Discurso no Senado Federal

CRITICAS AS DECLARAÇÕES DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, POR OCASIÃO DO LANÇAMENTO DO PROGRAMA CEDULA DA TERRA, E AS AÇÕES GOVERNAMENTAIS RELATIVAS A REFORMA AGRARIA.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • CRITICAS AS DECLARAÇÕES DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, POR OCASIÃO DO LANÇAMENTO DO PROGRAMA CEDULA DA TERRA, E AS AÇÕES GOVERNAMENTAIS RELATIVAS A REFORMA AGRARIA.
Publicação
Publicação no DSF de 15/08/1997 - Página 16431
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • PROTESTO, DECISÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PRIORIDADE, APLICAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, PROGRAMA, ASSENTAMENTO RURAL, ESTADO DO MARANHÃO (MA), ESTADO DO CEARA (CE), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), ESTADO DA BAHIA (BA), EXCLUSÃO, ESTADO DO PARA (PA), ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • CRITICA, PROJETO, LANÇAMENTO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, ASSENTAMENTO RURAL, MOTIVO, PRESERVAÇÃO, TERRAS, UTILIZAÇÃO, ESPECULAÇÃO, FAZENDEIRO, FORMA, ATUAÇÃO, PARTIDO POLITICO, OPOSIÇÃO, GOVERNO FEDERAL.
  • SUGESTÃO, PROJETO, GOVERNO FEDERAL, REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, REPASSE, VERBA, PROCEDENCIA, BANCO INTERNACIONAL DE RECONSTRUÇÃO E DESENVOLVIMENTO (BIRD), ASSOCIAÇÕES, TRABALHADOR, IMPEDIMENTO, AQUISIÇÃO, TERRAS, PROPRIEDADE, TRABALHADOR RURAL.
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REALIZAÇÃO, ASSENTAMENTO RURAL, MOTIVO, OCORRENCIA, CRIME, CONFLITO, POSSE, TERRAS, ACUSAÇÃO, TRABALHADOR, PROPRIEDADE IMPRODUTIVA, BRASIL.

O SR. ADEMIR ANDRADE (BLOCO/PSB-PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem o Presidente da República lançou uma nova modalidade de ocupação da terra no Brasil: um programa denominado Cédula da Terra.

O programa será efetivado com recursos externos, recursos do Bird, e constitui uma nova modalidade de assentar o homem no campo. Em vez de o Estado desapropriar o latifúndio improdutivo e nele assentar o trabalhador rural, o Governo, agora, dá uma nova opção ao trabalhador. Coloca, em disponibilidade, na mão dele, a importância de R$10 mil, para que ele compre a terra. Ao longo de 10 anos, o trabalhador rural deverá restituir ao Governo esse empréstimo, que tem um prazo de carência de três anos, em sete prestações anuais corrigidas pela TJLP.

A primeira crítica que faço ao Senhor Presidente da República refere-se à área de aplicação do projeto. Não consigo compreender o critério adotado pelo Senhor Fernando Henrique Cardoso. Essa nova modalidade de reforma agrária vai ser implantada nos Estados do Maranhão, Ceará, Pernambuco, Minas Gerais e Bahia.

Ora, todos sabemos que o Estado mais convulsionado do Brasil na luta pela reforma agrária é o Pará. Em segundo lugar, está o Estado de São Paulo, na área do Pontal de Paranapanema.

Por que o Governo decide implantar um programa desse tipo em áreas que não são as mais conflituosas?

Portanto, assinalo, em nome do povo do Pará, o nosso protesto por essa decisão do Senhor Presidente da República.

A segunda crítica que faço a esse projeto é no sentido de que o Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso está dando opção de transferência de uma terra produtiva para as mãos de alguém que continuará a produção, porque os trabalhadores, sozinhos, isolados, haverão de comprar as terras melhores, de buscar aquelas que lhes oferecem alternativa de escoamento à produção, as que tem fácil acesso à energia, e assim por diante.

Se isso ocorrer, estaremos tomando a terra de um e passando para outro; não estaremos tomando a terra de alguém que a usa para especulação. Depois, não sei se o valor de R$10 mil será suficiente para que o trabalhador rural compre uma área onde possa trabalhar. De acordo com o que foi proposto, o trabalhador poderá comprar a terra de alguém igual a ele, ou seja, entrará na terra e, ao mesmo tempo, tirará uma família dela. Quem vender evidentemente haverá de sair e de se deslocar da área.

Quero fazer referência especificamente à forma como o Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso se dirige à população brasileira, por meio da apresentação de seus falaciosos programas de ação política.

Vejam o que diz o Presidente ao apresentar o seu projeto:

      "Talvez os que gostem da reforma agrária somente para fins políticos fiquem tristes, queixosos. Talvez não gostem do que nós estamos fazendo hoje aqui. Pois melhor que não gostem mesmo porque faremos mais".

Não consigo compreender a preocupação do Presidente da República com os que lhe fazem oposição. Por que tanta preocupação? Quero que Sua Excelência saiba que não usamos a reforma agrária como slogan, conforme sugeriu, e que jamais seremos contra qualquer atitude do Governo que implante a reforma agrária.

O que nós da Oposição queremos é que o Presidente da República faça, de fato, a reforma agrária; que Sua Excelência seja um bom governante. Se agir dessa forma, não haverá nenhum problema em que o povo o queira, respeite, aprecie e até reeleja. Nós desejamos que Sua Excelência governe bem este País.

No entanto, disse o Presidente, ao discursar: "Pois melhor que não gostem mesmo porque faremos mais". Por que Sua Excelência quer que não gostemos de algo bom? Não compreendo esse tipo de atitude.

Aliás, Sua Excelência sempre faz as coisas sozinho. À cerimônia realizada ontem não estava presente o MST, nem a Contag, que alegou não ser esta a forma correta de se fazer a reforma agrária, já que se relegava o papel do Estado de fazer a desapropriação e se permitia a troca de propriedade entre uma família e outra.

Só que a Contag esquece o problema do custo. O processo de desapropriação feito pelo Governo está saindo muito caro para o Estado. Sai muito cara a compra da terra e também o apoio que o próprio Governo tem de dar depois, para que o cidadão continue a trabalhar a terra.

Como prova de que queremos gostar do que é bom - Sua Excelência não deve preocupar-se com isso -, encaminho uma sugestão para que aperfeiçoe o seu projeto. Proponho que os recursos não sejam dados diretamente ao trabalhador, mas repassados a uma associação de trabalhadores; que não seja permitido que o trabalhador compre a terra de outro trabalhador. Sugiro que o trabalhador compre uma propriedade de médio ou grande porte, para que nela sejam assentadas inúmeras famílias. Nós só queremos contribuir.

Para finalizar, Sua Excelência afirma: "(...) A despeito das gritarias que se possam fazer, nunca na História se terão assentado tantas famílias no campo como no meu governo".

O Presidente disse que, com o projeto, será possível assentar 15 mil famílias a mais do que as 280 mil que o Governo prometeu assentar até o final do mandato, no ano que vem.

Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso, Vossa Excelência é um homem iludido ou mal informado, porque o seu Governo ainda não assentou ninguém; simplesmente regularizou a situação das pessoas que invadiram a terra. O seu Governo não se antecipa ao conflito. A única desapropriação feita, neste País, antes que a terra tivesse sido invadida foi a da antiga Fazenda Bradesco, hoje, Fazenda Tainá-Rekã, no Estado do Pará. Mesmo assim, isso aconteceu por muita pressão nossa e dos trabalhadores que ficaram acampados às portas da fazenda, durante mais de cinco meses.

O Governo Fernando Henrique Cardoso nunca assentou ninguém em nenhuma terra. Sua Excelência não desapropriou a terra antes que ela fosse ocupada; simplesmente resolveu o problema depois da sua ocupação, muitas vezes depois que mortes ocorreram e crimes foram perpetrados. É nesse momento que o Governo chega para regularizar a situação e coloca no seu balanço que assentou famílias de trabalhadores. Na verdade, as famílias se assentaram, e o Governo regularizou a coragem das pessoas que ocuparam aquelas terras.

Na verdade, o Governo é um incentivador das ocupações porque não se antecipa à necessidade da população, à demanda que há neste País por ocupação de terra; portanto, é natural que as pessoas sem alternativa a ocupem e criem o conflito a que assistimos no nosso País.

Faço questão de registrar, pela segunda vez, que a exceção à regra do Governo Fernando Henrique Cardoso foi a desapropriação - ainda não concluída, porque até hoje não foi dada imissão de posse - da Fazenda Tainá-Rekã, antiga Fazenda Bradesco, de 61 mil hectares de terras, no sul do Estado do Pará, especificamente no Município de Conceição do Araguaia, onde serão assentadas 1.200 famílias. Pelo menos, trata-se de um belíssimo projeto. Não sei se o Governo colocará o dinheiro necessário para os trabalhos que precisam ser realizados.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso não devia preocupar-se com a Oposição. Quando proferiu seu discurso no Palácio do Planalto, fechado naquele ambiente luxuoso, não havia ninguém da Oposição; portanto, não havia razão para Sua Excelência fazer essa agressão gratuita, essa brincadeira, ou dizer que não gostaríamos do seu projeto.

Com o que está preocupado o Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso? Sua Excelência deveria estar preocupado em informar o povo brasileiro. Até agora, dos recursos previstos no Orçamento da União para o combate à mortalidade infantil, por exemplo, Sua Excelência gastou apenas 12,59%.

Aliás, Senador, V. Exª, há poucos dias, fez referência a essa questão. Sabem V. Exªs quanto Sua Excelência já gastou do Orçamento da União com a reforma agrária? Somente 6,28%. É isso que Sua Excelência deveria mostrar à Nação brasileira, sem ficar fazendo essa propaganda fácil, com essa conversa fiada ao dizer que fez o que não faz. Apenas esse o percentual aplicado na reforma agrária neste País até hoje. Vejam que, para a reforma agrária, estão destinados R$2,6 bilhões.

Repetirei algo que sempre digo neste Plenário: para as Forças Armadas estão previstos R$15,8 bilhões; e, para o serviço das nossas queridas dívidas, para engordar o bolso dos banqueiros nacionais e multinacionais, estão previstos - em recurso do Tesouro - R$33 bilhões. Vamos ver o Orçamento, vamos consultar as despesas do Governo e veremos se está cumprindo, rigorosamente, o estabelecido no Orçamento para o pagamento dos juros desses banqueiros. Por outro lado, para o que interessa à reforma agrária e às questões sociais não há recursos - estes que nós mesmos aprovamos e que este mesmo Governo previu gastar em 1997.

O Presidente da República deveria estar preocupado em justificar para a sociedade brasileira por que está disponibilizando R$35 milhões para fazer a propaganda do seu programa "Brasil em Ação", no qual estabeleceu 42 metas de trabalho. Se este Governo tivesse o mínimo de seriedade, deveria entender que obra o povo vê e sente porque se beneficia com ela. Que necessidade tem o Sr. Fernando Henrique Cardoso em gastar essa quantia em propagandas?

Recentemente, o Ministro Raul Jungman, pessoa a quem aprecio, foi ao Estado do Pará. Passamos 3 dias juntos. Havia festa por onde S. Exª passava, porque destinou R$12 milhões para a construção de estradas vicinais, escolas e postos médicos em convênios assinados com 20 prefeituras. Imaginem um Estado como o nosso, com um milhão e duzentos mil quilômetros quadrados, com mais de 100 projetos de ocupação - transformados em assentamento - e que recebe a insignificância de R$12 milhões para as estradas vicinais! O recurso foi destinado a 800km de asfalto, ou seja, apenas para o sul do Pará. O levantamento que apresentamos era de 35 mil quilômetros de estradas vicinais. Os recursos foram destinados para apenas 800km, diante de uma necessidade bem maior: 35 mil quilômetros!

Doze milhões e o Ministro foi recebido com festa no Estado do Pará. Agora o Senhor Presidente da República mete a mão no dinheiro do Tesouro e joga R$35 milhões para fazer propaganda o seu programa "Brasil em Ação"; um valor três vezes maior do que está sendo gasto na campanha de prevenção contra AIDS.

É lamentável que essas coisas ocorram, é lamentável que Sua Excelência não se comporte como um Presidente da República e faça declarações tão ruins no ato de lançamento de um programa que pode ser bom para o trabalhador, que terá melhores opções; mas nenhum programa pode ser feito sem a participação dos interessados, sem a participação dos trabalhadores, da Contag, do MST etc.

Lamento profundamente estes erros do Sr. Fernando Henrique Cardoso. Mais ainda: lamento que Sua Excelência não tenha dado a devida prioridade ao Estado do Pará, colocando-o, antes de qualquer outro, como merecedor de um programa semelhante a esse, com as correções a que eu aqui aludi.

Era essa a manifestação que eu gostaria de fazer em meu nome e em nome do Partido Socialista Brasileiro.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/08/1997 - Página 16431