Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DOS 50 ANOS DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS - OEA.

Autor
Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Mauro Miranda Soares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÃO DOS 50 ANOS DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS - OEA.
Publicação
Publicação no DSF de 08/04/1998 - Página 6085
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CINQUENTENARIO, FUNDAÇÃO, ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA), REGISTRO, ATUAÇÃO, ORGANISMO INTERNACIONAL, INTEGRAÇÃO, AMERICA, POSTERIORIDADE, SEGUNDA GUERRA MUNDIAL, PREVENÇÃO, CRESCIMENTO, SOCIALISMO.
  • DEBATE, AVALIAÇÃO, ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA), SITUAÇÃO, ALTERAÇÃO, POLITICA, IDEOLOGIA, MUNDO, ESPECIFICAÇÃO, GLOBALIZAÇÃO, ECONOMIA.
  • DEFESA, REFORMULAÇÃO, ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA), AUMENTO, ATUAÇÃO, PROMOÇÃO, DEMOCRACIA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, TELECOMUNICAÇÃO, COMERCIO, TURISMO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, EDUCAÇÃO, CIENCIA E TECNOLOGIA, COMBATE, SECA.

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB-GO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, Srs. Embaixadores e convidados, no momento em que a Organização dos Estados Americanos, a OEA, comemora seus cinqüenta anos de existência, a serem completados neste 30 de abril, temos a oportunidade mais que propícia para a análise de sua trajetória. O fato de ter esta Casa responsabilidades específicas quanto à política externa brasileira, e ainda levando-se em conta as atuais circunstâncias da política internacional, justifica plenamente o exame que estamos propondo.

Algumas questões preliminares devem ser suscitadas, de modo a bem orientar nosso debate. A primeira delas - que imagino ser a mais óbvia de todas - deve ser a seguinte: cinqüenta anos depois, tem a OEA cumprido o papel para o qual foi criada? Em que medida o dinamismo das relações internacionais pode ter tornado anacrônico um organismo que, constituído em plena efervescência da Guerra Fria, convive agora com uma realidade rigorosamente distinta? Estará a Organização preparada para afastar-se do viés essencialmente político-ideológico que presidiu sua criação e, nos dias de hoje, compreender as profundas implicações de uma economia altamente internacionalizada e competitiva?

Eis, a meu juízo, algumas das indagações mais pertinentes que precisam ser formuladas, debatidas e respondidas no instante em que comemoramos as cinco décadas de funcionamento da OEA. Exatamente por isso é que conclamo esta Casa a deter-se no exame de tema tão importante.

Sabemos todos que, ao se reunirem em Bogotá, os representantes de 21 Estados americanos para subscreverem a Carta da OEA, em 1948, estava sendo criada mais que uma organização internacional voltada para o esforço de estabelecer, entre as nações do continente, “uma ordem de paz e justiça, fomentar sua solidariedade, robustecer sua colaboração e defender sua soberania, sua integridade territorial e sua independência”.

De um lado, recuperava-se o ideal bolivariano do pan-americanismo, cuja primeira tentativa de concretização se deu no Congresso do Panamá, em 1826. Projetando-se no tempo, esse ideal volta a ser utilizado para embalar, em 1890, a Primeira Conferência Internacional Americana, da qual se originou o embrião da atual OEA, a União Internacional das Repúblicas Americanas, convertida em 1910 na União Pan-Americana.

Srªs. e Srs. Senadores, é impossível desvincular o ato de criação da OEA do quadro histórico que sobreveio à Segunda Guerra Mundial. Ao ser oficialmente instituída em 1948 - e apesar do resgate de uma retórica em que sobressaía o espírito de cooperação e de solidariedade continental, o sempre decantado pan-americanismo -, a OEA refletia a plena inserção do continente na nova realidade da Guerra Fria. Não é coincidência o fato de ter sido criada no momento em que o confronto americano-soviético começava a se intensificar. Atestam isso, entre outros episódios de elevada carga de dramaticidade e tensão, a crise de Berlim, o início da aplicação do plano norte-americano de recuperação européia - que excluía da ajuda financeira os países do Leste - e a previsível vitória de Mao Tsé Tung na China.

Há consenso entre os especialistas de que, naquelas circunstâncias, os Estados Unidos, como país-líder do bloco capitalista, usariam fórmulas políticas e jurídicas para garantir a integral solidariedade dos Estados americanos ao seu intento de impedir o avanço do bloco socialista. Nessa perspectiva, a América Latina deveria ser vista como área estratégica e, por isso, seria impensável qualquer deslize que a aproximasse da União Soviética.

Sob o ponto de vista material, ou seja, em termos objetivamente econômicos, a preservação ideológica do continente também poderia significar a manutenção de um amplo mercado fornecedor de produtos primários e consumidor de bens industrializados, além da área adequada aos investimentos do grande capital internacional, fundamentalmente norte-americanos.

O caráter ideológico do processo de criação da OEA, também presente de forma nítida em suas duas décadas iniciais, pode ser comprovado ao se examinar os temários das Reuniões de Consulta de Ministros das Relações Exteriores, sempre convocadas em casos de emergência para fixar ou executar políticas, ao longo dos anos 50 e 60. É quando a Guerra Fria dá o tom dos debates, sobretudo a partir da Revolução Cubana, seguramente a causa da mais emblemática crise de contorno ideológico que o pós-guerra conheceu em terras americanas.

Exemplos não faltam a esse respeito. A Quarta Reunião de Consulta, realizada em Washington, em 1951, teve na Guerra da Coréia sua motivação. A Quinta, ocorrida em Santiago, em 1959, foi convocada exatamente para debater a tensão existente na região caribenha, tendo por foco a Revolução Cubana. Aliás, a chamada “Questão Cubana” ocupou as atenções em muitas outras Reuniões: a Oitava, de 1962, em Punta del Este, que acabou por excluir Cuba do sistema interamericano; a Nona, em 1964, sediada em Washington, condenando Cuba por sua intervenção na Venezuela e conclamando os Estados americanos a romperem relações diplomáticas e comerciais com o regime de Fidel Castro; em1967, ainda na Capital dos Estados Unidos, a Décima-Segunda Reunião condenou a “guerrilha cubana na Venezuela, Bolívia e outros Estados americanos”, reafirmando o embargo comercial.

Vale lembrar, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, que, na medida em que a distensão nas relações Leste/Oeste avança, a OEA foi diluindo a importância conferida à “Questão Cubana”. A partir de meados da década de 1970, as Reuniões de Consulta vão refletindo essa nova realidade. Em 1974, por exemplo, na Reunião de Quito, a Colômbia, a Costa Rica e a Venezuela propuseram a revogação de todas as sanções contra Cuba, o que não se conseguiu apenas em função da exigência de 2/3 dos votos. Mas, no ano seguinte, em San José, a Décima-Sexta Reunião decidiu por liberar os Estados participantes do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca para que normalizassem suas relações com Cuba.

Ultrapassada essa fase da história, talvez devêssemos perguntar-nos o que pode fazer a OEA no sentido de responder aos desafios de outra natureza. Em primeiro lugar, a certeza de que o estágio atual do desenvolvimento econômico exige um esforço muito significativo para a superação das desigualdades mais flagrantes, que, no interior dos países latino-americanos, teimam em continuar existindo, dificultando ou mesmo inviabilizando sua inserção na economia mundial.

Se é verdade que a formação de blocos regionais - de que o Mercosul é um bom exemplo - mostra-se como alternativa viável a essa inserção, não menos verdadeira é a necessidade de uma ação continental conjunta que nivele as economias locais, reduza as diferenças internas e estimule a melhoria dos padrões sociais de seus povos, a começar pela educação. Penso que a OEA possa atuar nessas frentes, utilizando-se de instituições já existentes, ampliando seu campo de ação e, se for o caso, criando novos mecanismos e áreas de trabalho.

Destaco, a propósito, o fato de a OEA abrigar em sua estrutura funcional setores técnicos que podem e devem ter uma atuação mais expressiva. Refiro-me especialmente aos órgãos voltados para a promoção da democracia, o desenvolvimento sustentado do meio ambiente, o controle do abuso de drogas, as telecomunicações, o comércio, o turismo, o desenvolvimento social, a educação, a ciência e a tecnologia. Especificamente em relação às condições vigentes do comércio internacional, a OEA tem procurado redefinir suas prioridades, em consonância com as decisões emanadas da Cúpula das Américas, realizada em 1994, quando foram debatidas teses da maior importância, inclusive a de criação da Área de Livre Comércio das Américas, a ALCA.

Creio que a OEA, reordenando-se e se adaptando aos novos tempos, possa vir a desempenhar importante papel na reconfiguração do continente americano. Para tanto, muito há que ser feito: do financiamento de seu trabalho, que é hoje uma questão crucial, similar àquela que se abate sobre a ONU, passando pela clara definição de seu campo de atuação técnica, e chegando até mesmo ao questionamento da sede fixa em Washington, tão próxima dos desígnios e interesses norte-americanos. Existe, enfim, uma infinidade de questões que devem ser discutidas.

O certo é que, aos cinqüenta anos, a OEA encontra-se num momento de definição, sabendo não restar qualquer justificativa para a subsistência dos princípios que nortearam sua criação e balizaram suas primeiras décadas. Talvez tenhamos chegado ao ponto de organização, abrindo mão da retórica vazia de conteúdo, de conseguir recuperar o ideal pan-americano de Bolívar, acoplando-o às exigências de cidadania e de desenvolvimento que caracterizam este final de século.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/04/1998 - Página 6085