Discurso no Senado Federal

MANIFESTAÇÃO DE APOIO A AUTONOMIA DO TIMOR LESTE.

Autor
Carlos Patrocínio (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • MANIFESTAÇÃO DE APOIO A AUTONOMIA DO TIMOR LESTE.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 13/03/1999 - Página 5278
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, SENADO, MANIFESTAÇÃO, APOIO, AUTONOMIA, INDEPENDENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, TIMOR LESTE, INVASÃO, INDONESIA.

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, num mundo em que se consolida, cada vez mais, a tendência de formação de blocos de nações, unidas por interesses compartilhados, a atuação da diplomacia brasileira junto aos países de língua portuguesa não deve apenas ser decorrência de uma colonização em comum, mas também de uma exigência política de maior integração.  

A expressão internacional do Brasil e a sua posição junto aos países lusófonos não nos permitem, portanto, ignorar a crise que atinge parte da comunidade de países de língua portuguesa. Dessa forma, entendo que o Senado brasileiro não pode silenciar em relação à recente luta do Timor Leste para se tornar independente da Indonésia. E solicito a atenção de V. Exªs para o que se exporá a seguir.  

Descoberto apenas 20 anos após o Brasil, o Timor Leste foi colônia de Portugal de 1586 até 1975. A parte ocidental da ilha do Timor, colonizada pela Holanda desde 1859, passou ao controle da Indonésia quando este País se tornou independente, em 1954. Em 1975, Portugal retirou-se do Timor Leste, e a Capital, Deli, foi ocupada pelos guerrilheiros da Frente Timorense de Libertação Nacional - Fretilin. Mas a Indonésia invadiu o país em 7 de dezembro e, em 1976, anexou o território com o nome de Loro Sae.  

Calcula-se que entre 150 mil e 250 mil timorenses morreram devido à repressão do exército indonésio ao movimento de resistência do Timor.  

Em 1983, a Organização das Nações Unidas - ONU - reconheceu o direito dos timorenses à autodeterminação e passou a defender a realização de um referendo, para que a população pudesse decidir seu destino.  

A omissão mundial começou a ser quebrada quando, em 1966, o Prêmio Nobel da Paz foi outorgado a dois defensores da autodeterminação do Timor Leste, o Bispo Carlos Ximenes Belo e o jornalista José Ramos Horta.  

Mas essa merecida concessão em nada alterou a intenção do Governo da Indonésia de manter a ex-colônia de Portugal com mãos de ferro.  

Depois da queda do ex-ditador Suharto, em maio de 1998, e de sua economia ter sido arrasada pela crise asiática, a Indonésia passou a aceitar a possibilidade de conceder autonomia política ao Timor Leste, mantendo sob seu controle a segurança e as relações exteriores. Os movimentos de libertação, porém, querem a independência.  

Recentemente, após muita pressão internacional, o Governo da Indonésia decidiu dar um sinal de boa vontade. Em 10 de fevereiro, concordou em permitir que o Líder do Movimento de Independência Timorense, Xanana Gusmão, deixasse a penitenciária Cipinang. Preso há cinco anos, Gusmão agora cumprirá a sua pena de 20 anos, em uma casa no centro da capital.  

Aos 52 anos, Xanana Gusmão é considerado, dentro e fora do Timor Leste, a pessoa mais indicada para manter a paz no território. A mudança de prisão não deixa os timorenses plenamente satisfeitos. Embora reconheça que a transferência de Xanana Gusmão não deixa de ser "um passo" a mais no processo de autonomia, o Conselho Nacional de Resistência Timorense (CNRT) declarou-se desconfiado das reais intenções do governo indonésio.  

Desde que invadiu o Timor Leste, a Indónésia jamais aceitou dialogar, nem com a Organização das Nações Unidas nem com Portugal, o status do território, que passou a considerar como mais uma de suas províncias.  

Depois de 23 anos de opressão brutal, a Indonésia finalmente resolveu dialogar. As chamadas "reuniões tripartites", com Portugal e um representante do Secretário-Geral das Nações Unidas, passaram a acontecer na sede da ONU. O objetivo das conversas é preparar um projeto para a autonomia política do Timor Leste. No início de fevereiro, as três partes concordaram que os timorenses teriam ampla liberdade de organização política. Apenas o exército, as relações exteriores e a moeda continuariam a ser controlados pela Indonésia.  

O maior ponto de discórdia é em relação ao futuro da autonomia. Para a ONU e Portugal, ela teria de ser transitória; ou seja, depois de alguns anos, os timorenses teriam direito de optar, em um referendo, pela independência completa ou pela integração à Indonésia. Mas, para a Indonésia, a autonomia teria de ser a "solução final". Os indonésios temem que a separação do Timor Leste provoque novos movimentos separatistas num país formado por 13.677 ilhas e quase 600 línguas e dialetos.  

Como se vê, Srªs e Srs. Senadores, a situação é delicada e complexa. Segundo a Anistia Internacional, dezenas de pessoas desapareceram sem explicação no ano passado. Pelo menos 33 condenados à morte esperam execução pelo Governo indonésio. Dezoito ativistas foram condenados à prisão em 1998. Os massacres de civis e prisões com motivação política na ilha são as principais acusações internacionais contra a Indonésia no campo dos direitos humanos. Além desses fatores, parte da população é contrária à saída das tropas da Indonésia, por acreditar que o território, muito pobre, enfrentaria sérias dificuldades caso ficasse abandonado à sua própria sorte. Para a Indonésia, no entanto, abrir mão do Timor Leste tornou-se uma questão política importante. Ao desistir da colônia tomada de Portugal, o país poderia ganhar pontos diante da comunidade internacional, neste momento em que precisa melhorar a imagem para enfrentar sua grave crise econômica. A ocupação do Timor sempre foi malvista devida a violenta repressão imposta aos seus habitantes.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Carlos Patrocínio?  

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO) - Ouço, com prazer, o aparte do eminente Senador Pedro Simon.  

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Quero felicitar V. Exª pela importância do pronunciamento. Não há dúvida alguma de que é importante que questões tão singelas como essa, de um povo que pela sua pobreza, pelo seu abandono, onde não se tem petróleo, não se tem riqueza, sejam conhecidas pelo mundo. Durante muito e muito tempo, o sofrimento, a violência e a morte dominaram o Timor Leste. Foi o Brasil, com o Presidente da República Itamar Franco e o Ministro das Relações Exteriores, José Aparecido, que, pela primeira vez, levantou, em termos internacionais, a questão do Timor Leste. Pela primeira vez, o Brasil falou sobre essa questão, sobre a qual não tomava nenhum conhecimento e nenhuma participação. A partir daí, inclusive com a criação do Conselho dos Países de Língua Portuguesa, dos quais se fez questão que o Timor Leste participasse , e, como diz muito bem V. Exª, com o prêmio oferecido aos dois grandes líderes da libertação, que fez com que a questão viesse à baila, hoje o mundo inteiro acompanha o que está acontecendo lá. Tem razão V. Exª quando diz que a questão da Indonésia é complicada. É uma infinidade de ilhas, uma infinidade de dialetos, uma infinidade de gente, com questões diferentes, mas, dentro daquele contexto, no Timor Leste se fala uma língua que é o português, tem-se uma história e uma tradição que têm condições de serem respeitadas. Creio que está na hora, porque, na verdade, vivemos um momento internacional de uma crise sem precedentes. Eu dizia, nobre Senador Carlos Patrocínio, que iríamos assistir a um fim de milênio fantástico, com o desaparecimento da União Soviética, com a queda do muro de Berlim, com o entendimento entre árabes e judeus, com a integração do mundo globalizado; parecia que iríamos chegar a um final de milênio, pela primeira vez, em paz e tranqüilidade. No entanto, estamos verificando que esses pequenos povos, no término da Iugoslávia, são nações que têm língua, têm religião, têm história - vamos ver isso começando pela Espanha e andando pelo mundo - e que querem ter o direito de ter o mínimo de liberdade. Acredito que a ONU - e V. Exª diz muito bem - teria que fazer um estudo, uma análise com profundidade, para não acontecer como em Angola, em que saíram os portugueses tarde demais, deixando uma guerra suicida que praticamente não tem fim; uma fórmula através da qual esses povos tivessem direito à liberdade, ao seu pensamento, ao seu credo, à sua filosofia, tivessem uma espécie de confederação, em que pudessem se respeitar. Felicito V. Exª. No Brasil, havia uma lacuna muito grande e muito grave, pois, durante anos e anos, não se sabia, pura e simplesmente, o que era o Timor Leste. Tanto que me lembro que, na reunião do Ministério do Presidente Itamar Franco, quando veio a tomada de posição do nosso Embaixador em Portugal a favor do Timor Leste, no Itamaraty, o Chanceler, na época, ficou angustiado dizendo que estávamos criando um problema com a Indonésia; só se falou em termos de Indonésia, porque a questão Timor Leste era praticamente desconhecida no Itamaraty. Hoje, não. O Brasil está à frente do problema. Hoje o Timor Leste faz parte da comunidade das nações da língua portuguesa. Realmente, avançamos, tanto que estamos ouvindo esse brilhante pronunciamento, de grande conteúdo, de V. Exª para chamar a atenção do Senado, porque afinal essa deveria ser a nossa missão. Não digo que façamos como o Senado americano, que não há nada que aconteça no mundo que o americano decida sem antes passar pelo Senado americano. Na verdade, todas as intervenções, e são diárias, dos Estados Unidos no mundo inteiro, permanentemente passam pelo Senado. Não digo que tenhamos aquela força, mas pelo menos alguma este Senado deveria ter em termos de relações internacionais. Meus cumprimentos a V. Exª.  

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PFL-TO) - Eminente Senador Pedro Simon, V. Exª acrescenta subsídios extremamente importantes ao nosso modesto pronunciamento. Na realidade, a nossa pretensão foi chamar a atenção desta Casa, do Senado Federal, da Comissão de Relações Exteriores para esta questão que vem massacrando esses povos que, como nós, falam a língua portuguesa. Nós, que temos as mesmas origens, percebemos que o Brasil não tem se importado, como deveria, com questões como esta. V. Exª nos alegra quando assegura. que durante o Governo de Itamar Franco, do qual V. Exª fez parte, tomou as primeiras iniciativas no sentido de fazer ver aos órgãos internacionais, à ONU principalmente, que o Timor Leste merece o amparo não apenas do povo brasileiro, mas também de todas as nações unidas deste planeta.

 

Portanto, incorporo com muita alegria essas informações que V. Exª acaba de prestar. Era justamente essa a nossa intenção: chamar atenção para esse caso.  

Nos próximos dias, Senador Pedro Simon, vão se reunir os interessados numa reunião tripartite. Esse povo é tão pobre, tão miserável, que nem sabe o que vai querer - se a independência total, absoluta ou meramente uma autonomia, ficando ainda sujeitos à repressão da Indonésia. Isso é muito sofrimento para uma nação.  

Mas continuo, Sr. Presidente:  

Tudo isso pode nos parecer, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, uma questão remota que ocorre em um país distante. Onde fica o Timor Leste?  

Em Timor Leste se fala português e pouca gente sabe disso. Não é de se entranhar. A língua portuguesa é periférica. Falta-nos - e não cabe aqui discutir as razões - o sentimento da fraternidade lusófona.  

A imprensa, que vem dando destaque ao conflito em Timor Leste, descreve uma cena que é ilustrativa a esse respeito. Perseguido pelas milícias indonésias, timorenses se refugiam em igrejas e em seguida rezam o Pai-Nosso - rezam em português, Senador Ramez Tebet. Diz o correspondente internacional que, para um cidadão lusófono, não há como ser indiferente à cena.  

Independentemente da questão política, une-nos aos timorenses a questão linguística. "Minha pátria é a língua portuguesa", escreveu Fernando Pessoa. Em função desses laços, devemos acompanhar de perto o assunto, na expectativa de que os desdobramentos da questão da autonomia do Timor Leste possam avançar no caminho de uma solução justa, global e internacionalmente aceitável.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/03/1999 - Página 5278