Discurso no Senado Federal

REFLEXÃO SOBRE A INEXISTENCIA DE REAJUSTE SALARIAL DOS FUNCIONARIOS PUBLICOS HA MAIS DE 3 ANOS E MEIO.

Autor
Junia Marise (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MG)
Nome completo: Júnia Marise Azeredo Coutinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL.:
  • REFLEXÃO SOBRE A INEXISTENCIA DE REAJUSTE SALARIAL DOS FUNCIONARIOS PUBLICOS HA MAIS DE 3 ANOS E MEIO.
Publicação
Publicação no DSF de 16/04/1998 - Página 6600
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, INJUSTIÇA, POLITICA SALARIAL, FUNCIONARIO PUBLICO, OBJETIVO, ESTABILIDADE, ECONOMIA.
  • ANALISE, INCONSTITUCIONALIDADE, ILEGALIDADE, FALTA, REAJUSTAMENTO, SALARIO, SERVIDOR, SIMULTANEIDADE, AUMENTO, TARIFAS.
  • CRITICA, GOVERNO, UTILIZAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), CONCESSÃO, GRATIFICAÇÃO, VANTAGENS, GRUPO, SERVIDOR, OFENSA, ISONOMIA CONSTITUCIONAL.
  • CRITICA, INFERIORIDADE, AUMENTO, SALARIO MINIMO.

A SRª JÚNIA MARISE (Bloco/PDT-MG. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, venho mais uma vez a esta tribuna para abordar a questão do funcionalismo, não só federal, mas também estadual e municipal.

O funcionalismo público, foi eleito pelo Governo neoliberal como bode expiatório, tem sido uma âncora invisível do Plano Real. Para o equilíbrio das contas públicas, pressuposto do plano de estabilização econômica, o Governo alardeou cortes nas despesas. O resultado tem sido um verdadeiro massacre de uma categoria que não tem poder de pressão e de barganha, especialmente num panorama de recessão econômica e diante da estratégia da política de redução do poder do Estado.

Para agravar a situação, sustenta-se sobre pilares questionáveis: a absoluta dependência do fluxo de capitais estrangeiros, regiamente recompensados com altíssimas taxas de juros. Para fazer face aos compromissos internacionais, o Governo promove um verdadeiro congelamento de salários dos servidores públicos.

Pensando bem, existe até uma lógica nesse estilo de governar do Senhor Fernando Henrique Cardoso: é muito mais cômodo e muito menos arriscado oprimir o já oprimido funcionalismo do que brigar com os grandes detentores do capital.

Assim se explicam as verdadeiras agressões que vêm sendo cometidas contra a categoria dos servidores públicos, que há três anos e três meses têm seu poder aquisitivo solapado pelo custo de vida, enquanto seus salários permanecem inalterados. Não se trata aqui, Sr. Presidente, de reivindicar aumentos ou vantagens para o funcionalismo, que, aliás, nos países desenvolvidos, é considerado patrimônio nacional. Trata-se de reivindicar tão-somente a recomposição dos seus salários, visto que seus credores, entre eles o próprio Poder Público, têm sido implacáveis na cobrança de suas contas. Ora, todos sabem que as contas de água, luz, e telefone têm data marcada para serem pagas; se os funcionários públicos, principalmente os estaduais, não puderem quitar as contas no dia fixado pelas companhias de energia elétrica, de saneamento e rede de água, justamente por estarem com seus salários atrasados, pagarão essas contas posteriormente, com multa. Como se vê, o Governo não está dando o mesmo tratamento aos salários dos servidores e às cobranças, principalmente das contas públicas.

Nessa contraposição de interesses, tem o Governo Federal, a seu favor, a condição da legalidade, ainda que espúria e ilegítima, ainda que cruel, desumana legalidade, que vem sendo sistematicamente amparada pela letra fria do ordenamento jurídico.

Amparado por essa interpretação da lei, o Governo vem atropelando o princípio da isonomia e a preconizada revisão dos vencimentos, promovendo o descompasso entre o valor social do trabalho do servidor e sua minguada remuneração.

A Constituição Federal, em seu art. 37, inciso X, estabelece:

Art. 37.

X - a revisão geral da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data.

A Lei nº 7.706, de 21 de dezembro de 1988, em seu art. 1º, dispõe que “a partir de 1989 o mês de janeiro será considerado data-base das revisões dos vencimentos, salários, soldos e proventos dos servidores civis e militares da Administração Federal Direta, das Autarquias, dos extintos Territórios Federais e das fundações públicas.”

Para a Suprema Corte, a Lei nº 7.706 não regulamenta a norma contida no art. 37, inciso X, da Constituição, mas apenas expressa que os reajustes, caso venham a ocorrer, devem beneficiar indistintamente a todos na mesma data.

No nosso entendimento, a aplicação conjunta dos dispositivos da Carta Magna e da referida lei ordinária implicam a concessão de reajuste na data-base estabelecida. Se assim não fosse, ou seja, se a concessão do reajuste - competência privativa do Chefe do Poder Executivo - não se impusesse, conforme entendeu a Suprema Corte, a lei estaria perdendo, portanto, a sua eficácia. Afinal, por que motivo se haveria de estipular uma data-base se o Poder Executivo, alegando não haver conveniência e oportunidade, pudesse fazer dela uma mera abstração?

Por entendermos assim é que o Partido Democrático Trabalhista impetrou mandado de segurança, o qual, julgado em maio de 1996, foi indeferido pelo Supremo Tribunal Federal. Afinal, embora o Supremo tenha outro entendimento, a Lei nº 7.706, na nossa interpretação, data venia, regulamenta o dispositivo constitucional que trata da “revisão geral da remuneração dos servidores públicos”. Tanto é assim que, em todos os anos posteriores à promulgação da Constituição Federal e anteriores ao advento do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, os servidores públicos federais - civis e militares - foram reajustados, na forma da lei: em 1989, pela supracitada Lei nº 7.706, de 21 de dezembro de 1988; em 1990, pela Lei nº 7.974, de 22 de dezembro de 1989; em 1991, pela Lei nº 8.162, de 9 de janeiro do mesmo ano; em 1992, pela Lei nº 8.390, de 30 de dezembro de 1991; em 1993 e em 1994, pela Lei nº 8.622, de 19 de janeiro de 1993; e, em 1995, pela Lei nº 8.880, de 27 de maio de 1994.

Tal seqüência de reajustes, todos regidos por leis, a nosso ver consubstancia a tese de que a primeira delas, a de nº 7.706, regulamenta o dispositivo constitucional que trata da revisão geral da remuneração dos servidores públicos.

Na defesa do nosso ponto de vista, acreditamos esteja a proposta de Emenda à Constituição nº 41/97, usualmente denominada “Reforma Administrativa”, que está por ser promulgada. Em seu art. 37, inciso X, a citada PEC assegura “revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices”.

Ora, se a própria Reforma Administrativa, proposta pelo Governo, assim estabelece, é porque a interpretação conjunta da Constituição de 1988 e da Lei nº 7.706 suscita o entendimento de que se impõe ao Presidente da República a obrigatoriedade de encaminhar Mensagem propondo o reajuste dos servidores. Pode até mesmo, como recentemente advertiu o Ministro da Administração, Bresser Pereira, propor o reajuste de alíquota zero. O fato é que, para nós, houve omissão do Governo no que diz respeito à revisão dos salários dos servidores públicos nesses últimos três anos no País.

De qualquer forma, se o despacho da Suprema Corte desobriga o Presidente da República a adotar o cumprimento da lei, por outro lado, não o impede de fazê-lo. Portanto, a questão agora é outra. Estamos falando da falta de sensibilidade política do Governo, que prega a implantação do Estado mínimo e confere ao mercado o dom de solucionar todos os males, tratando o funcionalismo público a pão e água.

Há exceções - o que, aliás, contraria todo o princípio da isonomia, consagrado em nosso ordenamento jurídico. Ao Governo Fernando Henrique Cardoso, aplica-se aquela velha máxima de que “todos são iguais perante a lei, mas uns são mais iguais do que os outros”.

Assim, seletos grupos de servidores foram aquinhoados com vantagens específicas, durante a atual Administração, por meio de seis medidas provisórias, igual número de leis ordinárias e um decreto.

Quanto a utilizar medidas provisórias para garantir gratificações e vantagens diversas a algumas pequenas parcelas do funcionalismo - instrumento inadequado para esse fim, por não se tratar de matéria urgente e relevante -, o Governo violou a Constituição, ao ignorar o princípio da isonomia, uma vez que o Art. 39, § 1º, assim estabelece:

“A lei assegurará aos servidores da Administração Direta isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhados do mesmo Poder ou entre servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, ressalvadas as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de trabalho.”

A esse propósito, invoco o entendimento de Josimar Dantas, editor da seção Direitos e Justiças do Correio Braziliense:

“Junta-se à ilegalidade da providência manifestação de tratamento injusto para o conjunto do funcionalismo. Com os salários congelados há quase três anos” - já são mais de três anos -, “os servidores públicos se encontram em situação de penúria alarmante. Pois, considerada a inflação reconhecida pelo Governo ao curso do Plano Real, os funcionários amargam perdas salariais de 58%.”

O jornalista, ao atentar para as afrontas jurídicas que se observam no tratamento dado aos servidores públicos, não perdeu de vista o lado humano da questão, tanto que advertiu para a situação de “penúria alarmante” em que se encontra a categoria. Tal sensibilidade, no entanto, não se manifesta entre os nossos governantes, que impõem um verdadeiro arrocho salarial aos servidores públicos do País.

Trago, para ilustrar o meu pronunciamento, a matéria do jornal O Globo, do dia 11 de janeiro, intitulada “Arrocho empurra os servidores para as garras dos agiotas”. Descrevendo a situação predominante na Esplanada dos Ministérios e no funcionalismo público federal, a reportagem relata: “Num aperto sem precedentes, os funcionários buscam, cada vez mais, dinheiro nos agiotas, vendem os vales-transporte e procuram fazer ’bico’ nos momentos de folga para complementar os salários”. Informando que os servidores “são responsáveis pela metade dos empréstimos na cidade, apesar de não representarem nem um quarto da população economicamente ativa” de Brasília, o jornalista Hugo Marques, autor da reportagem, afirma que eles pagam juros de 11,5% a 13,5% ao mês.

A ninguém - muito menos ao Governo - é permitido ignorar as dificuldades que afligem a categoria dos servidores públicos. Enquanto permanecem há quase 1.300 dias sem reajuste, os preços competitivos acumularam aumentos, desde o início do Plano Real até o final de 1997, de 48,2%. Os preços públicos aumentaram ainda mais, nesse período, alcançando o patamar de 85,4%. O índice de Preços ao Consumidor, o que mais diretamente afeta a vida cotidiana do cidadão, foi de 223,17%, em 1995, de acordo com a FIPE da USP; no ano seguinte, de 10,3% e, no ano passado, de 4,82%.

Recente levantamento feito pelo jornal O Estado de S.Paulo concluiu que as tarifas públicas, de responsabilidade do Governo, foram as de maior reajuste desde o início do Plano Real. “Desde 1995, o Governo vem corrigindo as tarifas públicas acima da média e eliminando as defasagens acumuladas em governos anteriores. Com isso, atendeu não só recomendações de organismos como o Banco Mundial, no caso dos preços de energia elétrica, como tornou as estatais atrativas para a privatização e levou a maior parte das empresas públicas a serem lucrativas.”

No ano passado, as tarifas públicas e os preços controlados pelo Governo sofreram verdadeira explosão: gasolina, 4,1%; álcool, 4,2%; água e esgoto, 4,5%; gás de cozinha, 8%; energia elétrica, 9,8%; transporte coletivo, 12,5%; metrô, 25%; correio, 46,7%; e telefone, 176,7%.

Há muito, os nossos governantes vêm empreendendo verdadeira perseguição a essa classe de trabalhadores, como aconteceu com a quebra da estabilidade na reforma administrativa. Na ocasião, apesar das advertências que fizemos, prevaleceu a tese governista, ou seja, a afronta à Constituição, especialmente ao disposto no Art. 5º, inciso XXXVI, que assegura que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Para o Governo, é muito mais fácil espoliar o já espoliado, o já combalido, o desventurado servidor público, do que medir forças com os banqueiros, com os oligopólios, com os investidores inescrupulosos, que tiram proveito da situação de dependência em que se encontra e se aprofunda o Brasil.

Nessas circunstâncias, não era de se estranhar o “pacote fiscal” de novembro do ano passado, elaborado em resposta à crise asiática. Entre outras medidas, sacrificava-se, mais uma vez, o funcionalismo público com a anunciada demissão de 33 mil servidores. O tempo passou, e o Governo, reavaliando a situação, desistiu de demitir sob a alegação de que os efeitos da crise já se haviam atenuado.

Na verdade, é preciso dizer que a degola dos servidores foi evitada por outros motivos. A demissão proporcionaria ao Governo uma economia anual de R$340 milhões, mas implicaria um gasto extraordinário, para este ano, de R$327 milhões, a título de indenizações trabalhistas, ou seja, o benefício da degola seria praticamente anulado, pelo menos no primeiro instante.

Além disso, não custa lembrar que estamos num ano eleitoral e que o Governo -- já tão repudiado pelos servidores -- poderia perder de vez os votos que ainda lhe restam por parte dos servidores demitidos e de todos os seus parentes.

Este Parlamento tem sua parcela de responsabilidade na aflitiva situação em que se encontram os servidores públicos do nosso País. São trabalhadores que, por falta de uma política consistente de recursos humanos e de valorização da sua função social, hoje vivem praticamente marginalizados, com salários defasados e sem perspectiva de melhoria. Não há qualquer estímulo a sua atividade. O descaso governamental faz com que exerçam atividades extras para ganhar algumas migalhas e manter o seu padrão de vida ou até mesmo para sobreviver. Em sua maioria, abdicam do repouso merecido das férias para trabalhar em outro ramo e cobrir com isso suas despesas; cortam gastos na educação dos filhos, na assistência médica, na alimentação, e renunciam até mesmo ao lazer da família.

O reajuste salarial dos servidores impõe-se agora em respeito à Constituição, ao ordenamento jurídico e aos princípios basilares do estado de direito. Descartada essa vertente, o reajuste se impõe pelo pacto social que deve prevalecer nas sociedades democráticas, pela atitude cristã e humanitária, pela ética na qual se deve circunscrever a legalidade no nosso País.

Freqüentemente temos ouvido dos nossos governantes a manifestação de que os servidores estão sendo responsáveis pelo alto custo operacional da máquina administrativa. Mas o Governo se esquece que eles estão prestando um melhor serviço à nossa população e ao País, atendendo do outro lado da mesa, do outro lado do balcão, em qualquer atividade, como na área da saúde, especificamente nos hospitais públicos, prestando informações, recebendo os pedidos de informação, fornecendo o andamento de todos os processos nas autarquias e nos órgãos públicos de todo o País.

É preciso repensar a situação dos funcionários públicos que estão desestimulados, desesperançados e sufocados, sobretudo pelo congelamento de salários. Nesta reflexão, Sr. Presidente, invocamos a Constituição Federal e mostramos que este Governo, tão logo assumiu os destinos do País, promoveu um verdadeiro arrocho salarial contra os servidores públicos, os trabalhadores e os aposentados. Enquanto isso, o custo de vida e, certamente, o custo da cesta básica têm aumentado gradativamente. Ora, como permitir que essa situação permaneça sem uma posição e uma decisão por parte do Governo Federal?

Anuncia-se que amanhã o Governo deverá conceder um aumento de R$10,00 ao salário mínimo, ou seja, passará de R$120,00 para R$130,00. É preciso que o Presidente Fernando Henrique pense um pouco nesses trabalhadores que hoje ganham R$120,00; nos 18 milhões de aposentados que ganham um salário mínimo e não têm sequer condições de aviar uma receita médica. Será que eles conseguirão ter condições de sobreviver neste País com um aumento de R$10,00?

Sr. Presidente, com essas considerações, concluo meu pronunciamento.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/04/1998 - Página 6600