Discurso no Senado Federal

CUSTO SOCIAL HUMANO IMPOSTO PELA MARCHA DO CAPITALISMO E AS VARIAS CRISES QUE PONTILHARAM A SUA EXISTENCIA. GUERRAS QUE, NECESSARIAMENTE, ACOMPANHARAM O DESENVOLVIMENTO DO REFERIDO SISTEMA, CONFORME O TESTEMUNHO DO MAIOR ECONOMISTA CAPITALISTA DESTE SECULO, JOHN MAYNARD KEYNES. REFLEXÃO SOBRE A TECNOLOGIA CAPITALISTA, AGENTE FUNDAMENTAL DA SUA SOBREVIDA.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • CUSTO SOCIAL HUMANO IMPOSTO PELA MARCHA DO CAPITALISMO E AS VARIAS CRISES QUE PONTILHARAM A SUA EXISTENCIA. GUERRAS QUE, NECESSARIAMENTE, ACOMPANHARAM O DESENVOLVIMENTO DO REFERIDO SISTEMA, CONFORME O TESTEMUNHO DO MAIOR ECONOMISTA CAPITALISTA DESTE SECULO, JOHN MAYNARD KEYNES. REFLEXÃO SOBRE A TECNOLOGIA CAPITALISTA, AGENTE FUNDAMENTAL DA SUA SOBREVIDA.
Publicação
Publicação no DSF de 23/09/1997 - Página 19721
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, DESENVOLVIMENTO, CAPITALISMO, MUNDO, CUSTO, SUBDESENVOLVIMENTO, HOMEM, CRISE, GUERRA, MISERIA, EXPLORAÇÃO, NEGRO, INDIO.
  • ANALISE, FUNÇÃO, TECNOLOGIA, PRESERVAÇÃO, CAPITALISMO, COMENTARIO, VARIAÇÃO, CARACTERISTICA, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO, PRIMEIRO MUNDO, TERCEIRO MUNDO.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na última vez que ocupei esta tribuna, eu pretendia desenvolver uma exposição por mim feita na última quinta-feira, em São Paulo, diante de um fórum de intelectuais, de professores universitários, de almirantes, de professores da Escola Superior de Guerra, do Professor Belluzzo, do Professor João Manoel e de outros ilustres acadêmicos brasileiros.

Foi-me assegurada a palavra por 40 minutos em um assunto sobre o qual eu tenho certeza de que eu poderia falar 500 horas. Portanto, é preciso haver uma certa agilidade para se cronometrar aquilo que se vai falar de acordo com a limitação do tempo.

Quando assumi a tribuna - e não queria fazê-lo porque me disseram que seria apenas por 5 minutos -, foi-me assegurado um tempo de 40 minutos. Então, acertei a minha cronometragem para falar 40 minutos, exíguos, sobre um assunto tão amplo.

Qual não foi a minha surpresa quando, depois de assegurados pela Presidência os 40 minutos, foi-me cassada a palavra com apenas 20 minutos, o que obviamente prejudicou completamente meu pronunciamento. E se eu soubesse anteriormente disso, não teria assumido a tribuna e feito o pronunciamento, porque, aliás, de início, neguei-me a fazê-lo. Instado pela Presidência, porque não havia oradores inscritos, prontifiquei-me a fazer o improviso que me trouxe àquela tribuna.

Desse modo, hoje, sabendo que realmente tenho que fazer um resumo muito limitado, telegráfico, vou apenas esboçar aquilo que me parece de fundamental importância para a compreensão dos problemas atuais da economia brasileira e da economia mundial.

Talvez se a história econômica do capitalismo fosse lida com a cabeça mais crítica, mais penetrante...A crise torna crítica essa leitura, com exceção de alguns que vivem no mundo acolchoado do Pangloss, de Voltaire, esperando que os mecanismos providenciais do mercado venham acabar com os problemas que o capitalismo criou ao longo de seu processo fantástico e tortuoso e desumano.

Feitos e efeitos, disso a história econômica está carregada. Centenas, milhares de autores elogiam a marcha triunfal do capitalismo, que é inegável. Mas ocorre que esses louvaminheiros do capitalismo se esquecem do outro lado, do lado negativo, do custo social humano imposto pela marcha do capitalismo. Escondem ou consideram como desvios as várias crises profundas que pontilharam a existência do capitalismo. Esquecem-se das 74 guerras que ele significou de 1864 até a década de 60. Esquecem-se das 364 guerras que, necessariamente, acompanharam o desenvolvimento do capitalismo. E quem diz isso não é um simples professor de Economia das províncias de Minas Gerais, de Goiás e da UnB; quem afirma é, nada mais nada menos, o maior economista capitalista deste século: John Maynard Keynes. Keynes afirmou, ao menos seis vezes, que, só em épocas de guerra, o capitalismo consegue atingir o pleno emprego.

      "I doubt, duvido, que, em tempos recentes, tenhamos conhecido um auge duradouro capaz de levar ao pleno emprego, exceto durante a guerra." (Keynes 1936).

Logo depois da Primeira Guerra Mundial, many observers, muitos observadores, estavam ansiosos por repetir, em condições de paz, a experiência da produção socializada tal como a conhecemos durante a Primeira Guerra.

      "Penso ser incompatível com a democracia capitalista elevar os gastos do governo na escala necessária para fazer a grande experiência que demonstraria minha tese, exceto em condições de guerra. Se os Estados Unidos se sensibilizarem com a grande dissipação decorrente da preparação das armas, aprenderão a conhecer sua força."

Creio bastar a declaração de alguém que teve sua genialidade reconhecida pelos maiores pensadores que com ele conviveram, inclusive Bertrand Russel, que afirmou tratar-se, indubitavelmente, de um gênio, para mim um gênio do travestimento, um gênio que foi capaz de ocultar, de esconder as verdades que subjazem na sociedade capitalista. Para salvá-la por quanto tempo mais? Diz ele: devemos continuar pretending, fingindo, mentindo, para todos e para nós mesmo durante mais cem anos até que possamos sair da sociedade, do túnel da escassez para a luz do dia. Isso em Essays in Persuasion.

Foi lendo criticamente esses autores neoliberais, Keynes e os keynesianos é que me tornei marxista, por acreditar e ter verificado que aquelas construções ideológicas que visavam obscurecer o processo econômico-capitalista, colocar nele falsas doses de humanismo e obscurecer o seu processo de cooperação despótica, evitar que se lembrasse da sua história de divisão, repartição e de rerrepartição da África, Cecil Rhodes e o exército privado armado pela Inglaterra, a dizimação dos índios na América, o seqüestro de negros na África, para fazer as plantations que enriqueceram os brancos norte-americanos. Para os escalpos, a Assembléia da Filadélfia estabeleceu uma tabela: US$100 por uma escalpo de índio adulto; US$50 pelo escalpo de uma índia e US$10 pelo escalpinho de um índio criança. Os índios nunca escalpelaram; aprenderam a fazê-lo com os brancos, bem remunerados para isso, chamados civilizados e salvadores de almas.

Pois bem: é essa negatividade que se oculta na história econômica do capitalismo e que procurei trazer à tona ao longo de minha modesta e obscura existência. Parece-me, como o tempo é muito escasso, que deveria fixar-me hoje apenas em um aspecto. Tenho até a esperança de que, agora, com as eleições, quando cada um for atrás dos "currais eleitorais" e de suas disputas por mais altos cargos, poderei - talvez, quem sabe - ter um espaço maior tempo para começar a falar, porque, nesses dois anos e meio aqui, não pude começar a falar ainda. Tenho certeza disso.

Vou tentar tocar em apenas um aspecto hoje e, depois, darei esse resumo que fiz de quarenta páginas, que apresentei, como disse no início, a essa reunião ocorrida em São Paulo. Da última vez, fixei-me principalmente no endividamento externo. Agora, gostaria de fixar-me na tecnologia capitalista, porque ela explica muito da sobrevida desse ser social, dessa organização social que, realmente, parece "querer sobreviver a si mesmo", como dizia Karl Marx, "entrar na senilidade e passar a desenvolver as forças improdutivas e destrutivas, ao invés de desenvolver as forças produtivas, que é a sua missão histórica" - ideologia Alemã.

E parece-me que a tecnologia responde, explica como esse processo fantástico, de um sistema altamente produtivo e eficiente, que desenvolve as forças produtivas, que ilumina o mundo, que faz com que os meios de comunicação adquiram uma rapidez fantástica e que, finalmente também, consegue globalizar a tecnologia que a Inglaterra queria prender como um privilégio seu, e a expandiu pelo quatro cantos do mundo, num processo de globalização multissecular, que nos deixa perplexos diante da capacidade de sobrevida dessa organização econômica, social e política que já deveria ter desaparecido.

De acordo com Galbraith, como explicar o vôo desse besouro que voa contra as leis da física? Como explicar o vôo desse besouro capitalismo? Como explicar a existência desse tiranossauro com 500 anos de existência e que tem sobrevivido a dezenas de crises profundas?

Uma das explicações possível de ser encontrada é a de que a tecnologia capitalista, altamente dinâmica, transformadora do homem e da natureza, adquiriu as determinações do capitalismo. Essa tecnologia é sociomórfica, não é neutra, adquire as formas e só realmente se incrusta na realidade e a transforma na medida em que serve à reprodução do capitalismo. Este cria a sua tecnologia necessária a garantir sua reprodução.

Por isso as máquinas que substituíram o trabalho humano possuem três partes: o motor, a linha de transmissão e a máquina-ferramenta, que é a mão do homem. A máquina é antropomórfica: tem a forma do homem. A máquina coletiva é sociomórfica: tem a forma da sociedade.

A máquina coletiva da Bolívia é muito diferente da máquina coletiva dos Estados Unidos. A máquina coletiva do Brasil não tem os setores bélicos e espaciais, não pôde ter desenvolvido o setor que produz máquinas por meio de máquinas: o setor de base. Esses ficam nas economias cêntricas integradas e garantem a sua reprodução.

Pois bem, a "mão" da máquina desenvolve as forças produtivas e ameaça o capitalismo. Por meio da tecnologia, o capitalismo é tão eficiente, que passa a ser ameaçado pelas forças produtivas que organiza. Se todos nós tivéssemos, por exemplo, capital, não nos empregaríamos no capital alheio; se tivéssemos dinheiro, não precisaríamos pagar juros para trabalhar, para usar o dinheiro dos banqueiros; se tivéssemos terra, não precisaríamos pagar o seu aluguel ou nos escravizar para trabalhar em terras alheias. Portanto, é necessário para o capitalismo que haja a escassez, sem a qual não existe renda capitalista alguma: nem juros, nem lucros, nem salário, nem renda da terra.

Esse sistema ameaça a escassez, porque é altamente eficiente. Ele aponta para a era da abundância, mas não pode chegar lá, porque esta se situa além do túnel da escassez, como diz Keynes, onde poderemos, então, "enxergar a luz do dia", falar a verdade, enxergar a sociedade com transparência. Isso não pode ser feito, enquanto as relações capitalistas estiverem dominantes no mundo.

De modo que, a partir de determinado momento, a "mão" da máquina que revoluciona o mundo e ameaça a escassez e o capitalismo tem de ser podada, amputada, e, no lugar dela, colocam-se rodas que produzem meros movimentos. As máquinas verdadeiras, quando a Inglaterra as exportava, iam produzir tecidos, sapatos, etc, na periferia, concorrendo com as indústrias inglesas. Para evitar a generalização dessa contradição, a Inglaterra passa a produzir ferrovias, locomotivas, que não têm a máquina-ferramenta, que produzem mero movimento, quando são exportadas para as colônias e para os países retardatários.

Por isso, pela sua negatividade, por não se ter a máquina-ferramenta, surge um dinheiro ferroviário, como diz Marx, ao se referir à crise de 1857, um dinheiro ferroviário, um crédito ferroviário, um sistema financeiro que especialmente se destinava a financiar ferrovias. Um milhão, cento e quarenta mil quilômetros de ferrovias foram instaladas no mundo até 1913. Quando elas começaram a falir - todas financiadas pelo governo e pela dívida pública -, a Primeira Guerra Mundial passou a permitir que a siderurgia inglesa e européia se mantivesse em um elevado nível de produção, porque os encouraçados, os navios de ferro, os canhões, os tanques passaram a comprar aquilo que as ferrovias compravam.

Não é adivinhação nenhuma. Michel Tucan Baranovski, o Barão, em 1910, em seu livro chamado Le crise industrielle un Inglaterra, previu que, em 1914, haveria uma grande crise ou uma guerra mundial.

Sr. Presidente, peço um minuto para fechar este meu amputado pronunciamento.

O SR. PRESIDENTE (Jefferson Péres) - V. Exª dispõe de um minuto. Hoje o seu tempo não foi amputado.

O SR. LAURO CAMPOS (BLOCO/PT-DF) - Hoje, não; foram vinte minutos exatos, e agradeço a V. Exª.

É preciso educar capitalisticamente a tecnologia, essa fantástica revolução tecnológica permanente. É necessário impedir que ela atropele o sistema capitalista. E, portanto, começam, cada vez mais, a inventar e a descobrir meios de comunicação e de transporte.

Os Estados Unidos produziram 2 milhões e 700 mil carros que não precisam produzir objetos para serem transportados, porque o homem se autotransporta no carro.

Transporte de palavra, de som, de imagem, de sinais e transporte interplanetário: esses transportes são ouvidos e apreciados pelos espectadores em seus aparelhos de recepção, e não de produção. Portanto, as forças produtivas que atrapalhariam a existência do capitalismo são subjugadas, refreadas.

Trata-se de uma tecnologia maravilhosa, altamente reacionária, que, ao ser transplantada para a União Soviética, levou para lá não o desenvolvimento necessário das forças produtivas, mas os setores bélicos destrutivos, voltados para o luxo e para o transporte de coisas não produzidas: som, imagens, etc.

Agradeço a paciência com que me ouviram. Prometo não voltar ao assunto, porque realmente sei que a tarefa é longa e a paciência para escutar o meu pronunciamento seria maior do que aquela que eu poderia exigir dos ouvintes.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/09/1997 - Página 19721