Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE A DECIMA SEGUNDA CONFERENCIA MUNDIAL DA AIDS, REALIZADA EM GENEBRA.

Autor
Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • REFLEXÕES SOBRE A DECIMA SEGUNDA CONFERENCIA MUNDIAL DA AIDS, REALIZADA EM GENEBRA.
Publicação
Publicação no DSF de 13/08/1998 - Página 12924
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, POSIÇÃO, BRASIL, CONFERENCIA INTERNACIONAL, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), APREENSÃO, CONCENTRAÇÃO, DOENTE, TERCEIRO MUNDO, INFERIORIDADE, ACESSO, TRATAMENTO, REGISTRO, ACORDO INTERNACIONAL, COOPERAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO.
  • COMENTARIO, ANUNCIO, MEDICAMENTOS, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), NECESSIDADE, REFORÇO, CAMPANHA, PREVENÇÃO.

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em razão do recesso do Congresso Nacional, durante o mês de julho, e da atuação política nos Estados, muitos dos prezados colegas se encontram apenas parcialmente informados quanto à posição do Brasil na 12ª Conferência Mundial sobre AIDS, realizada em Genebra. Por esse motivo, trago a este Plenário algumas conclusões tiradas naquele encontro, bem como ponderações que considero pertinentes.

Enquanto o clima dominante na 11ª Conferência, realizada há dois anos, no Canadá, era de euforia, a realidade em Genebra se pautou pela cautela demonstrada pela maioria dos 12 mil cientistas presentes, dos quais 500 eram brasileiros, convidados.

A mudança de atitude dos pesquisadores se deve ao fato de que a capacidade de mutação do vírus HIV venceu o coquetel de AZT, 3TC e inibidores da protease. Esperava-se que a terapia combinada levasse à cura da AIDS. Constatou-se, no entanto, que, embora funcione para a maioria dos soropositivos, em alguns já não faz mais o efeito desejado.

Outras fontes de preocupação dos participantes são principalmente a certeza de que 90% dos portadores do vírus estão no Terceiro Mundo, o alastramento da epidemia, que atualmente atinge 30,6 milhões de pessoas, e que apenas 5% dos soropositivos do mundo têm acesso aos medicamentos.

Apesar da maior cautela, cinco novos medicamentos foram anunciados em Genebra: o efavirens, o adepofuvir, a hidroxiuréia (hidréia), o abacavir e o aprenavir. São drogas novas que aparecem para o combate a esse mal do século. Espera-se que as novas combinações permitam reduzir a mortalidade de imediato, de 30% a 40%, e que, em 1999, a taxa de mortalidade fique em torno de 50% a 60% menor.

Duas dessas drogas serão lançadas em breve nos Estados Unidos, devendo estar disponíveis no Brasil até o final desse ano. São inibidores da transcriptase reversa, isto é, têm a função de impedir a proliferação do vírus dentro das células infectadas.

Foi também apresentada no 12º Congresso a primeira tentativa de se usar uma terapia genética no tratamento de pacientes contaminados pelo HIV. A primeira fase do estudo, com gêmeos, nos Estados Unidos, demonstrou boa tolerância ao tratamento, cujo objetivo é adicionar um gene para produzir substâncias químicas próprias do organismo, alterando geneticamente uma célula e provocando melhor funcionamento do sistema imunológico dos pacientes.

Paralelamente a esses sucessos na luta contra a AIDS, muitos foram os motivos de preocupação. Um deles foi a identificação de um novo tipo de HIV transmissível e resistente às drogas mais potentes. Segundo os pesquisadores, a infecção pela cepa forte do vírus pode ser impossível de tratar.

Uma das constatações foi a de que, na maioria dos doentes, criam-se depósitos de vírus latentes desde o começo da infecção. Logo, se o paciente interrompe o tratamento ou não o segue da maneira prescrita, os linfócitos T-4, que são células de defesa infestadas pelo vírus em estado latente, passam a ser fontes potenciais do retorno da infecção. Esses reservatórios de HIV representam, portanto, um grande obstáculo ao controle e à eventual erradicação do vírus.

Segundo o cientista Irvin Chem, ele e sua equipe da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia descobriram que uma proteína de partículas do HIV latente também mata as células do sistema imunológico. Essa descoberta esclarece por que, mesmo com o coquetel de drogas, os pacientes custam tanto a se recuperar. Anteriormente, os cientistas partiam do princípio de que o HIV latente era inofensivo, “mas esses vírus, encontrados não no sangue, mas nas glândulas linfáticas, estão longe disso”, afirmou Chen.

A conseqüência é que o coquetel de drogas interrompe o processo desordenado de reprodução, mas não mata definitivamente o vírus.

Além disso, Srªs e Srs. Senadores, os efeitos colaterais do tratamento da AIDS, alguns ainda desconhecidos, também causam preocupações aos médicos e aos pacientes. Dentre eles, estão sendo objetos de estudos as altas taxas de colesterol, as mudanças metabólicas que aumentam os riscos de diabetes e a lipodistrofia - uma redistribuição de gorduras que acarreta emagrecimento do rosto, braços e pernas e acúmulo na barriga, pescoço e costas.

Tais efeitos colaterais assustam os infectados, sendo uma das causas de abandono das prescrições médicas em todo o mundo, assim como também em nosso País.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, conforme os dados apresentados pelo Ministério da Saúde, existem 128.821 casos de AIDS notificados no Brasil, embora se estime que existam 600 mil pessoas contaminadas com o vírus HIV e evidentemente não notificadas, ou que ainda não apresentam o sintoma da doença. Desde 1980 mais de 66 mil brasileiros morreram em conseqüência do ataque desse vírus. Entretanto, como desde 1994 o número de casos novos se estabilizou em 17 mil por ano, o documento AIDS in Brazil, divulgado em Genebra pelo Ministério da Saúde, calcula que a soma dos portadores do HIV que não manifestaram ainda a doença esteja abaixo, hoje, de 300 mil. Dados daquele relatório confirmam o avanço da epidemia entre jovens, mulheres, heterossexuais e pobres, grupos menos suscetíveis às campanhas de prevenção.

            No quadro mundial, o Brasil se situa entre os quatro países com maior número de doentes, em posição inferior apenas aos Estados Unidos, Quênia e França.

            Quero também ressaltar que o Brasil exportará seus programas de prevenção de AIDS para países da América Latina e da África. Em troca, receberá tecnologia e know-how de países como a Espanha e os Estados Unidos.

            Portanto, mesmo perante o quadro desolador da AIDS, pode-se afirmar que a 12ª Conferência Mundial trouxe um saldo positivo para nosso País, já que 20 acordos de cooperação foram fechados com os governos e instituições estrangeiras para o combate à doença. O Canadá, por exemplo, quer conhecer o trabalho brasileiro com os testes de carga viral, que medem a quantidade de vírus no organismo. Em troca, deve repassar tecnologia sob testes de medição do CD4, as células de defesa do organismo.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apesar das grandes dificuldades, nosso País, embora se situe no limite entre países ricos e pobres, tem um atendimento a soropositivos considerado um dos melhores do mundo. Isso é, pelo menos, o que ficou estabelecido naquela conferência.

O grande obstáculo se situa no controle de epidemia, acarretando o permanente risco de uma pandemia, o que ocorre quando o vírus foge ao controle e se generaliza.

É importante, porém, que se esclareça que, no mundo inteiro, apenas a França, o Brasil e o Canadá distribuem gratuitamente drogas retrovirais. Graças a elas, não se morre mais de AIDS em 6 meses ou 1 ano, como ocorria há até pouco tempo.

O aspecto mais trágico da epidemia no Brasil é a faixa etária onde a doença mais cresceu, entre 1994 e 1997; entre crianças de zero a um ano, ocorreu um aumento de 205%, segundo a ONG “Projeto Mundial para Órfãos” (Promundo). Esse crescimento está relacionado com a propagação cada vez maior da doença entre mulheres em idade fértil, de 15 a 49 anos, que foi de 202%, representando um quarto do total de casos registrados em nosso País.

Já existem mais de um milhão de crianças no mundo infectadas pelo vírus, ainda no estado fetal. No Brasil, 3.255 crianças foram contaminadas no ventre materno. De 1980 a 1998, pelo menos 41 crianças brasileiras, menores de 13 anos, morreram de AIDS.

Os pesquisadores, no entanto, admitiram em Genebra a possibilidade de que as novas drogas reduzam a quase zero (entre 1 e 2%) a possibilidade de as mulheres infectadas transmitirem a doença aos fetos.

Para muitos especialistas, entretanto, a única forma radical de conter o avanço do HIV será uma vacina. Até o momento, porém, os estudos têm provado que, com o tempo, o vírus debilitado pode sofrer mutações e provocar o mal que deveria combater. Apesar dos riscos, em março de 1999, um grupo de 30 brasileiros começará a testar duas novas vacinas contra a AIDS, juntamente com outros 60 latino-americanos.

Uma dessas vacinas já foi aplicada em 400 americanos e franceses, mas a reação ao medicamento depende evidentemente de fatores como nutrição e genética. A outra é semelhante a um medicamento já em teste nos Estados Unidos e na Tailândia.

Nenhuma vacina, contudo, chegará a tempo de salvar os oito milhões de crianças que perderam seus pais para a doença ou as mais de um milhão já infectadas.

Para o matemático Jorge Beloqui, soropositivo, professor da USP e membro de várias ONGs, cujo trabalho recebeu aplausos em Genebra, 700 mil mortes por AIDS poderiam ter sido evitadas, em 1997, em todo o mundo, se US$17 bilhões tivessem sido gastos com o coquetel de medicamentos. Como se vê, Sr. Presidente, o tratamento da AIDS é relativamente caro.

O total de custos do tratamento foi calculado pelo professor, a partir da redução da mortalidade em São Paulo com o uso do coquetel, que atingiu 30%. O Governo brasileiro despende R$600 milhões/ano com o tratamento de 60 mil pacientes que recebem de duas a três drogas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apesar da eficácia do coquetel de medicamentos, diversos outros problemas se delinearam na 12ª Conferência Mundial da AIDS e precisam ser atacados com urgência. Dentre elas, quero destacar a importância de um novo tipo de campanha de prevenção, mais direta e objetiva que as atuais. É indispensável e inadiável educar o portador de HIV, para que siga o tratamento da forma prescrita, da forma correta. Sem isso, ele estará desperdiçando o tratamento e fortalecendo a resistência do vírus.

É preciso, também, manter a população informada, por meio de rádio e TV, de forma simples e clara, quanto aos riscos que todos correm, para que não venhamos a assistir a eclosão de uma pandemia tão ou mais letal que uma guerra nuclear.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/08/1998 - Página 12924