Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS AS QUESTÕES PERTINENTES A AGUA, A PROPOSITO DO DIA INTERNACIONAL DA AGUA, COMEMORADO NO ULTIMO DIA 22 CORRENTE.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • COMENTARIOS AS QUESTÕES PERTINENTES A AGUA, A PROPOSITO DO DIA INTERNACIONAL DA AGUA, COMEMORADO NO ULTIMO DIA 22 CORRENTE.
Publicação
Publicação no DSF de 25/03/1998 - Página 5027
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, AGUA, NECESSIDADE, DEBATE, GESTÃO, UTILIZAÇÃO, PRESERVAÇÃO, RECURSOS HIDRICOS, AUMENTO, POPULAÇÃO, INDUSTRIALIZAÇÃO.
  • ANALISE, LEGISLAÇÃO, RECURSOS HIDRICOS, BRASIL, EXPECTATIVA, ORGANIZAÇÃO, SOCIEDADE CIVIL, COMITE, PRESERVAÇÃO, AGUA, BACIA.

         O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr Presidente, Srªs. e Srs Senadores, dia 22 de março é o Dia Internacional da Água. Portanto, é oportuno comentar questões pertinentes a esse importante recurso natural, que sempre foi um nutriente fundamental de todas as sociedades e civilizações. Para mim, senador de uma região onde há escassez de água, considerá-la um tópico crítico é instintivo. Mas, nos últimos anos, não é só o Nordeste, nem somente as regiões áridas, que se preocupam com o problema da água: no mundo todo, e no Brasil também, está surgindo uma consciência mais aguçada sobre a limitação e finitude dos recursos hídricos.

         Não é novidade que a água é recurso essencial, indispensável à vida social e econômica. Tampouco é nova a percepção de que, em algumas regiões, a água é rara e especialmente preciosa e que sua oferta e demanda devem ser administradas pelos homens com extremos cuidados. O que se vem tornando mais claro, recentemente, é que, com o aumento das populações e elevação do seu padrão de vida, onde havia tendência a escassez, ela se torna mais aguda, e, onde havia aparente fartura de água, começa a haver urgente necessidade de uma gestão mais racional de seu uso.

         O Brasil é, em sua maior parte, país de águas abundantes, e a visão nacional sobre a questão foi sempre influenciada por isso. O mecanismo do ciclo hidrológico, que evapora água dos oceanos salgados e leva chuva para os continentes, faz da água um recurso renovável. Mas o uso exacerbado e crescente da água, os diferentes usos que conflitam e disputam a mesma água levam a que o recurso renovável se torne finito. O recurso hídrico renovável parecia não ter fim quando as densidades das populações eram baixas, quando a industrialização era rara, quando a irrigação era pouco praticada.

         Hoje, essas condições se vão alterando e essa percepção enganosa se evapora. Isso está ocorrendo, por exemplo, nas regiões mais desenvolvidas do Brasil, o Sul e o Sudeste. A urbanização, a industrialização e a irrigação se expandem e levam à consciência da pressão mútua dos usos múltiplos da água, que são variados e muitas vezes conflitantes: o abastecimento para consumo da população; o abastecimento para uso nas atividades produtivas; a irrigação; a dessedentação de animais; a geração de energia elétrica; a navegação; a piscicultura e a pesca; a recreação; a composição paisagística. Esses usos acabam por afetar e limitar uns aos outros. Cresce, assim, a necessidade de harmonizá-los, de geri-los mais racionalmente.

         O modo tradicional de gestão é o setorizado, não integrado; cada uso tenta se impulsionar e se impor independentemente dos outros. Eles são vistos como desassociados, quando na verdade são interdependentes. Em decorrência dessa visão ultrapassada, desperdiça-se água. A gestão convencional pouco pode fazer para solucionar os problemas de conflito, de limitações mútuas, de degradação da qualidade e de escassez. A experiência internacional moderna indica que a gestão da água deve ser integrada e que deve ser institucionalizado um sistema de gestão que coordene a atuação de todos os atores intervenientes no seu uso.

         Percebendo a premência de se atualizar nossa legislação e nossas instituições relacionadas com os recursos hídricos, alguns Estados, como Ceará, São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina, se adiantaram à União e legislaram sobre o assunto. Mas a Constituição, em seu artigo 21, inciso XIX, preceitua ser competência da União “instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso”. Obedecendo a esse comando, o Governo Federal e o Congresso se mobilizaram e produziram uma lei federal que atende ao preceito constitucional. É a Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997. É uma legislação capaz de atender à complexidade da questão das águas como ela se vem desenhando no mundo e no Brasil.

         O sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos, segundo a nova Lei, tem como órgão colegiado de cúpula o Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Junto a ele atuam colegiados de âmbito estadual. No novo sistema, a unidade de gestão passa a ser a bacia hidrográfica: um colegiado de setores usuários da água na bacia, de agentes governamentais que atuam na bacia e de representantes das comunidades afetadas deve constituir-se em um verdadeiro “parlamento das águas” para aquela bacia. Esse colegiado decide sobre o uso múltiplo das águas, aprova um plano de longo prazo de desenvolvimento das utilizações setoriais, estabelece as tarifas a serem cobradas dos setores usuários e resolve os conflitos de uso que surgirem.

         Em paralelo ao colegiado deliberativo da bacia atua um órgão executivo, que efetua a cobrança do uso da água, coleta as informações e prepara os planos de utilização para exame do colegiado. Esse órgão executivo é a “agência da água”, inspirada no modelo que funciona na França, há três décadas, com muito sucesso.

         Um conceito básico da gestão moderna dos recursos hídricos, e que a Lei 9.433 introduziu, é o da cobrança pelo uso da água. A cobrança tem por objetivo: reconhecer o valor econômico da água; dar a todos os usuários, de toda e qualquer modalidade de uso, uma indicação de seu real valor; incentivar a racionalização do uso da água; e gerar recursos financeiros para a viabilização daquelas intervenções necessárias à garantia de que a água continuará disponível, isto é, estudos, obras e atividades de manutenção.

         A cobrança de que trata a Lei se dá sobre a captação de águas, proporcionalmente ao volume captado pelo usuário, e sobre os lançamentos de esgotos e resíduos, proporcionalmente ao volume lançado e de acordo com as suas características. Um conceito relevante na Lei é que os recursos arrecadados numa bacia só podem ser aplicados na própria bacia. Outro, é que os custos das obras que propiciam o uso múltiplo devem ser rateados eqüitativamente entre os vários setores usuários.

         Sr. Presidente, com essa nova Lei, o País dispõe de instrumento legal altamente democrático e sabiamente descentralizador para enfrentar os desafios modernos do bom uso dos recursos hídricos. No entanto, a implementação da ambiciosa estrutura institucional prevista na Lei exige uma mobilização, de baixo para cima, dos agentes interessados no uso da água. Esse movimento já se vem dando entre nós, com a formação de diversos consórcios intermunicipais de gestão de recursos hídricos. Esses consórcios, que nem dependem da nova Lei para se formar, são, no entanto, por ela reconhecidos, podendo atuar como braço auxiliar dos comitês de bacia e mesmo como “agência da água” da bacia, enquanto ela não for constituída.

         A nova Lei dá condição legal para que a sociedade e os usuários se organizem para a constituição dos comitês de bacia.

         Mais ainda, a Lei pressiona a todos, saudavelmente, no sentido do entendimento e harmonização entre as partes interessadas e da integração de todas as ações relevantes e pertinentes.

         De parte do Governo Federal, a Lei será regulamentada nos próximos meses, inicialmente com a implantação do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, que dará amparo institucional aos comitês de bacia a serem criados. O Governo, além disso, está para enviar ao Congresso um projeto de lei tratando da criação das “agências da água”.

         Sr. Presidente, temos hoje, já adquiridos, os pressupostos conceituais e legais para um importante salto de qualidade institucional na gestão de nossos recursos hídricos. Muito resta a fazer em termos práticos, de mobilização da sociedade e de assimilação de experiência com o novo modelo. O momento, nessa questão, é de expectativa esperançosa, e isso é motivo de otimismo por ocasião da comemoração de mais um Dia Internacional da Água.

         Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/03/1998 - Página 5027