Discurso no Senado Federal

DESCOMPASSO ENTRE A RECUPERAÇÃO ECONOMICA E O DESENVOLVIMENTO SOCIAL, RATIFICADO PELAS CONCLUSÕES DOS DOIS ULTIMOS RELATORIOS ANUAIS DO PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO - PNUD E DO RELATORIO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO - TCU, SOBRE AS CONTAS DO GOVERNO RELATIVAS A 1996. INEXISTENCIA DE QUAISQUER DIRETRIZES VOLTADAS PARA UMA AÇÃO DE CARATER EMERGENCIAL NAS AREAS DA SAUDE E EDUCAÇÃO.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • DESCOMPASSO ENTRE A RECUPERAÇÃO ECONOMICA E O DESENVOLVIMENTO SOCIAL, RATIFICADO PELAS CONCLUSÕES DOS DOIS ULTIMOS RELATORIOS ANUAIS DO PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO - PNUD E DO RELATORIO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO - TCU, SOBRE AS CONTAS DO GOVERNO RELATIVAS A 1996. INEXISTENCIA DE QUAISQUER DIRETRIZES VOLTADAS PARA UMA AÇÃO DE CARATER EMERGENCIAL NAS AREAS DA SAUDE E EDUCAÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 08/10/1997 - Página 21135
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, INEFICACIA, PLANO, REAL, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, ESPECIFICAÇÃO, SAUDE, EDUCAÇÃO, RATIFICAÇÃO, DADOS, PROJETO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD), TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU).
  • ANALISE, ESTATISTICA, RELATORIO, PROJETO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD), DESENVOLVIMENTO, HOMEM, COMENTARIO, DOCUMENTO, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), APRECIAÇÃO, CONTAS, GOVERNO, RECOMENDAÇÃO, AUMENTO, INVESTIMENTO, POLITICA SOCIAL, ESPECIFICAÇÃO, EDUCAÇÃO, COMBATE, ANALFABETISMO.
  • DEFESA, PERMANENCIA, PROVIDENCIA, EDUCAÇÃO, SAUDE, NECESSIDADE, PROJETO, EMERGENCIA.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dois episódios recentes, aparentemente sem relação direta entre si, vieram corroborar uma tese que tem adquirido vulto ultimamente, assumindo um inconfundível status de verdades incontestes. Refiro-me à constatação irrefutável de que os inegáveis resultados do plano econômico não encontraram ainda contrapartida análoga na elevação da qualidade de vida da população - particularmente no que tange às questões básicas, como saúde e educação.

Um dos casos mencionados ocorreu por ocasião da divulgação dos dados publicados nos dois últimos relatórios anuais do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O documento deste ano apresentou os indicadores de saúde e educação de 175 países para 1994; e o do ano passado, os dados de 1993.

Destaca-se, no caso brasileiro, o contraste entre os indicadores econômicos e os sociais. No ranking de Produto Interno Bruto (PIB), per capita real, o Brasil alcança o 68º lugar. Quanto ao grau de alfabetização de adultos, ocupa a 93ª posição e, em esperança de vida, a 107ª. Essas lastimáveis colocações ainda são agravadas se comparadas com as do ano anterior, quando o País ocupou o 90º e o 103º lugares respectivamente.

O próprio relatório do PNUD mostra que o Brasil continua sendo campeão mundial de concentração de renda. Os 20% mais ricos da população têm renda 32 vezes maior que os 20% mais pobres. A diferença entre esses dois segmentos é tão grande que, isoladamente, os 20% mais ricos seriam o 25º país do mundo. Já os 20% mais pobres formariam o 62º país, atrás de nações como a Bolívia e Gana.

É claro que isso não ocorre sem conseqüências para o bem-estar da população. A expectativa de vida do brasileiro ao nascer é de 66,4 anos, inferior à dos habitantes de quase todos os países latino-americanos. Com maior tradição em saúde pública, os vizinhos Argentina e Uruguai proporcionam a sua população até seis anos a mais de vida do que o Brasil. Mesmo no Paraguai, a perspectiva de sobrevivência é maior: 68,8 anos.

O segundo episódio referido, Srªs e Srs. Senadores, e que veio ratificar as conclusões do trabalho do PNUD e a tese de descompasso entre a recuperação econômica e o desenvolvimento social, foi o relatório do Tribunal de Contas da União - TCU - a propósito das contas do Governo relativas a 1996. Apesar de aprová-las por unanimidade, o TCU formulou algumas restrições e recomendações que incidem exatamente sobre os aspectos aqui apontados.

Segundo o relatório, o Governo gastou mais dinheiro no socorro aos bancos do que na área de saúde. O Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional - Proer - recebeu do Banco Central empréstimos no valor global de R$14,9 bilhões, enquanto a saúde recebeu R$200 milhões a menos que os bancos, com a dotação de R$14,7 bilhões. Sabemos que o dinheiro dos bancos era de um fundo especial, mas quando se olha globalmente a verdade é que se deu mais dinheiro aos bancos do que à área de saúde. Diga-se de passagem, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que esse foi um programa extremamente eficiente, uma vez que custou menos de 2% do PIB, enquanto outros países da América do Sul comprometeram até 19% do PIB com o mesmo fenômeno.

Em relação a 1995, houve redução de 51,86% nos gastos com saúde e saneamento. Em comparação com 1995, no ano passado o Governo gastou muito menos com a área social. Além da redução em saúde e saneamento, houve queda de 42,48% na assistência e previdência e de 15,55% na educação e cultura.

Entre as recomendações feitas pelo TCU, as principais se referem aos gastos na área de educação e irrigação e com empresas estatais e possíveis prejuízos ocasionados pelo Proer. Quanto à alocação de recursos destinados à área social, destaca-se que o direcionamento desses recursos poderia beneficiar setores carentes, contribuindo para minimizar alguns problemas sociais. O relatório cita, como exemplo, o excesso de recursos destinados ao ensino superior - R$3,6 bilhões em 1996 - em detrimento do ensino fundamental. O documento argumenta, ainda, que no Brasil há 22,8 milhões de analfabetos, segundo o IBGE, e que pela Constituição, o Governo deveria aplicar mais recursos para a erradicação do analfabetismo e universalização do ensino fundamental.

O relatório aponta também que os recursos do Sistema Único de Saúde - SUS - agravam as desigualdades regionais. A maior parte dos recursos do SUS (R$7,7 bilhões em 1996) é destinado aos Estados mais ricos. As maiores médias dos gastos per capita do SUS são com os Estados das Regiões Sul e Sudeste, enquanto as piores médias pertencem aos Estados da Região Norte, além da Bahia e Maranhão.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, toda essa numerologia teve por objetivo demonstrar, por meio de recurso aos dados de duas instituições insuspeitas e desvinculadas, que urge retirar os programas sociais do Governo do plano retórico para efetivá-los na prática, pois é incontestável a deterioração da qualidade de vida da população, particularmente no que tange a indicadores básicos como saúde e educação.

As justificativas até então apresentadas pelo Governo, no sentido de que era preciso consolidar o plano econômico ou aprovar as reformas estruturais dos Estados, começam a perder credibilidade, na medida em que se torna evidente a inexistência de políticas e programas que dispensem à educação e à saúde as estratégias emergenciais que a situação exige.

Os que temos algum contato com a atividade educacional não podemos ignorar que o processo pedagógico requer a constância, a continuidade e a visão de longo prazo, capazes de promover as verdadeiras transformações.

As "campanhas", os "tratamentos de choque" são avessos à natureza da educação, cujo caráter de continuidade é o único capaz de assegurar a verdadeira aprendizagem que vai além da mera aquisição da habilidade da escrita e da leitura.

Presumo que o mesmo deve ocorrer com a área de saúde, na qual a mudança de hábitos e atitudes e o acesso à informação são componentes essenciais na reversão do quadro calamitoso que vem sendo explorado com destaque pela mídia. Por outro lado, temos consciência de que as dimensões territoriais e a densidade demográfica do País desestimulam os "mutirões" e as "brigadas" que obtiveram sucesso em países minúsculos como Cuba.

Temos ainda a malfadada lembrança das campanhas como o Mobral, que só conseguiu transformar analfabetos plenos em "analfabetos funcionais", e de programas como o Projeto Rondon, de idênticos descaminhos.

Contudo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em que pese a minha convicção de que as mudanças efetivas no cenário da educação e da saúde requerem uma ação consistente, contínua e coerente, não posso deixar de reconhecer que, ao lado dessa política de longo e médio prazos, é preciso definição de ações emergenciais, tal o descalabro que atingiu esses setores. Ou seja, além do desenvolvimento de programas de capacitação de recursos humanos e da recuperação econômica das categorias de magistério e dos profissionais da área de saúde, é preciso empreender, simultânea e imediatamente, projetos de recuperação física de escolas, de hospitais, bem como dos seus equipamentos, para o restabelecimento da normalidade de suas funções precípuas.

O que mais me confrange, Srªs e Srs. Senadores, é a constatação de que os documentos oficiais trazidos ao conhecimento público, tanto na área de educação quanto na área de saúde, não revelam qualquer diretriz voltada para uma ação de caráter emergencial.

A existência no País de 2,3 milhões de crianças entre 11 e 14 anos; de 1,3 adolescentes entre 15 e 17 anos e de 19,2 milhões de pessoas de 17 anos ou mais, totalizando um universo de 22,8 milhões de analfabetos - quase equivalente à população do Peru, por exemplo - já é, por si só, razão suficiente que justifique um esforço suplementar do Governo, na superação dessa situação capaz até de comprometer todos os bons resultados obtidos com o plano econômico.

A esse respeito, Srªs e Srs. Senadores, partilho da convicção daqueles que afirmam que a consolidação do desenvolvimento econômico dar-se-á somente quando se fizer acompanhar do bem-estar social e da elevação dos níveis de qualidade de vida, o que não se fará sem uma radical alteração do desempenho nas áreas de educação e saúde.

Finalizando, como Presidente da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização do Congresso Nacional, informo a Casa que temos uma preocupação muito grande: estão faltando cerca de R$1,5 bilhão para completar o Orçamento de 1998, a fim de ele fique igual ao deste ano, 1997. Temos de encontrar esse dinheiro, pois não podemos permitir que caia ainda mais o nível de qualidade da saúde, que já é caótico.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/10/1997 - Página 21135