Discurso no Senado Federal

ABORDAGEM SOBRE OS ASPECTOS POSITIVOS DA REFORMA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E, EM PARTICULAR, DO ENSINO TECNICO.

Autor
João Rocha (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: João da Rocha Ribeiro Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • ABORDAGEM SOBRE OS ASPECTOS POSITIVOS DA REFORMA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E, EM PARTICULAR, DO ENSINO TECNICO.
Publicação
Publicação no DSF de 21/11/1998 - Página 16456
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, IMPORTANCIA, EDUCAÇÃO TECNICA, ATUALIDADE, ADAPTAÇÃO, ALTERAÇÃO, MERCADO DE TRABALHO.
  • ELOGIO, REFORMULAÇÃO, EDUCAÇÃO TECNICA, ENSINO PROFISSIONALIZANTE, INICIATIVA, GOVERNO FEDERAL, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC).
  • ANALISE, PROGRAMA, IMPLANTAÇÃO, PROJETO, REFORMULAÇÃO, ENSINO PROFISSIONALIZANTE, EDUCAÇÃO TECNICA.

O SR. JOÃO ROCHA (PFL-TO. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, recentemente, proferi desta tribuna pronunciamento em que comentei alguns dos avanços mais significativos assegurados pela administração do Presidente Fernando Henrique na área educacional, em seu primeiro mandato.

           Volto, hoje, à tribuna para - como anunciei que faria - retornar ao tema da educação, abordando, desta feita, aspectos referentes à importantíssima questão da Educação Profissional, de grande atualidade neste momento de dramáticas alterações no mundo do trabalho.

           Em meu pronunciamento anterior, afirmei que os avanços concretizados ao longo dos últimos quatro anos no campo educacional vieram em muito boa hora, pois o Brasil acumula um grande atraso histórico nessa área, sendo urgente, agora, empreender um esforço concentrado para nos colocarmos em dia com as tendências internacionais e as exigências do tempo presente. Aduzi, ainda, que o atraso mencionado não está refletido, apenas, nas frias estatísticas que revelam os baixíssimos índices de escolarização, os índices ainda elevados de analfabetismo entre a população adulta ou as assustadoras taxas de repetência e de evasão escolar. O atraso aparece, também, no quadro mais geral de obsolescência, de arcaísmo que assombra há muito nosso sistema educacional e que só agora - graças aos esforços do atual Governo e às novas diretrizes estabelecidas pelo Congresso Nacional na LDB - dá os primeiros sinais de que haverá de ser superado.

           Apontei, por fim, que a superação do atraso implicará uma dura batalha, pois redirecionar nossas políticas educacionais exigirá um processo amplo de mudança de mentalidade, atingindo não apenas as autoridades da área, mas o conjunto da população brasileira.

           O caso da Educação Profissional e, em particular, do Ensino Técnico é bastante ilustrativo das idéias arcaicas acerca do processo educacional que, desde muito tempo, imperam no Brasil. Ao longo de décadas e décadas, por conta de uma mentalidade bacharelesca, primária e retrógrada, própria de países de terceiro mundo, esse tipo de educação nunca recebeu a atenção merecida e necessária. Em todo o Brasil, é flagrante a escassez de estabelecimentos de ensino técnico. O resultado é que, frente à falta de opção para fazer um curso técnico profissionalizante, milhares de jovens, embora não vocacionados para isso, são levados a fazer um curso universitário. Assim, a cada ano, milhares se bacharelam apenas para se verem inseridos em um mercado de trabalho saturado, que não tem condições de absorvê-los na área cursada.

           Essa mentalidade que valoriza de modo exacerbado o curso superior, em detrimento da formação técnica, corresponde, como já afirmamos, a um atraso estrutural, próprio de países de terceiro mundo. Ao longo dos anos, por pressão da própria sociedade, bem como por omissão do Governo em dar maior atenção ao Ensino Profissionalizante, a oferta de Ensino Superior aumentou em proporção muito maior do que a oferta de Ensino Técnico. O que conseguimos, com essa política estreita e tacanha, foi acumular um inestimável contingente de profissionais de nível superior mediocrizados por falta de vocação, enquanto temos carência de técnicos em quase todas as áreas profissionais.

           Ora, nem todos são obrigados a galgar bacharelato. O importante é que se tenha, isto sim, profissionais verdadeiramente vocacionados, profissionais de qualidade, quer bacharéis, quer técnicos de nível médio.

           Urge, portanto, fomentar os cursos técnicos e, o que é ainda mais importante, redirecionar as políticas e iniciativas governamentais nessa área. Numa etapa posterior, é provável que venham a ser necessárias, também, ações de conscientização da opinião pública, alertando-a para a importância dos profissionais de nível médio para a economia da Nação e informando-a de que esses profissionais serão mais valorizados pelo Governo.

           Felizmente, as mudanças já começam a surgir. Fortes evidências estão vindo à tona no sentido de que os diversos setores envolvidos com os rumos da educação no País passam a reconhecer o papel e a importância da Educação Profissional. A primeira e mais forte dessas evidências é a inserção, na nova LDB, de um capítulo próprio relativo a essa modalidade de educação. Trata-se, com efeito, da primeira vez em que a lei geral da educação brasileira contempla um capítulo específico sobre Educação Profissional.

           Além do reconhecimento explícito da relevância da Educação Profissional na nova LDB, é também muito alvissareiro o enfoque que a ela foi dado naquele diploma legal. Refletindo uma concepção moderna e ampla, a nova LDB preceitua que a Educação Profissional integre-se e articule-se às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia e conduza ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva. Preconiza, ainda, a oferta de Educação Profissional a jovens e adultos, trabalhadores em geral, tendo como referência a Educação Regular - Ensino Fundamental, Médio e Superior - ou, de forma mais livre e circunstancialmente necessária, sem qualquer condicionamento em relação à escolaridade.

           Ora, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sabemos todos que a nova realidade da economia e do mundo do trabalho em nível mundial exige, cada vez mais, do cidadão que pretende disputar um posto de trabalho, uma sólida qualificação profissional. Mais do que isso, exige um esforço permanente de atualização, por meio de programas de qualificação e de educação continuada. Afinal, as inovações tecnológicas e as mudanças na organização da produção provocam profundas e rápidas alterações na vida profissional dos indivíduos.

           Essa conjuntura exige que se priorize decididamente a Educação Básica - Fundamental e Média -, evidência muito bem percebida pelo Governo do Presidente Fernando Henrique, que não tem medido esforços para a universalização e a melhoria da qualidade nesses níveis de ensino. Esses devem ser, sem dúvida alguma, os principais objetivos educacionais do País para a próxima década, se pretendemos manter e ampliar nossos espaços na economia mundial, único caminho para melhorar o padrão e a qualidade de vida de nossa população. A valorização da Educação Básica, no entanto, não significa, de maneira alguma, redução da importância da Educação Profissional. Ao contrário, uma Educação Profissional de qualidade, respaldada em Educação Básica de qualidade, constitui a chave do êxito de sociedades desenvolvidas.

           Nesse sentido, a Reforma da Educação Profissional promovida após a edição da nova LDB deu um notável passo à frente, ao separar a formação profissional e o ensino acadêmico em nível médio, fazendo com que o Ensino Técnico complemente o Ensino Médio, ao invés de substituí-lo.

           De fato, a desvinculação entre a formação profissional e o ensino acadêmico de nível médio constitui uma das medidas mais felizes, acertadas e oportunas da Reforma, representando fundamento essencial para a flexibilização e a democratização do acesso à Educação Profissional, linhas mestras definidas pelo Governo Fernando Henrique para sua política no tocante a essa modalidade de educação.

           É que, com essa desvinculação, será corrigida uma grave distorção. Hoje, metade dos alunos de escolas técnicas federais - geralmente os de maior poder aquisitivo - aproveitam o bom nível dos cursos para prestar vestibular, quando o objetivo do Ensino Técnico é tornar a pessoa capaz de ingressar no mercado de trabalho. Agora, quem estiver interessado em curso superior não precisará seguir a parte técnica do curso. Com isso, abrir-se-ão muitas vagas para aqueles que, efetivamente, têm necessidade de se profissionalizar. Na verdade, a determinação do MEC às instituições federais de educação tecnológica, contida na Portaria n.º 646, é de que o incremento de vagas, em relação àquelas oferecidas em 1997, seja de, no mínimo, 50% no período de até 5 anos.

           A partir da Reforma, o acesso às escolas técnicas fica aberto, também, aos alunos vindos de outras escolas de nível médio, bem como àqueles que obtiveram diploma dessa etapa fazendo o supletivo. A possibilidade de o aluno cursar primeiro o Ensino Médio e depois o curso técnico coaduna-se com a tendência internacional de formar técnicos com sólida base de formação geral. No entanto, a busca do aluno pelo curso técnico pode derivar de uma necessidade mais premente de inserção no mercado de trabalho, por esse motivo, permanece a possibilidade de se cursar o Ensino Médio e o Técnico de forma concomitante. Concomitante, porém autônoma, é bom sempre ressaltar.

           Mas a desvinculação em relação ao Ensino Médio não é, de forma alguma, a única inovação positiva introduzida pela Reforma da Educação Profissional. A opção pela modularização dos cursos técnicos tem também grande importância, pois garante a pretendida flexibilidade, já que o aluno poderá, após a conclusão de um ou mais módulos, buscar o mercado de trabalho, retornando à escola, para dar continuidade à sua formação, no momento que lhe for mais oportuno.

           Outros itens extremamente positivos dessa Reforma são a previsão de implantação, nas escolas técnicas federais, de cursos básicos destinados à qualificação de trabalhadores, independentemente do seu nível de escolaridade, e, na outra ponta, a criação da Educação Profissional de Nível Tecnológico, consistente em cursos de nível superior que conferirão diploma de Tecnólogo, e que são destinados a egressos do Ensino Médio e Técnico.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estou convencido de que realmente foram abertas as portas de um novo tempo para a Educação Profissional e Técnica neste País. As mudanças na legislação abrem de fato caminho para a ampliação das oportunidades e para a flexibilização dessa modalidade de ensino.

           A organização dos currículos em módulos correspondentes a profissões no mercado de trabalho - cada um deles agrupando um conjunto de disciplinas - permite que cada módulo tenha caráter de terminalidade para efeito de qualificação profissional, dando direito ao correspondente certificado de qualificação profissional. Assim, o aluno de um determinado curso técnico vai somando diversas qualificações - as quais podem, por si sós, dar-lhe acesso desde logo ao mercado de trabalho - até obter sua habilitação como técnico de nível médio. Além disso, os módulos cursados em uma habilitação específica poderão ser aproveitados para obtenção de habilitação diversa, da mesma forma que os módulos cursados em uma instituição poderão ser aproveitados em outra. Evidentemente, a expedição do diploma de técnico de nível médio exige, além da conclusão dos diversos módulos previstos para aquela habilitação, também a prévia ou concomitante conclusão do Ensino Médio. Cumpre lembrar ainda, em relação à modularização, que ela é uma estratégia praticada em vários países e estimulada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).

           Também pela primeira vez, o sistema educacional passa a reconhecer formalmente o conhecimento adquirido de maneira não-formal, seja no trabalho, seja pelo estudo autodidata ou de qualquer outra forma. A LDB prevê, no artigo 41, que “O conhecimento adquirido na educação profissional, inclusive no trabalho, poderá ser objeto de avaliação, reconhecimento e certificação para prosseguimento ou conclusão de estudos.”

           Isso significa que um trabalhador pode procurar uma instituição federal ou estadual de ensino para submeter-se a um exame e, nele sendo bem sucedido, receber um certificado de competência. Esse certificado de competência servirá para dispensá-lo de cursar disciplinas ou módulos em cursos de habilitação do ensino técnico. Mas caso esse trabalhador obtenha todo o conjunto de certificados de competência equivalente a todas as disciplinas e módulos que integram uma habilitação profissional, ele terá direito ao diploma correspondente de técnico de nível médio.

           A certificação de competências, um mecanismo já adotado em outros países, constitui mais um instrumento para a democratização e a flexibilização da Educação Profissional, em todos os seus níveis, sendo, ademais, coerente com a política nacional de qualidade, produtividade e competitividade. Afinal, não é cabível nos dias atuais a postura de desconsideração pelas habilidades, conhecimentos e competências adquiridas por qualquer pessoa por meio de estudos não-formais ou no próprio trabalho. É preciso superar o preconceito e o flagrante desperdício de não valorizar a experiência profissional e o autodidatismo, que não têm recebido, até hoje, a atenção que merecem. Trata-se de um potencial humano que tem permanecido oculto e que precisa ser adequadamente identificado, avaliado, reconhecido, aproveitado e certificado. Pelo mecanismo da certificação, abrem-se possibilidades de qualificação inicial e seqüencial, bem como de requalificação e atualização de trabalhadores, empregados ou não. Essa formalização simples e ágil é necessária até mesmo para reincorporar cidadãos que se encontram à margem de um processo sistemático de educação profissional.

           Ao mesmo tempo em que se preocupou em dar maior flexibilidade ao Ensino Técnico, adotando medidas como a modularização e a certificação de competências, a Reforma da Educação Profissional teve também a louvável preocupação de sintonizar intimamente o Ensino Técnico ao mercado de trabalho e aos avanços tecnológicos. Assim, os instrumentos legislativos complementares à LDB que consubstanciam a Reforma da Educação Profissional, o Decreto n.º 2.208 e a Portaria n.º 646, determinam, por exemplo, que a elaboração das diretrizes curriculares para o Ensino Técnico deverá estar embasada em estudos de identificação do perfil de competências necessárias à atividade requerida, ouvidos os setores interessados, inclusive trabalhadores e empregadores; e que a oferta de cursos de nível técnico e de qualificação, requalificação e reprofissionalização de jovens, adultos e trabalhadores em geral será feita de acordo com as demandas identificadas junto aos setores produtivos, sindicatos de trabalhadores e sindicatos patronais, bem como junto a órgãos de desenvolvimento econômico e social dos Governos Estaduais e Municipais.

           Dentro desse mesmo espírito de aproximar o Ensino Técnico da realidade do mundo do trabalho, a Reforma determina que as disciplinas do currículo do Ensino Técnico serão ministradas por professores, instrutores e monitores selecionados, principalmente, em função de sua experiência profissional, os quais deverão ser preparados para o magistério, previamente ou em serviço, por meio de cursos regulares de licenciatura ou de programas especiais de formação pedagógica.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, já tive oportunidade, neste pronunciamento, de mencionar a flagrante escassez de estabelecimentos de ensino técnico em nosso País. Expressei, também, minha convicção quanto à necessidade e à urgência de se fomentar essa modalidade de ensino.

           Com efeito, o Sistema Nacional de Educação Tecnológica está subdimensionado em relação ao tamanho de nossa População Economicamente Ativa (PEA).

           A Rede Federal de Educação, que atende hoje cerca de 160 mil alunos, é composta por 5 Centros Federais de Educação Tecnológica e suas 6 Unidades Descentralizadas (UNEDs), por 19 Escolas Técnicas Federais e suas 17 UNEDs, e por 46 Escolas Agrotécnicas Federais e suas 17 UNEDs. As Escolas Técnicas Federais estão localizadas em grande parte nas Capitais dos Estados e atendem aos setores industrial e de serviços. As Agrotécnicas estão localizadas, em sua grande maioria, na área rural, e oferecem cursos nos setores de agropecuária, agroindústria, zootecnia e infra-estrutura rural. As Unidades de Ensino Descentralizadas (UNEDs) localizam-se em cidades do interior e funcionam como um prolongamento de suas matrizes, às quais estão subordinadas.

           Além da Rede Federal, há também as Redes de Escolas Técnicas, Agrotécnicas e Centros de Educação Tecnológica dos Estados, Municípios, do Distrito Federal e do setor privado. Esse conjunto engloba cerca de 500 escolas e oferece quase 2 milhões de matrículas. Por fim, o País conta com a Rede de Serviços Nacionais de Aprendizagem, o conhecido Sistema “S”, compreendendo o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), o Serviço Nacional de Aprendizagem de Transportes (SENAT) e o Serviço Brasileiro de Apoio à Pequena e Média Empresa (SEBRAE). O Sistema “S”, em suas 1 mil e 600 unidades, oferece anualmente um total de 4 milhões e 800 mil matrículas.

           Pois bem. A soma desses números revela que todo o Sistema Nacional de Educação Tecnológica, englobando todas essas Redes, não chega a oferecer 7 milhões de matrículas à população brasileira. Trata-se, com efeito, de uma reduzida oferta anual de matrículas no campo da Educação Profissional, pois estamos atendendo a menos de 9% da População Economicamente Ativa (PEA) do País. Esse índice nos coloca bem na retaguarda dos países do Mercosul e muito distantes de países paradigmáticos em desenvolvimento sócio-econômico, como é o caso das nações da Europa Ocidental, da América do Norte e do Japão. Nesses países, a oferta anual de educação profissional chega a 20% da PEA. Mesmo na América Latina, países como Argentina e Chile asseguram oferta de educação profissional, anualmente, a 18% da PEA.

           Não menos grave é a constatação de que a PEA brasileira não atinge 4 anos de estudo - não estamos falando de anos de escolaridade, mas de anos de estudo! - e, ainda, abriga cerca de 20% de analfabetos funcionais.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, foi justamente a partir da constatação dessa situação de nítida desvantagem em que o Brasil se encontra em termos de oferta de educação profissional que o Governo do Presidente Fernando Henrique deslanchou seu projeto de Reforma para o setor, buscando, em primeiro lugar, democratizar o acesso a essa forma de educação, pela ampliação da oferta.

           A análise do quadro realizada no início do atual mandato concluiu que o sistema formal de Educação Profissional no Brasil estava submetido a uma legislação rígida e a uma organização pouco flexível. Historicamente, as diretrizes legais na área da Educação Profissional apresentavam-se divorciadas das políticas de desenvolvimento econômico e tecnológico do País, das políticas sociais voltadas para o trabalho produtivo e para a geração de renda e de estratégias que fecundassem parcerias e integração.

           De resto, o modelo vigente de oferta de vagas na Educação Profissional contribuía para aprofundar as desigualdades sociais à medida que se mostrava impermeável à diversidade sócio-econômica e cultural do País. Afinal, considerada a grande variedade que caracteriza o Brasil, ao longo de seu vasto território, por que nossas escolas devem oferecer os mesmos cursos, com os mesmos currículos, o mesmo tipo de estágio e o mesmo sistema de avaliação? Por que nossas escolas fazem tanta questão de se parecerem umas com as outras? A verdade é que a cultura escolar brasileira, cimentada num certo mimetismo institucional, contribui para a “pasteurização” da educação. Com isso, o Ensino Profissionalizante distanciava-se crescentemente da realidade do mundo do trabalho, que apresenta grandes variações de acordo com as características sócio-econômicas de cada região brasileira.

           Em 1995 já estava bastante claro, também, que a nova configuração imposta pela ordem econômica mundial caracteriza-se pela rapidez na substituição de tecnologias de produção. Em conseqüência, exige do Brasil igual rapidez e agilidade na adequação das políticas de formação de recursos humanos, como resposta às mudanças decorrentes da reestruturação produtiva. Tal como estava nossa Educação Profissional, exigia-se uma rápida e radical reversão de sua concepção e de seu formato organizacional, além da detonação de um esforço convergente para desestatizar as operações em seu âmbito. Afinal, a amplitude das questões referentes à qualificação, profissionalização, reprofissionalização e colocação de mão-de-obra requer ações de tal magnitude que não podem mais ser empreendidas pelo Poder Público ou pela Sociedade isoladamente. Requer-se, portanto, uma ampla articulação envolvendo os setores público e privado.

           Outro dado relevante indicado pela nova conjuntura econômica mundial é que a empregabilidade, foco da Educação Profissional, deve ser entendida não apenas como a capacidade de se obter um emprego, mas, também, como a capacidade de se manter em um mercado de trabalho em constante mutação.

           A partir desse diagnóstico, o Governo definiu os seguintes princípios para embasar a Reforma a ser implantada: democratização, flexibilidade, intensidade e qualidade. Por democratização, deve-se entender o esforço por ampliar a oferta de Educação Profissional, o que começa por retirá-la da moldura do ensino regular. Flexibilidade significa organizar a Educação Profissional de modo que ela seja capaz de atender a caleidoscópica diversidade do nível educacional de sua clientela, que sua oferta esteja sintonizada com o estágio de desenvolvimento das várias regiões do País e que ela responda agilmente às demandas específicas do setor produtivo. O princípio denominado intensidade refere-se à opção por centrar a aprendizagem mais no domínio qualitativo de um núcleo de material, do que na cobertura quantitativa extensa. O princípio da qualidade, por fim, implica a determinação de construir o resultado educativo dentro de uma visão dinâmica que envolve processos e padrões historicamente delineados.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, definidos esses quatro princípios, a legislação da Reforma da Educação Profissional - Decreto n.º 2.208/97 e Portaria n.º 646/97 - desenhou as características da nova Educação Profissional do País.

           Agora, a Educação Profissional tem formato curricular autônomo e, portanto, descolado do Ensino Médio, sendo complementar à Educação Básica. Sua finalidade é o desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva, devendo incluir modalidades diferenciadas de oferta e podendo ser desenvolvida em articulação com o ensino regular ou mediante estratégias de educação continuada.

           Com a Reforma, a Educação Profissional passa a compreender três níveis explicitamente definidos: o Nível Básico, destinado à qualificação e requalificação de trabalhadores, independentemente de seu nível de escolaridade; o Nível Técnico, voltado para a Habilitação Profissional de alunos matriculados no nível médio do ensino regular ou dele egressos; e o Nível Tecnológico, oferecendo formação de nível superior na área tecnológica.

           Os currículos plenos dos cursos técnicos deverão ter formulação flexível, mediante a utilização do instrumento da modularização, mecanismo que permitirá saídas e entradas intermediárias. Adotar-se-á, outrossim, o mecanismo da Certificação de Competência em nível intermediário.

           A Educação Profissional fará permanente rastreamento do setor produtivo objetivando redefinição contínua de cursos e de currículos. Paralelamente, será assegurada a participação de empresários e de trabalhadores nos Conselhos de Administração de toda a Rede Federal de Ensino Técnico.

           Os Sistemas Públicos Estaduais e Municipais de Educação Profissional passarão, também, por um processo de reordenamento, enquanto que as Instituições Federais de Educação Tecnológica serão transformadas em Centros de Referência para os diferentes subsistemas de Educação Profissional. Por fim, mas não com menor importância, buscar-se-á a expansão da oferta de Educação Profissional por meio do chamado segmento comunitário.

           Mas definir novas características, ajustadas à realidade do tempo presente, para a Educação Profissional não era suficiente. Era igualmente importante garantir os meios financeiros necessários à implementação da Reforma definida. Para isso, o Governo Fernando Henrique criou o Programa de Reforma da Educação Profissional - PROEP, que contará, em um primeiro momento, com recursos da ordem de 500 milhões de dólares, metade dessa quantia originária de dotações orçamentárias do Governo Federal - sendo 25% recursos do MEC e 25% recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) do Ministério do Trabalho - e os 50% restantes provenientes de empréstimos do Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID.

           Os recursos do PROEP serão destinados à reestruturação das Instituições Federais de Educação Tecnológica, ao reordenamento dos sistemas estaduais de Educação Profissional e à expansão da oferta de Educação Profissional via segmento comunitário. A utilização desses recursos, associada à criação e implementação de uma ampla rede de parcerias entre os setores público e privado, deverá resultar em um incremento de oferta de Educação Profissional no País, chegando a 18% da PEA brasileira nos próximos quatro anos, o que significa a duplicação da oferta em relação ao índice atual.

           O Programa de Expansão da Educação Profissional - PROEP está estruturado em três subprogramas. O primeiro é destinado a apoiar a transformação das Instituições Federais de Educação Tecnológica - aí englobados os Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs), as Escolas Técnicas Federais (ETFs) e as Escolas Agrotécnicas Federais (EAFs) - em centros de referência para o desenvolvimento da educação profissional no País.

           A configuração da rede federal no território nacional, cerca de duas unidades em cada Estado, favorece sua utilização como centros de ensaio, pesquisa e estudo relacionados com trabalho, emprego e educação, para que possam irradiar seus conhecimentos e experiências às redes estaduais, municipais e privadas, vindo a se constituir em verdadeiros Centros de Referências. Para isso, o PROEP financiará obras de ampliação, aquisição de equipamentos, capacitação de professores, introdução de novos modelos de gestão escolar e desenvolvimento técnico-pedagógico nas escolas da Rede Federal.

           O segundo subprograma do PROEP visa a criar condições para a reestruturação do subsistema de Educação Profissional dos Estados, pretendendo, também, enfatizar a compatibilização da oferta com as reais demandas do mercado de trabalho. O objetivo da reestruturação pretendida é fortalecer institucional e tecnicamente o sistema estadual, mediante a ampliação da oferta e diversificação de cursos, a qualificação de docentes, a modernização das metodologias de ensino, das instalações físicas e dos equipamentos.

           O terceiro subprograma, talvez o mais importante, volta-se para apoiar a expansão do segmento comunitário. No âmbito do PROEP, o segmento comunitário é constituído pelo conjunto de entidades representativas da sociedade civil organizada que atuam ou pretendem atuar na área da Educação Profissional, tais como sindicatos patronais ou de empregados, organizações não-governamentais, instituições privadas sem fins lucrativos, entidades filantrópicas. Em caráter preferencial, o PROEP prevê a articulação dessas entidades em parcerias, com ou sem participação do Poder Público. Para efeitos do PROEP, as Prefeituras Municipais também fazem parte do segmento comunitário.

           O PROEP considera o segmento comunitário, ao lado do sistema estadual, como o principal veículo de expansão da rede de escolas ou centros voltados para a Educação Profissional no País. Para estimular essa expansão, o PROEP investirá recursos seus na construção, implantação, reforma ou ampliação de escolas ou centros de Educação Profissional reivindicados por entidades do segmento comunitário, isoladamente, ou em parceria com outras instituições. Esses recursos do PROEP serão destinados a infra-estrutura, gestão da Educação Profissional, desenvolvimento técnico-pedagógico e capacitação de recursos humanos.

           A idéia é que o Governo Federal, através do PROEP, construa e equipe essas escolas comunitárias, financie a implementação de todo o sistema de gestão escolar e o desenvolvimento de todo o projeto técnico-pedagógico, treine o corpo docente, os gestores e o pessoal administrativo. A contrapartida exigida das entidades que reivindicaram a escola será o oferecimento do terreno onde ela será implantada, a responsabilidade por todas as despesas de custeio, incluindo manutenção e operação da escola, e, finalmente, a demonstração da existência de articulação da escola com a comunidade e o setor produtivo local.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como já afirmei, é flagrante a escassez de estabelecimentos de Ensino Técnico em nosso País. É também evidente que, para ampliarmos a oferta de vagas nessa modalidade de ensino na proporção exigida pela dimensão de nossa População Economicamente Ativa, a amplitude dos esforços exigidos é tal que o Poder Público, isoladamente, não os poderá empreender. É indispensável, portanto, - nessa, como em tantas outras questões econômicas e sociais - a conjugação de esforços, mediante o estabelecimento de parcerias entre o Estado e a Sociedade. O PROEP, por meio de seu subprograma de expansão e atendimento do segmento comunitário, concretiza de maneira brilhante essa proposta de parceria entre o Setor Público e o Setor Privado para a ampliação e a melhoria da Educação Profissional. Com efeito, o segmento comunitário é o melhor e mais viável caminho para o aumento da oferta de vagas em Educação Profissional.

           Em meu Estado do Tocantins, por exemplo, é também premente a necessidade de ampliar as oportunidades de acesso à Educação Profissional. A presença da Rede Federal resume-se a um único estabelecimento, a Escola Agrotécnica Federal de Araguatins, que acolhe 345 alunos em seu curso de agropecuária. Para o próximo ano, está prevista a implantação dos cursos de zootecnia, agricultura e agroindústria. Na Capital, Palmas, há um prédio integralmente construído e equipado, destinado à instalação de uma Escola Técnica, que, até hoje, não foi implementada. Na conformidade da nova sistemática implantada pela Reforma da Educação Profissional, o Governo Federal está à procura de parceiros que assumam a manutenção e operação do estabelecimento. De minha parte, espero que essa parceria se concretize brevemente, para que os jovens de Tocantins possam contar com mais essa opção para obter uma habilitação profissional.

           É opinião generalizada entre os estudiosos que o próximo século vai sacramentar a morte do emprego, mas vai diversificar a vida do trabalho.

           Essa nova conjuntura econômica exige, cada vez mais, uma força de trabalho com alto nível educacional, em permanente processo de requalificação, com alta capacidade de aprender e inovar. O Governo do Presidente Fernando Henrique demonstrou ter percebido muito bem essa realidade ao promover uma Reforma da Educação Profissional que se preocupa não apenas em ampliar a oferta dessa modalidade de ensino, mas, também, em flexibilizá-la, de modo que ela possa atender a uma clientela detentora dos mais variados níveis educacionais e possa estar em íntima sintonia com as demandas do setor produtivo e com o estágio de desenvolvimento de cada região do País.

           Agora, a Educação Profissional, mesmo nas Escolas Técnicas e Agrotécnicas Federais, não é mais exclusividade dos jovens que cursam o Ensino Médio. Também o aluno matriculado no Ensino Fundamental e no Ensino Superior, bem como o trabalhador em geral, jovem ou adulto, contará com a possibilidade de acesso à Educação Profissional. Na verdade, o Ensino Profissionalizante está aberto a todos, pois a lei determina que as escolas técnicas e profissionais, além dos seus cursos regulares, oferecerão também cursos especiais, abertos à comunidade, nos quais a matrícula estará condicionada, não necessariamente ao nível de escolaridade, mas sim à capacidade de aproveitamento.

           Acertou também o Governo Fernando Henrique ao instituir um Programa próprio - o PROEP -, dotado dos necessários recursos financeiros, para viabilizar a implantação da Reforma da Educação

           Profissional. Ao apostar na desestatização das operações no âmbito da Educação Profissional, ao apostar no segmento comunitário como canal preferencial para a expansão da oferta de vagas, o PROEP mostra estar sintonizado com a realidade dos dias que correm. Esse é, com efeito, o único caminho viável para darmos a nossa População Economicamente Ativa o atendimento de que ela necessita em termos de Educação Profissional.

           Sr. Presidente, a administração Fernando Henrique definiu acertadamente novos rumos para a Educação Profissional do Brasil, ajustando-a à realidade do tempo presente e abrindo caminho para duplicar sua oferta. Importa, agora, garantir que a Reforma seja plenamente implementada, para que possamos superar nossas antigas deficiências no setor, garantindo a nossos jovens, a nossos trabalhadores de todas as idades a chance de se qualificarem e requalificarem adequadamente para poderem obter e manter colocações no mercado de trabalho.

           Essa é uma tarefa da maior importância para o futuro da Nação, para nosso desenvolvimento econômico e para a melhoria da qualidade de vida de nossa população. Afinal, uma força de trabalho bem educada e bem treinada será o mais relevante diferencial econômico entre as nações no novo século que se avizinha.

           Era o que eu tinha a dizer.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/11/1998 - Página 16456