Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÕES PELO TRANSCURSO DOS 90 ANOS DO NASCIMENTO DO ESCRITOR CEARENSE 'PATATIVA DO ASSARE'.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÕES PELO TRANSCURSO DOS 90 ANOS DO NASCIMENTO DO ESCRITOR CEARENSE 'PATATIVA DO ASSARE'.
Publicação
Publicação no DSF de 19/03/1999 - Página 5899
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, ANTONIO GONÇALVES DA SILVA, ESCRITOR, ESTADO DO CEARA (CE).

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o sertão do Cariri, no Ceará, comemorou com júbilo e alegria, no dia 5 de março, os 90 anos de um de seus mais ilustres filhos: Patativa do Assaré, conhecido em todo o mundo das letras, citado em aulas da Sorbonne, orgulho da intelectualidade brasileira. Nascido na pequena Serra de Santana, Antônio Gonçalves da Silva começou a poetar em 1922, compondo versos sobre as brincadeiras de São João, a queima do Judas, o plantio da terras, as coisas de seu rincão.  

Foram 3 dias de festas, com a presença de personalidades ilustres do mundo das letras e do mundo político, que compareceram a Assaré para prestar justa homenagem àquele que por quase um século vem cantando as dores e as alegrias de seu povo. A inauguração do Memorial Patativa do Assaré, um casarão tombado pelo Patrimônio Histórico, será o depositário das lembranças da vida de Patativa: discos, livros, medalhas, documentos, fotos, objetos pessoais.  

Aos 12 anos de idade, Patativa aprendeu a ler, mas não perdeu tempo. Apesar de só ter freqüentado a escola por 4 meses, Patativa lia tudo o que lhe caía às mãos: os livros de Felisberto de Carvalho, a Bíblia, os Lusíadas, o Tratado de Versificação de Guimarães Passos. Com tanta leitura, tornou-se um conhecedor profundo da alma humana e dos sofrimentos e misérias dos povos.  

Segundo sua autobiografia, começou a fazer versinhos aos 13 anos, "que serviam de graça para os serranos, pois o sentido de tais versos era o seguinte: brincadeiras de noite de São João, testamento do Juda, ataque aos preguiçosos, que deixavam o mato estragar os plantios das roças".  

Em 1925, vendeu uma ovelha para comprar uma viola e apresentar-se em festejos da região. Antes de completar 20 anos vai para Belém com um parente, José Alexandre Montoril, onde canta em bailes durante quase um ano. Lá conheceu José Carvalho, que o citou em livro que estava escrevendo "O matuto cearense e o caboclo do Pará". Retornando ao Ceará, comparece com uma carta de recomendação de José Carvalho, ao salão de D. Henriqueta Galeno, onde canta os motes que lhe dão. Esse salão era freqüentado pelos poetas cearenses e pelos menestréis da caatinga. Em 1936 casa-se com uma parenta, Belarmina Paes Cidrão, a D. Belinha, com quem viveu maravilhosos 58 anos e teve vários filhos.  

Teve sua obra publicada pela primeira vez, em 1956, pela Editora Borsi, do Rio de Janeiro: Inspiração Nordestina . A partir daí, alguns músicos começam a se interessar por suas composições e, entre eles, Luiz Gonzaga e Raimundo Fagner gravam poemas de sua autoria. A Triste Partida, gravada por Luiz Gonzaga, é uma loa à migração nordestina: "Eu vendo meu burro, meu jegue e o cavalo/Nós vamo a São Paulo vivê ou morrê". Mas foi o seu segundo livro, Cante lá que eu canto cá - Filosofia de um trovador nordestino , editado em 1974, com 9 edições e 28 mil exemplares publicados, que lhe trouxe fama internacional. Desse livro, a famosa e sensível poesia: "Poeta, cantô de rua,/Que na cidade nasceu,/Cante a cidade que é sua,/Que eu canto o sertão que é meu./Se aí você teve estudo,/Aqui, Deus me ensinou tudo,/Sem de livro precisá/Por favô, não mêxa aqui,/Que eu também não mexo aí,/Cante lá, que eu canto cá."  

Muitos de seus versos viraram música e foram gravados por cantores famosos, como Luiz Gonzaga, Fagner, Alcimar Monteiro, Sérgio Reis, José Fábio, Daúde, Abidoral Jamacaru, entre outros. A cantora baiana Daúde transformou Vida Sertaneja, uma quase autobiografia do cantador, em um rap-repente de grande sucesso, sublinhando o mérito do autor da letra.  

O canto é sempre de protesto e compaixão por um povo sofrido e humilhado pelas constantes secas da região. A questão da seca que provoca o êxodo dos retirantes dá o mote a muitos de seus versos. Numerosos são os poemas-denúncia. O desinteresse dos governantes neles está manifesto. Outras publicações vieram enriquecer sua obra: Ispinho e Fulô e Aqui tem coisa , onde já aparece o tom político de protesto contra o assassinato do Padre Vito Miracapillo. A defesa da campanha da Anistia é assunto também do gosto do poeta defensor dos desamparados e perseguidos.  

Avesso ao folheto, livreto em quarto de página, acabou publicando, em 1993, uma coletânea de 13 cordéis, acondicionados em uma caixinha de cartolina, por iniciativa do pesquisador Gilmar de Carvalho.  

Marcado pela cegueira do olho direito, aos 4 anos de idade, em 1973, perde uma perna em acidente ocorrido em Fortaleza. Com tristeza, aos 70 anos, desce a Serra e estabelece-se em Assaré. A sua importância é tão grande e profunda que, desde 1931, é citado em várias obras de críticos literários brasileiros, entre eles, José Carvalho, Francisco de Assis Brito, Jesus Rocha, Plácido Cidade, Oswald Barroso, Alexandre Barbalho. Em 1984, na ocasião em participou do Movimento das Diretas-já, os alunos do curso de Comunicação da Universidade Federal do Ceará, lançam o vídeo "Patativa do Assaré".  

Dois anos depois, apóia a candidatura de Tasso Jereissati ao Governo do Ceará. Os últimos 20 anos de sua vida têm sido marcados por uma atividade incessante, da qual participa com alegria incomum. Lançamentos de livros e discos, participação em novelas, comparecimento a exposições, seminários e entrevistas, sem falar na participação política.  

Aos 90 anos, Patativa do Assaré continua fumando o seu cigarrinho Derby, companheiro há 80 anos, apesar das lambadas que levou do pai. Ajusta, com freqüência, o aparelho de audição, para melhor ouvir o canto dos bem-te-vis. Com o inseparável chapéu de feltro preto, os óculos escuros que escondem a cegueira, hoje definitiva, recebe no alpendre de sua casa, em Assaré, com cortesia, as visitas freqüentes.  

Semanalmente, Patativa do Assaré volta à Serra de Santana, para receber no rosto o ar frio das montanhas, para sentir o cheiro do mato molhado e das plantações. A recordação de seus anos de infância, juventude e maturidade, o trabalho suado com a enxada na terra são o tônico da vida do poeta. As lembranças ajudam na composição de novas toadas. Mesmo quando, hoje, reclama da condução dos negócios do País, da pobreza tão grande e da riqueza tão mal distribuída.  

É na Serra que mora a família, bem pertinho uns dos outros. E é para lá que Patativa corre para se fortalecer com as saudades de um tempo que não volta mais. O amor à terra que herdou do pai e na qual mourejou e poetou a vida inteira é mais forte que tudo. Subindo a serra, renasce. Conversa com os amigos e brinca de poesia. Hoje, mora com a filha Lúcia. Ela e todos os outros filhos desmancham-se em cuidados com o pai.  

Na Serra, encontra-se com o sobrinho, Geraldo Gonçalves de Alencar, com quem gosta de compor. O discípulo predileto desafia o tio professor. Os dois divertem-se. E aparecem outros poetas. E a poesia do sertão corre solta e livre. Alegre. Patativa esquece as noites de insônia, o cansaço, a falta de ar, a moleza que tanto o incomodam na cidade. E se diverte com o herdeiro. Tranqüilo, porque sabe que a tradição continua na voz de seu sobrinho e parceiro Geraldo.  

A obra de Patativa ultrapassou as fronteiras brasileiras. Foi traduzida nos Estados Unidos, na Inglaterra por Colin Hanfrey, do Centro de Estudos Latino-Americanos de Liverpool, e na França. Nesse último país, sua poesia exótica e oral faz parte da cadeira de Literatura Estrangeira da Sorbonne. O professor Raymond Cantel cita o autor do Cariri com freqüência. E seu livro Cante Lá que eu canto cá faz parte da Biblioteca da Universidade.  

Sr. Presidente, esse é Patativa do Assaré, fenômeno cearense, a quem presto, hoje, minhas homenagens, pelos bem vividos 90 anos, cujos versos trazem alegria a seus ouvintes e matéria para meditação, especialmente para nós, políticos, que, amiúde, esquecemos o sofrimento e a miséria que assola nosso povo.  

Era o que eu tinha a dizer.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/03/1999 - Página 5899