido, mas não eleito, o Senador Petrônio Portella foi visitá-lo em seu gabinete, na antiga sede do Ministério da Agricultura, e levou de presente oito volumes da obra O Parlamento e a Evolução Nacional, preparada pelo historiador José Honório Rodrigues e por ele editada em sua gestão nesta Casa. Petrônio Portella esqueceu-se do episódio do qual se lembraria anos depois, em um dos momentos mais tensos por que passou o Governo. Quando discutia com ele e com o General Golbery as alternativas a serem adotadas para enfrentar a difícil questão política com que se defrontava o seu governo, Geisel deu o julgamento final afirmando que, qualquer que fosse a solução, parecia-lhe indispensável preservar o Congresso como instituição, não a confundindo com qualquer de seus membros. E fez, na oportunidade, a revelação que surpreendeu a Petrônio: 

      "O Brasil deve muito ao Congresso e, eu mesmo, aprendi muito o quanto tem sido importante para o País, com livros que o senhor me presenteou."

Era esse o pensamento e o respeito que Geisel tinha pelo Congresso e seus membros.

O outro episódio diz respeito a uma decisão tomada na Câmara pela Bancada da Arena, cujo Líder, ao levar-lhe o resultado, propôs que ele fizesse a opção em sentido contrário à decisão da Bancada. Seco e sem hesitar, repeliu de imediato e sem mais insinuações, respondendo apenas:

      "Se não era para respeitar, o senhor não devia ter feito a votação."

Era assim, franco, direto, reto, ínclito e sem meias palavras, o cidadão, o homem público e Estadista Ernesto Geisel.

Mesmo nos episódios em que se admite que possa ter errado, como no polêmico programa nuclear, somos obrigados a reconhecer que, se cometeu enganos ou erros de avaliação, isso se deveu exclusivamente à intransigência com que procurava evitar qualquer arranhão na soberania nacional. Ante a ameaça do Governo norte-americano de não assegurar o fornecimento de combustível para a usina Angra I, como represália às posições brasileiras em relação à sua política externa, quem não teria a mesma atitude, Sr. Presidente?

Avaliando sua contribuição à causa pública, em todos os cargos que exerceu ao longo de sua fecunda e profícua vida, não se pode deixar de reconhecer que se inspirou sempre nos melhores e mais duradouros exemplos históricos dos que o antecederam, cuja experiência conhecia em detalhes, muito embora jamais tivesse ostentado a erudição que tinha nessa matéria. Como Presidente da República, foi um permanente e devotado servidor do País; como militar, foi um exemplo para as Forças Armadas; e, como cidadão, foi um homem a cujas virtudes temos que nos curvar. Tinha uma estatura cívica que pode ser comparada à dos maiores brasileiros e à dos grandes Presidentes. Sua probidade pessoal não admitia qualquer violação dos preceitos éticos com os quais sempre foi rígido e inflexível, em todas as posturas que assumiu e em todos os atos que praticou. Sua rígida formação luterana, sua espartana educação familiar e sua devoção à carreira das armas moldaram-lhe o espírito, formaram-lhe o caráter e deram uma enorme dimensão à sua figura de homem público.

Nada pode tê-lo engrandecido mais do que arrostar todas as conseqüências para levar o Brasil à trilha da democracia. Não hesitou em contrariar amigos, desagradar adversários e convencer correligionários. Teve uma atuação, além de patriótica, didática na restauração da liberdade de imprensa. Sua visão como político era a de que tinha consciência da importância da vida partidária, para a consolidação democrática. A sua experiência pessoal lhe permitiu identificar, entre as lideranças políticas com que podia contar, aqueles que eram capazes de compreender a sua grandeza, e aliar-se a seu projeto de restauração democrática, para pôr fim ao regime de excepcionalidade em que vivíamos, quando tomou posse. Seu lema de "distensão lenta, gradual e segura" foi cumprido com obstinação, dignidade e coerência. A parceria que estabeleceu com o General Golbery, com quem conviveu durante o Governo do Presidente Castello Branco, quando exerceu a chefia da Casa Militar, constituiu a feliz combinação de quem era capaz de formular idéias claras, precisas e sem ambigüidade com alguém capacitado para operá-las com eficiência e aplicação.

Nenhum exemplo talvez ilustre mais a retidão de seu caráter do que a atitude que tomou depois que deixou a Presidência da República. Com os amigos devotados, jamais deixou de acompanhar os nossos destinos, opinando privadamente, sem jamais se manifestar publicamente. Faz lembrar, Srs. Congressistas, a atitude digna de Washington Luiz, em seus 15 anos de exílio, período em que jamais comentou em público suas divergências políticas, sob o argumento correto de que as questões políticas internas deviam ser discutidas no Brasil, nunca no exterior. Tinha o ex-Presidente Geisel todo o direito a um ócio digno, de quem dedicou toda a vida à causa nacional. Mas não deixou de terçar armas. Continuou servindo com o mesmo empenho e dedicação na direção da Norquisa, cujas atividades entendia essenciais para dar auto-suficiência ao Brasil em insumos básicos, traço que foi a característica mais marcante de seu Governo.

Ao reverenciar a sua memória, portanto, Sr. Presidente, não presto apenas o preito de gratidão do amigo de que só recebeu conselhos edificantes e exemplos de serenidade. Registro aqui o tributo de brasileiro com a consciência de que devemos todos a Ernesto Geisel a retomada do caminho da democracia que a sua entrega e as suas qualidades nos devolveram com honra, dignidade e extraordinária elevação.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/08/1997 - Página 15772