Discurso no Senado Federal

DEFESA DE EQUIDADE NA RENEGOCIAÇÃO DAS DIVIDAS DOS MUNICIPIOS PELO GOVERNO FEDERAL.

Autor
Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVIDA PUBLICA.:
  • DEFESA DE EQUIDADE NA RENEGOCIAÇÃO DAS DIVIDAS DOS MUNICIPIOS PELO GOVERNO FEDERAL.
Publicação
Publicação no DSF de 22/05/1998 - Página 9134
Assunto
Outros > DIVIDA PUBLICA.
Indexação
  • DEFESA, IGUALDADE, TRATAMENTO, GOVERNO FEDERAL, RENEGOCIAÇÃO, DIVIDA, MUNICIPIOS, MOTIVO, ADOÇÃO, GOVERNO, CRITERIOS, REFINANCIAMENTO, FINANÇAS PUBLICAS, DISCRIMINAÇÃO, GOVERNO MUNICIPAL, COMPARAÇÃO, GOVERNO ESTADUAL.
  • DEFESA, PROCESSO, DESCENTRALIZAÇÃO, ESTADO, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, MUNICIPIOS.

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, assim como a família é a célula-mater da sociedade, o Município é a base da Federação. A vida de cada cidadão decorre no município; é lá que as necessidades e as aspirações de cada brasileiro se projetam e aguardam soluções concretas. Lá se desenvolvem as principais lideranças estudantis e comunitárias - embriões das futuras lideranças políticas.

Nos rincões mais longínquos do nosso território, os habitantes desconhecem os nomes dos Deputados, Senadores e do Presidente da República. Todos, porém, sabem quem é o Prefeito do seu Município, pois é a ele que encaminham suas reivindicações. Portanto, o Executivo Municipal é avaliado todo o tempo, por toda a população residente ou ocupada nos espaços urbanos e rurais que administra.

A gestão municipal, até 1988, se restringia à construção de praças e logradouros públicos, coleta de lixo, limpeza urbana. Já há quase dez anos que a autonomia administrativa de cada prefeitura em muito se ampliou. Cobram-se hoje, do Prefeito, ações administrativas quanto à segurança pública, habitação saúde, educação, saneamento básico, assistência social etc. A esfera de atuação do prefeito ampliou-se, passando a abranger todos os aspectos que de alguma forma impliquem a qualidade de vida dos moradores.

Descentralizaram-se as responsabilidades, os encargos. Entretanto, o mesmo não ocorreu com os recursos. Essa é uma grande barreira ao desenvolvimento do município: a insuficiência e até mesmo a carência de recursos. Investido, pela Constituição de 1988, do papel de verdadeiro tutor dos encargos sociais, o município vê-se a braços com os problemas locais e a impossibilidade de solucioná-los.

As principais causas da falta de recursos que atualmente imobiliza a administração municipal se resumem em três fatores, considerando-se o período posterior a 1988: a queda nas receitas municipais, especialmente no biênio 92-93; o aumento das taxas de juros, principalmente em 1994 e 1995 e a retomada do processo de endividamento municipal em 1995.

Uma das questões responsáveis pela redução da capacidade de investimento das prefeituras foi a cultura política de criação de novos municípios, que se acentuou a partir da década de 70, quando, de 1.574 unidades municipais, o total saltou para 3.952. Em 90, para 4.491. Temos, hoje 5.507 municípios instalados. São 5.507 prefeituras, com seu corpo de servidores ; 5.507 câmaras municipais, com seus vereadores e funcionários, dividindo o mesmo bolo tributário.

Essa verdadeira “linha de montagem” de municípios, criados muitas vezes apenas para atender questões políticas, gerou despesas imensas para a Nação. Além disso, com honrosas exceções, repetem-se nas novas prefeituras os mesmos vícios das administrações públicas anteriores: excesso de funcionários, inoperância no atendimento e outras deficiências por demais conhecidas. O resultado final, todos sabemos, é a incapacidade da máquina administrativa municipal em atender às carências mínimas da sociedade.

Observando-se a questão por outro ângulo, todos concordamos que as deficiências das áreas federal e estadual se refletem, automaticamente, na esfera municipal, transferindo enormes responsabilidades para as prefeituras, as quais têm procurado corresponder, na medida do possível.

Sr. Presidente, nobres Colegas, quando o cidadão recorre a um hospital público, o que ele pretende é ser dignamente atendido. Em momento algum ocorre-lhe, em sua aflição, questionar-se quanto à esfera administrativa responsável pelos serviços ali prestados. Invariavelmente, quando acontece alguma falha, os usuários reclamam contra a prefeitura, mesmo que o hospital seja administrado pelo governo estadual ou federal.

E isso é natural, porque a administração municipal está ali, mais próxima, ao alcance de um contato direto. Faz também parte da nossa cultura esperar que as prefeituras - que recebem menos - executem as tarefas que as outras esferas administrativas - que ficam com a maior fatia do bolo tributário - deveriam fazer.

Um triste exemplo dessa realidade é o recente caso da morte de vários bebês em UTIs de maternidades no Rio de Janeiro. O que assistimos pelos meios de comunicação foi a troca de acusações entre os governos federal, estadual e municipal, quanto à responsabilidade pela falta de leitos e à conseqüente superlotação.

Enquanto isso, um exame de emergência feito nas maternidades de três grandes hospitais da rede federal, no Rio, revelou que a falta de pessoal é o principal problema, já que há espaço físico e equipamento disponível. No Hospital Geral de Bonsucesso, o déficit no atendimento é de 50%. No Hospital dos Servidores, a capacidade é de 36 leitos obstétricos, mas só há 14 em atividade; a unidade intermediária poderia receber 32 bebês, mas está fechada; na UTI neonatal, há oito leitos, mas só cinco estão em funcionamento.

Para o contribuinte, especialmente o que se torna vítima desse descompasso, a culpa sempre é do prefeito.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, ao estudar a crise das finanças dos municípios - capitais estaduais, nos anos 80, o professor da PUC-RS, Alfredo Meneguetti Neto, encontrou um denominador comum a todos: o enorme comprometimento das finanças com a dívida e a conseqüente falta de recursos, tanto para manter a máquina administrativa quanto para investir.

As capitais com maior concentração urbana e mais industrializadas (São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte) coincidentemente, estiveram entre as mais endividadas na década de 80. São Paulo representou, durante todo o período, a metade da dívida. Parece-nos que essa realidade atravessou a década de 80 e fará o mesmo à de 90, adentrando o próximo milênio.

No ano de 1997, funcionou nesta Casa a Comissão Especial destinada a proceder ao exame de sugestões referentes aos endividamentos dos estados e municípios. Na qualidade de Presidente da mesma, tive o privilégio de contar com a participação e o interesse de muitos dos nobres Pares, bem como de técnicos e autoridades do Executivo e da sociedade em geral.

Uma das condições óbvias, mas geralmente não verbalizadas, é a de que não foi concedida aos municípios a mesma oportunidade de negociar suas dívidas. Não nos esqueçamos de que o Governo Federal contou com o beneplácito dos bancos internacionais e procedeu de forma semelhante, ao conceder aos estados a possibilidade de ressarcimento dos respectivos débitos, no prazo de trinta anos.

Quando de sua exposição, o ilustre Deputado Welson Gasparini, presidente da Associação Brasileira de Municípios, enfatizou aspectos dessa situação que, infelizmente, a população desconhece. Com o fechamento da LBA, quase todas as obras e serviços de assistência social acabaram também sob o enfoque das prefeituras municipais. Juntas de alistamento militar, cartórios eleitorais, tiros de guerra, escolas, viaturas de polícia, segurança pública, enfim, responsabilidades de outras esferas, não funcionariam, se não fossem assumidas pelas prefeituras. Em conseqüência, o agravamento da dívida local tornou-se muito sério.

Em 1996, cerca de R$ 2 bilhões do Orçamento Federal, que seriam transferência do governo, por meio das chamadas “verbas do Congresso”, deixaram de ser encaminhados para as prefeituras, em razão do contingenciamento dessas verbas. Em 1997, a situação piorou ainda mais, já que além do Fundo de Estabilização Fiscal, a chamada Lei Kandir também absorveu expressiva parcela dos recursos municipais. Para se ter uma idéia das dificuldades, pesquisa da Câmara dos Deputados, divulgada pela revista “Cidades”, revelou que, até julho/97, haviam sido liberados menos de 2% do volume de recursos aprovados no Orçamento por meio das emendas das bancadas estaduais.

Na primeira semana do mês de fevereiro deste ano, uma comissão de prefeitos da região sudeste do Estado do Tocantins esteve em Brasília. Entre os assuntos que mais discutimos - talvez o que despertou maior interesse e participação daqueles Executivos - esteve a dívida municipal.

Na segunda quinzena de janeiro, os veículos de comunicação informaram que o Governo, não mais podendo resistir à pressão dos prefeitos, preparou, através do Ministério da Fazenda, um pacote de refinanciamento das dívidas municipais, semelhante ao que beneficiou os estados no final de maio/97.

Duas grande diferenças, no entanto, estão causando consternação entre os prefeitos. Primeira, ao contrário do ocorrido com os Estados, o montante não abrangeria o total dos débitos, mas apenas a chamada dívida mobiliária (em títulos).

A segunda diferença constitui também o maior obstáculo à negociação: deverá ser beneficiado apenas um reduzido número de municípios, entre os quais os maiores devedores (São Paulo, que até novembro último já devia mais de 6 bilhões de reais, e Rio de Janeiro, que detém a segunda maior dívida mobiliária entre os municípios, R$ 1,6 bilhão).

Essas prefeituras, que hoje pagam 40% de juros ao ano, passarão a pagar apenas a inflação mais 6% anualmente: a União deverá assumir a diferença. Os executivos municipais do meu Estado, mesmo contando com a opinião dos técnicos da Fazenda de que “seria inevitável atender depois os demais prefeitos”, questionam o critério adotado pelo Governo, pois, como um deles verbalizou, “parece que a intenção é privilegiar os que mais devem, os que gastam a rodo o dinheiro público, muitas vezes em obras faraônicas e desnecessárias”. Certamente assim pensam também os prefeitos de todos os municípios brasileiros excluídos dessas vantagens.

Na opinião do Prefeito de São Paulo, Celso Pita, a rolagem das dívidas das prefeituras, com o governo federal assumindo parte dos débitos, “seria um tratamento equânime em relação aos Estados”.

Sr. Presidente, nobres Colegas, em nosso País, todos são iguais perante a lei. Entretanto, face aos privilégios de alguns, diz o povo que “todos são iguais, mas alguns são mais iguais que outros”. Se o Governo usar de discriminação, quanto à renegociação dessas dívidas, veremos mais uma vez a sabedoria popular nos ensinando que o tratamento aos municípios será equânime, mas há alguns municípios mais equânimes que outros.

Assistimos, a cada dia, a falência do Estado centralizado. Todos sabemos que a descentralização é inevitável e que o desenvolvimento do município é o caminho mais certo para o progresso. Eminentes Pares, o Brasil tem pressa de superar suas carências, de chegar ao século XXI oferecendo melhor nível de qualidade de vida a seu povo; e a realidade do povo se concretiza em nível municipal.

           Que o tratamento dispensado pelo Governo Federal aos municípios se fundamente na verdadeira eqüidade, da mesma forma que as determinações constitucionais devem ser seguidas igualmente por todos.

           Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/05/1998 - Página 9134