Discurso no Senado Federal

COMENTA ENTREVISTA DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO PUBLICADA NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO, DO DIA 13 DE OUTUBRO DO CORRENTE. NECESSIDADE DE MELHOR DISTRIBUIÇÃO DO CAPITAL ACUMULADO NO PAIS, EM OPOSIÇÃO A DECISÃO DO GOVERNO DE PREFERENCIA PELO CAPITAL ESTRANGEIRO. RELACIONANDO A DEMISSÃO DO MINISTRO ADIB JATENE A SUA LUTA PARA QUE OS RECURSOS ARRECADADOS COM O CPMF FOSSEM DIRECIONADOS AO SETOR DE SAUDE.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • COMENTA ENTREVISTA DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO PUBLICADA NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO, DO DIA 13 DE OUTUBRO DO CORRENTE. NECESSIDADE DE MELHOR DISTRIBUIÇÃO DO CAPITAL ACUMULADO NO PAIS, EM OPOSIÇÃO A DECISÃO DO GOVERNO DE PREFERENCIA PELO CAPITAL ESTRANGEIRO. RELACIONANDO A DEMISSÃO DO MINISTRO ADIB JATENE A SUA LUTA PARA QUE OS RECURSOS ARRECADADOS COM O CPMF FOSSEM DIRECIONADOS AO SETOR DE SAUDE.
Aparteantes
Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 03/12/1996 - Página 19486
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONTRADIÇÃO, OBRA CIENTIFICA, SOCIOLOGO.
  • CRITICA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, ATRAÇÃO, CAPITAL ESTRANGEIRO, AUSENCIA, POLITICA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, PRIORIDADE, AUXILIO, BANCOS.
  • CRITICA, FALTA, POLITICA SOCIAL, ESPECIFICAÇÃO, DESVIO, RECURSOS, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), PAGAMENTO, FUNDO DE AMPARO AO TRABALHADOR (FAT).
  • QUESTIONAMENTO, SAIDA, ADIB JATENE, EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), MOTIVO, POSSIBILIDADE, CANDIDATURA, AMEAÇA, REELEIÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, até há alguns anos, como intelectual, respeitava o atual Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Diante de suas declarações e de sua prática, a cada dia aquela antiga admiração se transforma em uma frustração e em uma decepção maiores.

Não sei se o poder vale tanto; não sei se o poder vale o esquecer-se de uma vida que pensava ter sido dedicada a estudos sérios, que pensava ter sido dedicada ao desenvolvimento da consciência, da coragem e da crítica. Não sei se vale o poder a metamorfose profunda que retira das raízes o radicalismo a que se referia FHC no seu livro sobre capitalismo e escravidão.

Nesse livro, por concordar com a obra de Marx, Sua Excelência cita a assertiva de que é preciso que sejamos radicais. É uma contribuição à filosofia do Direito de Hegel, em que ele dizia que "ser radical é ir até as raízes e, nas raízes, se encontra o homem". Fernando Henrique Cardoso não é mais radical, não quer saber do homem, não quer saber do social, não quer saber dos seus compromissos antigos e de sua antiga formação.

À frente da nau sem rumo, FHC não é capaz de manter uma lanterna nem na proa nem na popa. Está completamente perdido no nevoeiro que foi se formando no Brasil no momento em que diversas crises foram se superpondo, se encavalando ao longo de nossa História.

Provando que realmente continham muito engodo, ilusão e superficialidade os seus estudos, Fernando Henrique Cardoso diz coisas estarrecedoras para um professor emérito.

No dia 13 de outubro, em entrevista publicada à página cinco da Folha de S.Paulo, "Caderno Mais", diz Fernando Henrique Cardoso, respondendo à seguinte pergunta:

      "Quem tira as vantagens máximas hoje, com a mundialização do Brasil?

      FHC: Aí depende. Como houve essa mudança geral no modo de produzir, com a globalização (...), você teve aquilo que Marx jamais pensou, nem Weber - refere-se ao sociólogo alemão Max Weber -, nem ninguém. E nem podiam, porque o capital se internacionalizou com muita rapidez e ele é fator abundante."

Meu Deus! Tal afirmação colocada na boca de um ex-marxista é algo realmente contristador. Como se Marx não tivesse percebido aquilo que Fernando Henrique Cardoso citou, que é a concentração do capital, a superação dessa concorrência que hoje dizem que existe, a formação dos monopólios e dos oligopólios, a formação do capital financeiro como coroamento das três formas de existência do capital: o produtivo, o mercantil e o bancário. Está formado o capital financeiro que domina todas as formas de existência do capital.

Dizia Marx que o problema do capital é o próprio capital. É abundância, sim, de capital. Como dizer que Marx nunca falou na abundância de capital, entendido com uma crise de sobreacumulação, que é a crise final do modo de produção capitalista, aquela mais emblemática que é o resultado necessário do processo de acumulação e de sobreacumulação do capital?

Esse é um problema, descobre Fernando Henrique Cardoso agora, que Marx nunca tinha visto, que ninguém nunca tinha visto e que Sua Excelência consegue ver.

Vou citar, novamente, a entrevista de Fernando Henrique Cardoso, publicada à folha cinco do jornal Folha de S.Paulo, do dia treze de outubro, para que todos possam acreditar nestas palavras, em que o Presidente afirmava que o problema, agora, é que o capital se internacionalizou muito depressa e é fator abundante. Se é fator abundante, por que massacrar os trabalhadores? Para produzir mais capital, torná-lo mais abundante e mais problemático? Por que abrir as portas do Brasil para os empréstimos externos, aumentando o nosso endividamento , trazendo uma sobrecarga para a balanço de pagamentos, se o capital é fator abundante?

É justamente por ser fator abundante que não se deveria sair por aí buscando empréstimos no Japão ou permitindo empréstimos, a todo momento, por intermédio do Eximbank, financiando a Raytheon. Empréstimos são concedidos a todo momento aos Estados, aos Municípios e à União, todos falidos.

Se o capital é fator abundante, como diz o Presidente Fernando Henrique Cardoso, então o Governo, numa crise de capital abundante, deveria perceber que o problema não pode ser resolvido por meio de novos investimentos, de mais capital em cima do capital sobreacumulado e abundante. O problema só pode ser resolvido para preservar as relações capitalistas, não para superá-las, dando lugar a um modo de produção superior.

Marx dizia que o modo de produção sobreviverá enquanto houver potencialidades a serem desenvolvidas. Portanto, diante deste quadro, é realmente estarrecedor ver um Governo continuar lutando como se estivéssemos na Década de 50 ou como se estivéssemos em 1844, procurando atrair capital estrangeiro e procurando mais capital para aumentar o problema da abundância de capital no Brasil, capital sobreacumulado durante décadas, em que a taxa de acumulação foi, de acordo com o Ministro e atual Senador José Serra, em seu artigo, maior do que a taxa de acumulação existente no Japão, único país que a partir de 1870 conseguiu entrar no rol dos vinte países mais ricos do mundo.

O Chile, ao contrário do que pensam aqueles que não conhecem a história econômica, era o único país latino-americano que constava daquela lista de 1870. Então, não foi Pinochet, não foi o "neoliberalismo pinochetano" que promoveu o desenvolvimento rápido do Chile e fez com que esse país entrasse no rol seleto dos vinte países mais ricos do mundo. O Chile já estava lá em 1870, não foi o neoliberalismo que o colocou nesse privilegiado e seleto grupo de países ricos.

O que percebemos é que, em vez de distribuir o capital superabundante, o capital excedente, a renda, a riqueza, o poder, a cultura, a educação, o saber, o lazer para a sociedade brasileira, o Governo promove um processo de concentração maior do capital e do poder.

Quero manter o poder e engordar o capital, quero manter o poder e deixar crescer o capital em circunstâncias que não são as da década de 50, mas num quadro em que o capital se encontra de tal maneira acumulado no Brasil que, diante da queda da taxa de lucro, da rentabilidade do capital produtivo brasileiro, ele resvalou há muito tempo para a especulação e se tornou um capital especulativo, um capital completamente nocivo, um capital que criou a "bancocracia" brasileira, até o momento em que esses bancos super concentrados, esses bancos que acumularam o poder e as fortunas no Brasil às expensas da sociedade, acabaram se afogando em sua própria adiposidade. E como se uma mão invisível ainda distribuísse justiça no mundo, eles foram justiçados pelas suas falências, que mostrariam, de acordo com as leis do mercado, a incompetência dos banqueiros, que teriam tido, segundo eles próprios, 14.260% de retorno de suas aplicações na década em que fizeram muitos perder o que tinham e ainda ajudaram que fosse uma década perdida.

O que faz Fernando Henrique Cardoso diante da pena que o mercado aplica aos poderosos bancos? Em lugar de, como propõe o Presidente do Bank For International Settlements - BIS, em palestra no Brasil, deixá-los falir, deixar que sobre eles pesasse a mão invisível do mercado, o Governo os socorreu com o Proer. E, da noite para o dia, num país que se diz imerso numa profunda crise, consegue-se R$5,9 bilhões para socorrer o amado e próximo Banco Nacional.

O que provocou a falência de bancos e a presença do Banco Central em trinta e três instituições bancárias na forma de intervenções nada mudou. O empobrecimento da população, a inadimplência, as falências não mudaram nada no panorama nacional. Logo, não se mudou a taxa de câmbio, que permite aos brasileiros importarem, a preços de banana, as mercadorias dos confins do mundo e não se acabou, também, com o sucateamento das empresas estatais brasileiras que sofrem uma concorrência desonesta, desleal e protegida pelo Banco Central, num crime contra a nacionalidade, num crime de lesa-pátria.

O que aconteceu foi que nada mudou. O Plano Real permanece intocável. E se foram essas medidas, juntamente com uma propalada redução da taxa de juros, que fizeram com que os bancos quebrassem - estes, sim, socorridos pela mão cheia do Proer -, então é óbvio que outros bancos virão nessa mesma onda. E aqueles bancos quebrados precisam a cada dia de mais oxigênio. O Banco Nacional, em vez de R$5,9 bilhões, já levou mais de R$7 bilhões; o Econômico, a mesma coisa. Portanto, o Proer já transferiu R$14,2 bilhões para os banqueiros brasileiros, os que obtiveram os maiores lucros do mundo na década perdida.

É triste perceber que existe, sim, capital excedente para ser conduzido e canalizado para os banqueiros, mas que não existe, por exemplo, para a saúde.

Vou falar sobre o que aconteceu de triste nesse episódio da saúde. Observamos, com admiração, a peregrinação daquele cavaleiro, que parecia realmente um Dom Quixote, atrás da ilha de seus sonhos, que era a ilha em que a saúde brasileira pudesse encontrar um abrigo e um socorro.

Vimos, portanto, o Ministro Adib Jatene, cavaleiro de tão digna figura, vencer obstáculo por obstáculo, batalha por batalha e, finalmente, fazer aprovar a CPMF, que daria recursos de aproximadamente US$6 bilhões à saúde no próximo ano. Adib Jatene, depois de vencida a batalha e conseguida a aprovação da CPMF, pediu as contas e se foi com a sua dignidade para o seu trabalho no Incor. Uma vez aprovada a CPMF e ao perceber que, com aquele dinheiro, que seria empregado com honestidade, hombridade e seriedade, o Ministro Adib Jatene se tornaria um perigoso candidato a Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso e seus "maquiavéis" de plantão trataram de eliminar o adversário.

Aqueles que só pensam na reeleição não queriam que Adib Jatene, alimentado com R$6 bilhões, que seriam aplicados com honestidade e seriedade na saúde, resolvesse o problema da saúde, pois, com isso, S. Exª se transformaria em candidato potencial a Presidente da República. Não podia dar certo o plano de Jatene; ele tinha de dar errado. Depois dizem que somos nós, petistas, que torcemos para que não dê certo. Eles é que fazem dar errado. E quando Adib Jatene conseguiu transformar o erro absurdo, que é nosso sistema de saúde, em acerto potencial provável, recebeu, como recompensa, a demissão, a impossibilidade de continuar Ministro, porque os R$2 bilhões iniciais, que seriam obtidos com a CPMF, o novo imposto, teriam de ser destinados ao pagamento do FAT e não à saúde.

A Srª Marina da Silva - V. Exª permite-me um aparte?

O SR. PRESIDENTE (Lúdio Coelho) - O tempo de V. Exª está esgotado, Senador Lauro Campos.

O SR. LAURO CAMPOS - Gostaria de pedir a benevolência de V. Exª, para conceder o aparte à nobre Senadora Marina Silva.

O SR. PRESIDENTE (Lúdio Coelho) - Pois não, Senador Lauro Campos.

O SR. LAURO CAMPOS - Obrigado.

Ouço a nobre Senadora, com muito prazer.

A Srª Marina Silva - V. Exª, como dedicado professor de economia, tem-se constituído, nesta Casa, em tenaz crítico da política econômica do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Muito me chamou a atenção a análise que V. Exª fez da abundância de capital, da reprodução do capital, que circula em si mesmo. V. Exª sugere que ele seja distribuído como benefício em forma de saúde, educação, cultura, lazer e até mesmo de partilha de poder. É a visão de alguém que tem um compromisso social muito forte. E penso que, antes de ser uma crítica, é também uma sugestão. Não fazemos apenas a política do quanto pior, melhor. Queremos que seja quanto melhor, melhor. Lamentavelmente, os dirigentes não têm percorrido esse caminho. Estou aprendendo um pouco de economia com V. Exª. Ao ouvi-lo falar da abundância de capital, veio-me a idéia de que a postura do Governo, ao querer atrair mais capital, assemelha-se à postura do médico que gostaria de tratar um doente de diabetes aplicando-lhe mais glicose.

O SR. LAURO CAMPOS - Agradeço o aparte de V. Exª, concordo com ele e o incorporo. Dizem as manchetes: "Nem Venda de Estatais Reduz Déficit. Governo corre risco de privatizar todas as empresas e continuar com o rombo cada vez maior, alerta Dércio Munhoz." Já disse isso várias vezes: a venda da Vale do Rio Doce não dará para pagar, de acordo com os cálculos do Ministro Antônio Kandir, sequer um mês de juros da dívida pública interna do Brasil. Ela será apropriada integralmente pelos credores do Governo, ou seja, pelo sistema bancário, que recebe de juros, por mês, mais do que será arrecadado com a venda, ou com a doação, da Companhia Vale do Rio Doce. É realmente incrível.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/12/1996 - Página 19486