Discurso no Senado Federal

RETROSPECTIVA HISTORICA DO DIA 13 DE DEZEMBRO DE 1968, DATA DA EDIÇÃO DO AI-5. COMENTARIOS SOBRE O ENCONTRO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO COM LUIZ INACIO LULA DA SILVA.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO. POLITICA PARTIDARIA. :
  • RETROSPECTIVA HISTORICA DO DIA 13 DE DEZEMBRO DE 1968, DATA DA EDIÇÃO DO AI-5. COMENTARIOS SOBRE O ENCONTRO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO COM LUIZ INACIO LULA DA SILVA.
Publicação
Publicação no DSF de 15/12/1998 - Página 18715
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO. POLITICA PARTIDARIA.
Indexação
  • REGISTRO, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, ATO INSTITUCIONAL, EPOCA, DITADURA, REGIME MILITAR, BRASIL, PREJUIZO, DEMOCRACIA.
  • DEFESA, ENCONTRO, DIALOGO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, REPRESENTANTE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, serei muito breve. Até gostaria de ter feito este pronunciamento na quinta ou na sexta-feira, mas isso não foi possível.

Queria apenas fazer o registro de uma data importante. Não sei se alguém já o fez. Não sob a forma de júbilo, mas no intuito de não deixar que essa data seja esquecida. Refiro-me ao dia 13 de dezembro de 1968, data em que foi editado o famigerado AI-5. Penso que o Congresso Nacional deveria, nessa data, fazer sempre uma sessão especial, em que seriam lembrados os nomes de todos os cassados, de todos os torturados, de todos os banidos, as letras das músicas e peças teatrais censuradas. Parece-me que o Senador Ronaldo Cunha Lima já fez pronunciamento nesse sentido. Não o ouvi, e peço desculpas se o estiver plagiando. Mas penso que o Congresso Nacional deveria fazer isso todo ano para que datas como essa, para que fatos como esse não se repitam.

Ultimamente, vários órgãos de imprensa, revistas e jornais, estão apresentando reportagens bastante aprofundadas sobre o assunto. Quero me reportar às famosas fitas da reunião do Conselho de Segurança Nacional que aprovou a edição do AI 5. Trechos dessa fita vieram ao conhecimento do público, se não me engano, no livro 1968, o Ano Que Não Terminou, de Zuenir Ventura, mas não eram trechos completos; agora tivemos oportunidade de ver in totum as declarações dos ministros presentes àquela reunião. A primeira coisa que chama a atenção é que os ministros civis, com a honrosa exceção de Pedro Aleixo, demonstravam muito mais - usarei uma expressão forte, mas popular no futebol - gosto de sangue que a maioria dos ministros militares.

Lamento inclusive que, nessa retrospectiva histórica, alguns desses personagens - Delfim Netto e Jarbas Passarinho -, 30 anos depois, venham dizer que fariam tudo novamente. Os argumentos são, na minha opinião, risíveis. Alguns deles até desmerecem a inteligência de quem os proferiu. Refiro-me, particularmente, à justificativa do Senador Jarbas Passarinho ao dizer que a opção era entre a ditadura ou o comunismo. Se fosse assim, países como a Alemanha e a Itália, que nesse mesmo período tiveram ações de guerrilha urbana, teriam optado pelo mesmo caminho. Esse argumento perde mais substância ainda porque sabemos que naquele final de ano as grandes manifestações ocorridas, particularmente no primeiro semestre de 1968, já estavam se arrefecendo, não só as manifestações estudantis que, em função do período de férias, naturalmente esfriariam, mas também as greves operárias de Osasco e de Ipatinga que aconteceram no primeiro semestre.

Utilizou-se, apenas, da desculpa de um discurso proferido em um pinga-fogo na Câmara dos Deputados - com a repercussão que todos sabemos têm os discursos pinga-fogo naquela Casa - para se forjar uma crise institucional com o pedido de licença para julgamento do Deputado Márcio Moreira Alves. Com a negação, por parte da Câmara dos Deputados - esse foi o argumento - baixou-se o AI-5. Todos nós democratas devemos ter sempre em mente esse episódio para evitar repetições.

Contando com a paciência da Mesa, gostaria de entrar rapidamente em outro assunto que, aparentemente, não se relaciona com o anterior, mas, na minha opinião, remete àquele. Refiro-me à conversa de Fernando Henrique Cardoso com Luiz Inácio Lula da Silva. Faço questão de registrar aqui no plenário do Senado porque, embora tenha sido procurado por alguns órgãos de comunicação, infelizmente não tive o prazer de ver expressa a minha opinião, talvez porque a pauta fosse encontrar apenas aqueles do PT que se manifestassem contra o encontro de Lula com Fernando Henrique. Hoje, inclusive, um dos jornais - não me lembro qual - usou parte de uma opinião minha de que Lula deveria procurar o Brizola para explicar o teor da conversa, mas sem apresentar a minha posição em relação ao episódio em si. E como a matéria está inserida em uma série de manifestações de lideranças da Oposição contrárias ao encontro de Lula com Fernando Henrique, faço questão de deixar aqui registrada a minha opinião: entendo que foi absolutamente correto. Em primeiro lugar, porque sou daqueles que defendem a política com civilidade. Em segundo lugar, porque, como a imprensa vinha informando, o Presidente da República já havia ligado três ou quatro vezes para o Lula propondo que houvesse essa conversa. Durante todo esse tempo, Lula sempre apresentou desculpas, dizendo que não era o momento. Mas chegou-se a uma situação constrangedora. Qualquer brasileiro que receba três ou quatro ligações do Presidente da República solicitando uma conversa, independentemente da função que ocupe, entendo que deveria comparecer à conversa. Penso que o Presidente da República não conseguiu resistir ao charme da Ana Paula Arosio no comercial da Embratel dizendo “Se ligue e ligue”, e toda vez que o Presidente via o comercial ligava para o Lula. Realmente não tinha mais como se evitar essa conversa. Em terceiro lugar, dizer - como ouvi alguns companheiros do meu Partido - que a conversa do Lula com Fernando Henrique Cardoso significa um aval do PT à política do FMI, um aval do PT à reforma da Previdência, um aval do PT ou do Lula a tudo o que o Governo vem fazendo carece também de inteligência da mesma forma que as justificativas apresentadas pelo Senador Jarbas Passarinho. Nesse ponto quero limpar a área para evitar que depois isso venha a ser utilizado na luta política interna. Não estou estabelecendo, em absoluto, comparações entre quem fez comentários a respeito do Lula e quem fez comentários a respeito da defesa do AI-5. Estou dizendo que nos dois casos, a meu ver, há carência de respaldo e até mesmo de inteligência. Quero dizer que considero o fato muito salutar e saudável. Talvez uma conversa como essa tenha repercussão no Brasil exatamente pela nossa falta de cultura para entender a democracia como uma atividade civilizada, que não significa a extinção ou a destruição dos adversários, coisa que valia na época do AI-5. Inclusive, se o Presidente da República, o Governo brasileiro resolvesse estabelecer uma discussão institucional com o Partido dos Trabalhadores e com a Oposição em torno de uma agenda, defendo que o Partido deveria se dispor a conversar com o Presidente da República. Eu não acredito que isso vá acontecer, porque, para isso, deveríamos ter como pressuposto a seguinte fala do Presidente de República: “Estou propondo um pacto em torno do Brasil; penso que a política econômica precisa correção de rumo; quero ver quais são as propostas dos trabalhadores, dos empresários, do movimento social, da Oposição; vamos discutir uma agenda; vamos rediscutir o rumo da política econômica.” Nesse sentido, todos aqueles que viessem a ser convocados deveriam atender ao chamamento. Todavia, na prática, isso seria ir contra aquilo que o Governo tem dito, que foi sacramentado nas urnas pelo voto da maioria da população. Então não acredito que esse chamamento institucional venha a acontecer, embora registre que, se ele ocorresse, eu defenderia que o meu Partido deveria estabelecer esse processo de discussão, sem significar, de forma alguma, adesão ao Governo, participação em Ministério ou apoio incondicional à proposta do Governo. Penso que as manifestações por parte de Lideranças do Governo e de Partidos da base governista saudando com ênfase essa possível participação do PT no Governo, na verdade, ocorrem porque sabem que não existe a mínima possibilidade de tal participação se concretizar. Todos sabemos da briga de foice no escuro para ocupar vagas nos Ministérios, travada entre os Partidos que já fazem parte da Bancada do Governo. Se porventura esses Partidos vissem alguma possibilidade de mais um Partido participar desse processo de distribuição dos cargos, com certeza ele não seria saudado com tanta ênfase.

Sr. Presidente, eu queria fazer esses dois registros. Embora à primeira vista pareçam não ter relação, no meu entendimento têm - a defesa da existência da democracia como uma convivência entre os contrários sem a tentativa de destruição de nenhum deles por qualquer deles.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/12/1998 - Página 18715