Discurso no Senado Federal

APELO AO PRESIDENTE DA REPUBLICA PARA QUE ESTABELEÇA UMA POLITICA DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL COM VISTAS A REDUÇÃO DAS DISPARIDADES REGIONAIS.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • APELO AO PRESIDENTE DA REPUBLICA PARA QUE ESTABELEÇA UMA POLITICA DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL COM VISTAS A REDUÇÃO DAS DISPARIDADES REGIONAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 05/03/1998 - Página 3378
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ADOÇÃO, POLITICA, REDUÇÃO, DESIGUALDADE REGIONAL, MOTIVO, AGRAVAÇÃO, DISPARIDADE, REGIÃO, BRASIL, RESULTADO, FORMA, ATUALIDADE, TRANSFERENCIA, RECURSOS, UNIÃO FEDERAL, ESTADOS, MUNICIPIOS, FAVORECIMENTO, REGIÃO SUDESTE, PREJUIZO, REGIÃO NORDESTE, PAIS.

           O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, tenho para mim - e temos dito isso mais de uma vez, não apenas eu, mas vários outros Srs. Senadores - que um dos grandes problemas que o nosso País enfrenta é o das disparidades regionais: Estados ricos e Estados pobres; regiões desenvolvidas e regiões miseráveis.

A Constituição de 1988 - de cuja elaboração participei, como membro da Assembléia Nacional Constituinte, juntamente com alguns dos nossos colegas do Senado hoje -, ocupou-se disso quando, em um dos seus artigos, estabelece que deverão ser desenvolvidos esforços para diminuir essa disparidade regional e que a destinação de recursos federais deverá observar uma proporção com as respectivas populações.

A Região Nordeste, onde está cerca de 30% da população brasileira, deveria receber, por destinação do Orçamento Federal, cerca de 30% dos recursos, inclusive das empresas estatais controladas pela União.

Há dois tipos de transferência de recursos da União para Estados e Municípios: o primeiro é o das transferências vinculadas à Constituição ou à Lei, transferências constitucionais e legais, que é o caso dos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios, do Fundo de Promoção de Exportações, do salário-educação etc. São transferências compulsórias. Em relação aos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios, a Constituição diz, no art. 159, que a União entregará, quer dizer, os recursos não são da União. São apenas por ela arrecadados, por uma questão de escala, de racionalidade econômica; porém, de fato, os recursos são dos Estados e dos Municípios.

Outro tipo de transferência de recursos da União para Estados e Municípios é o das chamadas transferências negociadas ou voluntárias, pelas quais a União repassa, voluntariamente, mediante convênios, recursos que atendem a rubricas que foram inseridas no Orçamento da União. Isso representa um ato de arbítrio do Governo Federal, que pode repassar mais para um Estado do que para outro, mais para determinado Município, mais para uma região do que para outra.

Neste ponto, Sr. Presidente, Srs. Senadores, chamo a atenção de V. Exªs para o fato de que essas transferências negociadas ou voluntárias estão sendo canalizadas majoritariamente para as regiões mais desenvolvidas e para os maiores Estados. Fiz um levantamento, com a ajuda da Consultoria do Senado, e verifiquei - e atente para isso, Senador Eduardo Suplicy, V. Exª que é um homem preocupado com a questão da renda -, que, por exemplo, no ano de 1995, foi repassado, para a Região Norte, 8%; para a Região Nordeste, 26,1%; e para a Região Sudeste, 40,4% de todas as transferências voluntárias da União. Isto quer dizer, Srs. Senadores, que mais de 40% de todo o dinheiro, excetuadas as transferências legais e constitucionais feitas pela União, foi destinado à Região Sudeste, a mais desenvolvida do País. Em 1997, não foi diferente: a Região Norte recebeu 8,4%; a Região Nordeste, 20,8%, menos ainda do que no ano de 1995; a Região Sudeste, 47,5%. Mais uma vez, Srs. Senadores, a maior destinação de recursos, vindos das transferências voluntárias feitas pela União, foi para a Região Sudeste, a mais rica, a mais próspera, a mais desenvolvida do País.

Quando examinamos esses dados por Estados e Municípios, desagregando-os, verificamos que não é diferente. O que significa isso? Significa que esse é mais um instrumento de concentração de renda na região mais rica do País. A União, com o poder de arbítrio do Governo Federal, do Presidente da República e dos seus Ministros, destina mais de 40% de todos os recursos, de todas as verbas para a região Sudeste, agravando, portanto, as disparidades.

Quando examinamos a questão das transferências negociadas e constitucionais - transferências essas que conseguimos inserir na Constituição, com muito custo, e que muitos burocratas e tecnocratas do Governo querem retirar, tais como as dos fundos constitucionais (Finor, Finam etc.) -, verificamos que elas constituem, pelo menos, uma garantia de que esses recursos irão, ou melhor, retornarão aos Estados e Municípios, por força de lei, por força de mandamento constitucional. Todavia, assim mesmo, as transferências constitucionais e legais estão atingidas gravemente pelo Fundo de Estabilização Fiscal, sob o nome hoje de Fundo Social de Emergência, que data do último ano do Governo Itamar Franco e que se tem mantido ao longo dos anos. Nesse ano que passou, aprovamos o Fundo Social de Emergência, que confisca parte dessas transferências constitucionais e legais.

           Muitas vezes, o Ceará foi gravemente atingido por decisões equivocadas, a meu ver, data venia, da Comissão de Orçamento. Dizia-se que o Ceará recebia muito dinheiro da União, porque o Governador Tasso Jereissati é do PSDB, é um político de prestígio e amigo do Presidente da República. Isso não é verdade, Sr. Presidente.

Tenho dados, por Estados, que nos permitem verificar que o Estado do Ceará, em 1996 e em 1997, respectivamente, ficou com 3,2% e 2,4% dos recursos destinados à Região Nordeste, contra 3,9% e 5,5% da Bahia; contra 3,4% e 5% de Pernambuco. Isso demonstra que nem dentro do Nordeste o Ceará tem uma posição privilegiada. Apesar de termos um governo austero, correto e empreendedor, estamos em terceiro lugar na destinação de recursos para a Região Nordeste.

Em relação às transferências para os municípios desses Estados, a situação mostra-se bem pior. Os Municípios do Ceará, em 1996, receberam, diretamente da União, em transferências negociadas, 3,7%, contra 4,6% dos Municípios da Bahia e 6% dos Municípios do Maranhão. Em 1997, os Municípios do Maranhão receberam 4,7%, ao passo que os do Ceará receberam 2,2%. Nesse mesmo ano, 3% dos recursos foram destinados para os Municípios do Piauí e 3,5% para os Municípios da Bahia. Mais uma vez, o Ceará aparece numa posição de inferioridade em relação aos outros Estados no que tange às transferências federais negociadas ou voluntárias.

Sr. Presidente, quando se examina Estado por Estado, observando-se a participação média de cada um, vamos verificar que essa disparidade cresce muito.

Antes disso, porém, eu gostaria de falar sobre um quadro que tenho em mãos, e que, posteriormente, remeterei para ser transcrito, denominado “Transferências negociadas a Estados e a Municípios por número de habitantes”. Por ele, verificamos que a Região Norte recebeu, por habitante, dentro da relação entre Estados e Municípios, a média de R$58,00; a Região Nordeste, R$37,00; a Região Sudeste, R$56,00.

Vejam V. Exªs que a média da Região Nordeste foi de R$51,00. Quando observamos a relação composta pelo dinheiro repassado por Estado, dividido pelo número de habitantes, verificamos que a Região Nordeste é a que tem o menor valor. Em relação à média do Nordeste, que é de R$37,00, o Estado do Ceará, por exemplo, apresenta uma média de R$33,00; o Estado de Alagoas, de R$48,00, enquanto a média nacional é de R$51,00. A Região Centro-Oeste tem R$83,00 de média, porque há uma distorção em relação ao Distrito Federal, que recebe significativos recursos da União.

Quando fazemos esse cálculo, não para os Estados mas para os Municípios que recebem esses recursos, a relação não é diferente: a média da Região Nordeste, por habitante, é de R$32,00; da Região Norte, de R$35,00 por habitante; da Região Sul, de R$47,00 por habitante.

O Governador Alceu Collares, por quem tenho grande respeito e admiração - fomos colegas de Partido -, chegou a promover um movimento separatista, estimulando a secessão, porque os Estados do Nordeste, segundo ele, beneficiavam-se desproporcionalmente do Orçamento em relação aos Estados do Sul. Isso não é verdade! Estamos demonstrando que, na verdade, as transferências negociadas, as chamadas transferências voluntárias da União, estão beneficiando principalmente os Estados do Sul e do Sudeste. Senão vejamos: o gráfico mostra a participação média anual nas transferências negociadas: Em primeiro lugar está o Estado de São Paulo, que recebeu quase 25% de todo o dinheiro que a União repassou como transferências voluntárias para os Estados e Municípios.

Em segundo lugar vem o Estado de Minas Gerais, com 15%. O Estado de Tocantins recebeu, percentualmente, pouco mais de zero, não chega a 1%. O Estado do Ceará recebeu em torno de 3% de todos esses recursos. O Rio Grande do Sul recebeu quase 5%. E Pernambuco recebeu mais de 5%.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, quero mostrar que a transferência de recursos voluntários da União para os Estados e Municípios não tem sido fator de redução das desigualdades interestaduais; pelo contrário, tem sido elemento de agravamento dessas disparidades, porque os recursos têm sido majoritariamente, escandalosamente dirigidos para a Região mais desenvolvida do País, a Região Sudeste e, principalmente, para o grande Estado do Sudeste, São Paulo.

Essa balela que se divulga de que os pequenos Estados do Norte e do Nordeste são os mais beneficiados da União não é verdade. Se não fossem as transferências constitucionais e legais, a nossa situação seria terrível. O que impede que essa disparidade aumente ainda mais são as transferências constitucionais obrigatórias, que são força de lei. Todavia, com esses instrumentos em nome da estabilização da economia, como o Fundo de Estabilização Fiscal, que tira recursos dos Municípios e dos Estados, essa questão vai se agravando, pois as transferências constitucionais não atingem os valores previsíveis, em função da arrecadação que está sendo feita.

Fica aqui, portanto, Sr. Presidente, uma demonstração inequívoca de que os pequenos Estados e Municípios das Regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste estão sendo penalizados por uma distribuição injusta dos recursos que a União transfere voluntariamente para Estados e Municípios. Espero que esses números sensibilizem o Executivo, o Governo Federal, o Presidente da República. Tenho certeza de que Sua Excelência não se dá conta desses dados, com tantos problemas que administra. Contudo, eles são o libelo para ecoar o nosso apelo, sucessivamente feito, para que o Governo estabeleça uma política de desenvolvimento regional que não penalize ainda mais as regiões mais pobres, sobretudo o Norte e Nordeste do Brasil.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Ouço o aparte do nobre Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Tem razão V. Exª em se preocupar com o destino dos diversos incentivos fiscais, haja vista não se conseguir, muitas vezes, o propósito originalmente colocado para a sua existência, ou seja, o de promover a melhor distribuição da renda, tanto do ponto de vista regional quanto pessoal, no Brasil. V. Exª tem razão em apontar que, historicamente, muitas opções foram criadas pelos diversos mecanismos de incentivos fiscais e creditícios. Se formos examinar a nossa história ao longo dos séculos - e das últimas décadas - geralmente, aqueles que têm mais recursos são os que conseguem, através de múltiplas pressões, obter créditos subsidiados ou a melhor fatia dos incentivos fiscais. Tanto a história da Sudam, da Sudene ou dos diversos Fundos para o Nordeste e para o Norte quanto a história dos recursos subsidiados para o desenvolvimento agrícola, em muitas ocasiões, sofreram distorções. Os dados que V. Exª apresenta para o período recente confirmam que ainda continua a haver distorções. Sei que V. Exª praticamente abraçou a sugestão que tenho para modificar esse quadro e foi Relator de um projeto que, no meu entender, poderia modificar bastante a destinação de recursos, de tal maneira que chegassem diretamente às mãos daquelas pessoas que, em qualquer região do Brasil, têm menor riqueza. Ainda hoje, Senador Lúcio Alcântara, tive oportunidade de me encontrar com o Presidente Fernando Henrique Cardoso por ocasião do almoço oferecido no Itamaraty ao Presidente do Conselho de Ministros da Itália, Romano Prodi, e indaguei de Sua Excelência: mas e o programa de garantia de renda mínima? Senador Lúcio Alcântara, V. Exª foi Relator da proposta. Fiquei preocupado porque o Palácio do Planalto concordou em restringir de tal maneira o projeto para que ele não entrasse em vigor tão cedo. Já estamos em março e, que eu saiba, nenhum dos municípios previstos para se beneficiarem com o projeto foi, até agora, contemplado. Em nenhum dos lugares onde aquele projeto poderia ter sido implementado, ele o foi. Aliás, encontrei o Deputado Nelson Marchezan, a quem expressei minha preocupação, e S. Exª disse que também está muito preocupado. Por isso, estou aqui instando o Governo a logo regulamentar a proposição - não sei se é preciso de fato haver a regulamentação para a lei ser colocada em prática, pois parece-me que os seus termos já são suficientes. Por outro lado, comentei com o Presidente Fernando Henrique Cardoso que fiquei gratamente surpreso com o fato de que o PFL, um dos Partidos, ao lado do de V. Exª, que constitui a principal base de apoio do Governo, acaba de preparar um documento segundo o qual deve ser instituído um Programa de Renda Mínima Nacional. Eu gostaria que o PFL passasse à prática. Se grande parte de seus quadros chegou à conclusão de que devemos ter no Brasil um Programa de Renda Mínima, certamente seria bom que isso se transformasse em uma legislação mais ousada que aquela a que o Palácio do Planalto aqui resolveu aceder de forma tão restrita. Concluindo, Senador Lúcio Alcântara, quero dizer que tenho a impressão de que se quisermos realmente levar adiante o que está na Constituição como um dos objetivos fundamentais da Nação, ou seja, melhorar a distribuição da renda em termos regionais, sociais e pessoais, é esse o instrumento que universalmente atingirá a todos. Por essa razão é que faço o aparte, pois V. Exª sabe que esta é uma longa luta que teremos de travar juntos.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Muito obrigado. Trabalhamos juntos no projeto. Não é o projeto do sonho de V. Exª, não é o projeto do meu sonho, mas temos de lutar para permitir que ele seja implantado.

Não ficou muito claro no aparte de V. Exª -- quero deixar isso bem patente -- que os dados a que me referi no meu discurso não são de incentivos. Aliás, a mesma injustiça que apontei na transferência de recursos orçamentários se repete no caso dos incentivos. Quando se fala em incentivos fiscais, fala-se das Regiões Norte e Nordeste. Consideram um desperdício, um ralo por onde se perde o dinheiro da Nação. Acredito que a política de incentivos deva ser reexaminada. Porém, a região que mais recebe incentivo fiscal neste País é a Sudeste, depois a Zona Franca de Manaus. O Nordeste aparece em terceiro lugar. Quando se fala em incentivos, quando se fala em mamar nas tetas do Governo, em ineficiência, em gastos perdulários, fala-se em Nordeste, mas a minha região está terceiro lugar.

No caso, são recursos do Orçamento, Senador Eduardo Suplicy, essas transferências que vão para uma ponte, para um hospital, para uma política de ação social. O grande Estado de São Paulo - que todos nós reconhecemos como o carro-chefe da economia brasileira - leva 25% desses recursos. De todo o recurso que a União transfere voluntariamente para os Estados, ou seja, aquele que não decorre de obrigação constitucional ou legal, o Estado de São Paulo fica com 25%; depois vem Minas Gerais com 15%; Rio de Janeiro com 13,12%; e o resto fica na faixa de 5,6%. Depois, há aqueles para os quais a coluna do gráfico mal sai da linha de base - é preciso uma lupa para enxergar.

Então, estou demonstrando que esse é mais um instrumento de consolidação, de perpetuação das disparidades regionais - disparidades entre os Estados e as Regiões, que a própria Constituição manda combater por meio de uma distribuição de verba proporcional às populações.

Quanto ao projeto, V.Exª já conhece o meu ponto de vista. Vamos lutar junto ao Ministro Paulo Renato, que está incumbido oficialmente pelo Governo de promover a implantação do projeto, para que o projeto não só tenha início, mas também, no futuro, seja ampliado, pelo que representa de estímulo à educação como fator de ruptura com a miséria e com o subdesenvolvimento.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/03/1998 - Página 3378